A açorda de camarão e lagosta, os peixinhos da horta, os pastéis de massa tenra e as costeletas de borrego foram e são alguns dos trunfos que ajudaram o restaurante a tornar-se numa casa de culto em Lisboa, ao longo dos últimos 43 anos, tanto na icónica morada original, no Bairro Alto, como na atual, no Mercado da Ribeira. Mas Manuela Brandão, cozinheira do Pap’Açôrda praticamente desde o início, aponta as preferências para “um arroz de cabrito no forno, uma lampreia, a lebre estufada em vinho tinto e chocolate ou a empada de perdiz”, que só confeciona uma vez por ano, na devida época. “É gratificante, uma lufada de ar fresco”, conta a cozinheira.
Tinha apenas 17 anos quando deixou Trás-os-Montes para integrar a cozinha daquele que viria a ser um dos mais emblemáticos da capital. “Entrei num mundo completamente diferente. Eu era uma miúda, não sabia que havia mais mundo e fiquei fascinada. Fez-me crescer. O Pap’Açôrda foi a minha faculdade. E nunca me passou esse fascínio, até hoje. Continuo a cozinhar com a mesma emoção”, adianta Manuela, acrescentando que os últimos 43 anos têm sido uma “caminhada longa e feliz”.
Um percurso – criado em março de 1981 por um trio de amigos e sócios, Fernando Fernandes, José Miranda e Manuel Reis – que fica agora imortalizado em livro, batizado com o nome do restaurante, que resume em página – em palavras, fotografias atuais ou de arquivo – quatro décadas de pratos, casa cheia, clientela fidelizada, além de abordar o paralelismo de uma casa que crescia em popularidade com um Bairro Alto e uma Lisboa cada vez mais cosmopolitas.
Além disso, o novo livro “Pap’Açôrda” reúne citações, textos inéditos ou anteriormente publicados, onde se multiplicam elogios, pelas mãos de figuras diversas da nossa praça. “O Pap’Açôrda é objetivamente um grande restaurante português. […] É tão bonito. E tão bem-educado”, escreveu Miguel Esteves Cardoso. “Não é coisa pouca que um restaurante nos conforte, nos dure e nos ensine tanto, com tanta delicadeza, tanta alegria e tanta inteligência”, frisou Catarina Portas no livro. Sem esquecer as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa: “Sentimo-nos em casa no acolhimento, na simpatia, no à-vontade, no calor humano, na sensação que temos lá como se estivéssemos em nossa casa. E isso é muito raro e isso é o encanto do Pap’Açôrda”.
Como se explicam 43 anos de sucesso?
Num caso de rara longevidade, é esta a pergunta milionária. Obviamente, o que chega à mesa para se provar é imperial. Mas não só. “Ser a mesma pessoa na cozinha ajuda muito. Ou ter colegas que estão cá há muito tempo. Essa consistência é uma das mais-valias. E a preocupação de que essa estabilidade seja posta na sala, no bar”, diz a chef.
A mudança para o Cais do Sodré, quando o restaurante somava 35 anos, fez-se no timing certo, explica a chef. “Foi um desafio superior, uma casa maior, mais colegas, mais responsabilidade, que chegou na maturidade certa. Tem corrido muito bem, sou feliz com o que faço. Podia estar cansada, mas não”, adianta Manuela Brandão.
Findas quatro décadas, como imagina a chef um Pap’Açôrda daqui a outros 40 anos? “Vejo-o igual. Casa cheia, as pessoas satisfeitas, a perguntar: ‘Ó D. Manuela, o que vou comer hoje?’ Vejo-me assim. E feliz ainda. Se calhar já marreca [risos], mas feliz”, remata.
“Pap’Açôrda”. Contraponto Editores. 176 páginas. PVP: 29,90 euros