Num dia soalheiro tudo parece encorajar quem chega para descobrir esta vila do concelho de Portalegre, vagarosa como só as vilas no Alentejo sabem ser. O centro histórico do Crato é o melhor sítio para começar, nomeadamente pelo Museu Municipal, essencial para conhecer a origem do conhecido Prior do Crato.
O museu foi instalado num palácio barroco e após oito anos encerrado reabriu ao público em 2017 com um novo projeto museológico distribuído por dois pisos. Nele se explana a história do concelho da pré-história até ao século XX, através de um percurso com artefactos e objetos artísticos da vida espiritual e material da vila.
Da presença humana pré-histórica conhecem-se mais de 70 antas, como a Anta do Tapadão (na freguesia de Aldeia da Mata), ícone de um dos mais densos conjuntos megalíticos do nordeste alentejano. A civilização romana também deixou vestígios no território, mas é da época medieval que sobretudo reza a história do Crato que aqui se dá a conhecer.
Depois de conquistada aos mouros por D. Afonso Henriques, D. Sancho II doou a vila à Ordem Militar do Hospital (mais tarde Ordem de Malta) em 1232, iniciando aí um capítulo áureo na história do Crato. A ordem, instituída por comerciantes italianos como casa de abrigo de peregrinos em direção a Jerusalém, ganhara rapidamente uma função de serviço militar, expandindo-se por quase toda a Europa, e depois de chegar a Portugal seria decisiva nas batalhas da Reconquista. A doação da vila havia sido feita na condição de a Ordem de Malta a desenvolver e fortificar, pelo que no mesmo ano foi concedido o primeiro foral ao Crato.
Foi já no reinado de D. Sancho II que os seus domínios se estenderam ao Alto Alentejo. Em 1356, Frei Álvaro Gonçalves Pereira, Prior do Crato e pai do Condestável D. Nuno Álvares Pereira, mandou construir então o Mosteiro de Santa Maria de Flor da Rosa como sede da Ordem de Malta em Portugal.
O Palácio do Grão-Prior, da mesma demanda, foi construído pelo arquiteto Miguel Arruda, na atual Praça do Município, mas dele só restaram um janelão e a imponente varanda sustentada por arcos de volta perfeita. Na praça vê-se também o edifício dos Paços do Concelho e o Palácio Sá Nogueira, assim como o pelourinho onde era exercida a justiça na vila. Quem estiver minimamente atento reparará também nas cruzes da Ordem de Malta visíveis ainda hoje em muitos edifícios e placas toponímicas.
Dormir num paço-mosteiro
Hoje, já ninguém contesta o magistral projeto com que Carrilho da Graça converteu o Mosteiro de Flor da Rosa num hotel, na aldeia homónima, a cinco minutos de carro do Crato. De raiz medieval e estrutura gótica, símbolo do poder da Ordem de Malta no sul do país, o paço-acastelado, igreja e dependências conventuais mantiveram-se no tempo graças a várias campanhas de obras e sobreviveram a inúmeros episódios de destruição, tendo começado a ser recuperados nos anos 1940.
Quando o famoso arquiteto entrou em cena para erigir a Pousada Mosteiro do Crato, aberta em 1995 e atualmente gerida pelo Grupo Pestana, estalou a polémica. Era um projeto demasiado contemporâneo para um mosteiro do século XVI, alegaram os críticos. O tempo, porém, encarregou-se de fazer ver a mais-valia (e beleza) da obra, que não só recuperou o monumento, respeitando-o, como lhe deu nova vida. Numa nova ala criada de raiz foram instalados 13 dos 24 quartos da unidade e um moderno spa (com hidromassagem, sauna, banho turco, piscina e sala de tratamentos), inaugurado há três anos.
O imaginário da vida guerreira, monástica e palaciana revive-se em cada uma das salas do mosteiro, uma deles com lareira, outra com mesas de jogo, e ainda num bar. Na torre remodelada foram instaladas três suítes dotadas de todo o conforto. Terá sido numa delas, reza a história, que nasceu D. Nuno Álvares Pereira, cujo corpo está sepultado na igreja do Convento do Carmo, em Lisboa. O corpo do pai encontra-se sepultado na igreja do mosteiro.
Completam os serviços do hotel uma ampla piscina para crianças e adultos, com zonas relvadas e oliveiras, e um restaurante com janelões virados para o jardim. Escolhendo à carta ou entre as sugestões diárias do chef, deve-se provar aquilo que é característico do Alentejo, como pataniscas de farinheira com puré de feijão encarnado e azeitonas e a coentrada de cação com pão frito e batata. Para adoçar a boca, seja feita honra ao tecolameco, o doce mais tradicional da terra, feito com amêndoa, gema de ovo, banha, manteiga, açúcar.
Artesanato secular
Uma boa forma de digerir o repasto alentejano é fazer uma caminhada pela aldeia de Flor da Rosa, um aglomerado de casas baixas, listadas a amarelo, onde o tempo parece demorar-se. De caminho chega-se à Olaria de Rui Heliodoro, ele que será, com 50 anos, o único oleiro a trabalhar a tempo inteiro na aldeia.
«Sou artesão há 25 anos. Trabalhava como pintor de automóveis numa oficina, por força do meu pai, mas o que eu gostava era disto», conta, no meio da olaria toda pintalgada de barro seco. Sempre que podia ia aprender a fazer barro para o quintal de um vizinho. «Depois aprendi a olaria tradicional da aldeia e aprendi a olaria mais inovadora no curso da Escola de Olaria», uma iniciativa da Câmara Municipal do Crato que começou em 1988 e entretanto deu origem à empresa de inserção Barros da Flor da Rosa.
Luta-se pelo «desenvolvimento e salvaguarda das origens» desta tradição centenária, com referências escritas do século XVII, e que em tempos tornou Flor da Rosa um dos mais importantes centros oleiros de produção de loiça utilitária do Alto Alentejo. Só ali, chegaram a trabalhar 80 oleiros, pelas contas de Rui. Mas com o tempo foram desaparecendo, e aquilo que era a produção da chamada loiça de água e de fogo (cantis, barris, alguidares para a matança do porco e panelas, entre outras peças) virou-se mais para a produção de peças decorativas, pintadas com desenhos originais. Miniaturas, pratos, pequenas ânforas e presépios. «O que as pessoas procuram é o que eu tenho de fazer», comenta o oleiro em tom conformado.
Trabalho, ainda assim, é o que não lhe falta. Compra o barro já preparado, senta-se em frente à roda de oleiro elétrica (a antiga jaz ao lado como peça de museu) e em minutos produz uma peça pequena, contando também com um forno elétrico na oficina. Quem lhe faz encomendas são autarquias e associações. Nalgumas feiras, como a de artesanato e gastronomia do Festival do Crato, que acontece todos os anos no verão, também as vende.
Umas portas ao lado, parece que Leonilda Durão e José Durão, ambos de 60 anos, também não têm muita razão de queixa. Mal ou bem, O Recanto vai tendo clientela, da residente à de passagem, sobretudo da pousada, que fica a cinco minutos a pé. E a procura não se explica apenas pela menção no guia turístico do Crato: a comida é honesta, puramente alentejana, e o serviço rápido e eficaz.
As migas são um dos pratos fortes. «Antigamente só se faziam com pão», sinal de um Alentejo pobre e remediado – lembra Leonilda – e é assim que elas chegam à mesa com carne frita a acompanhar. Antes disso, uma sopa de açorda alentejana. Vinho a jarro. Depois, pode escolher-se entre alhada de cação, enchidos de carne de porco e outras especialidades, nas quais se contam também as sobremesas locais.
De porta aberta há 28 anos, conta o casal que já ali receberam várias figuras públicas. Um dos episódios que lhes ficou na memória foi o da vez em que acolheram uma equipa de filmagens de um filme que estava ser rodado no Mosteiro de Flor da Rosa. «Eram franceses e portugueses, vinham cá comer quase todos os dias», conta Leonilda. Pelo que O Recanto e todos os outros locais têm para oferecer, eis porque o Crato e Flor da Rosa continuam a merecer a visita.
Petiscos e produtos locais
Quando abriu A Mercearia, há três anos, Catarina Rodrigues quis proporcionar um «espaço familiar» que juntasse cafetaria e loja de produtos regionais. Dito e feito, hoje entra-se na pequena loja e são muitos os vinhos, cervejas artesanais, broas de mel, biscoitos, bolos, licores, doces, azeites, rebuçados e frascos de mel que enchem, entre outros, as prateleiras mantidas da drogaria que ali funcionou.
«Vende-se um bocadinho de tudo», conta Catarina, satisfeita com a sua montra de produtos do Alto Alentejo. Na sala ao lado funciona a cafetaria, onde vende petiscos como ovos mexidos com farinheira, empadas, rissóis, tibornas e uma sopa do dia – para comer na loja ou numa pequena esplanada do outro lado da estrada. Esta é «a única loja do género em toda a vila», assegura a comerciante.
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