Crónica de André Rosa: Que nunca caia o wi-fi entre nós

As apps de mensagens e videochamadas são das mais utilizadas para comunicar nestes dias. (Fotografia: DR)
Nunca estivemos tão distantes uns dos outros e ao mesmo tempo tão conectados. Estes novos tempos paradoxais vieram mostrar-nos coisas óbvias nas quais não reparávamos.

Vivemos agarrados aos ecrãs. Vivemos com eles. Dependemos deles para tantas coisas do dia-a-dia que nem temos noção de como se tornaram extensões dos nossos braços, ferramentas indispensáveis para organizarmos o nosso mundo. E se já era assim antes do isolamento social imposto pelas medidas de combate à pandemia de Covid-19, hoje ainda mais. Este novo padrão veio aumentar o recurso aos telemóveis, tablets e computadores para lidarmos com a impossibilidade (ou dever moral coletivo) de (não) estarmos fisicamente juntos. E quem diz “estarmos juntos”, diz estarmos noutro local que não a nossa casa.

Nunca, como hoje, se recorre tanto às aplicações móveis, numa vertigem coletiva de adesão a novidades como o House Party (que, ao que parece, é um esquema de pirataria) e o Zoom (que, aparentemente, rouba dados pessoais). Mantiveram-se os sms, as mensagens no Whatsapp, no Messenger, assim como no chat interno do Instagram. Frase atrás de frase, continuamos a mandar mensagens como se fosse muito pertinente o que nos ocorre dizer a alguém, antes que esse pensamento passe e fique para trás na interminável fila de tarefas a cumprir. Porque escrevemos tanto, se o que escrevemos no momento será ultrapassado por outras palavras de ocasião?

Tudo veio de novo parar às nossas mãos graças à Internet e à tecnologia, com os negócios a reiventarem-se a uma velocidade estonteante.

Duros dias, estes. E, estranhamente, tão paradoxais: nunca estivemos tão distantes, mas ao mesmo tempo tão à distância de uma videochamada ou de uma mensagem. Nunca estivemos tão livres – de transportes públicos, reuniões, horas de almoço, filas de trânsito, filas para apanhar o elevador na empresa -, mas ao mesmo tempo tão ocupados com filhos, aulas virtuais, teletrabalho, podcasts… um sem fim de solicitações e afazeres caseiros e familiares. Ficou tudo para lá da porta – os sítios onde gostamos de ir para sair, comer, comprar, beber, sentir, ver, tocar, viver e no entanto, em menos de nada, parece que os astros se realinharam para podermos ter tudo isso (ou uma essência do que isso é) de volta. Restaurantes? Estão fechados, mas a expedir pratos através de apps de encomendas e take-away. Peças de teatro? Passam em streaming. Bebidas? Podemos encomendá-las e rezar para que não se entornem na traseira da mota do estafeta. Papel-higiénico? Se esse bem de luxo do século XXI ainda
estiver à venda nalgum hipermercado, a Glovo vai buscá-lo por nós. Ginásio? Muitos pagavam-no sem dele usufruir e agora podem fazer treinos online, gratuitos, com instruções por vídeo a partir do telemóvel ou no ecrã da sala. Provas de vinho? Basta seguir as contas certas no Instagram e elas acontecem, com horas marcadas, enólogos, produtores e um auditório interessado.

Tudo veio de novo parar às nossas mãos, graças à Internet e às tecnologias. As empresas deram um salto tecnológico para pôr os trabalhadores em regime de teletrabalho, percebendo que, afinal, é possível; os negócios físicos e tradicionais reinventaram-se a uma velocidade estonteante, e até o setor do lazer e da cultura, sensorial por natureza, soube adaptar-se à “écranização” das experiências através da Internet e das aplicações que todos têm instaladas nos telemóveis. Por enquanto, ninguém tem ideia do quanto esta pandemia mudou a nossa forma de nos relacionarmos social, cultural e economicamente. Para já, sabemos que os ecrãs amenizam a distância, e que é sobre eles que nos continuaremos a debruçar.




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