Crónica de André Rosa: O dia depois de amanhã

(Fotografia: DR)
A seu tempo se farão as devidas reflexões sobre como a pandemia nos marcou como coletivo humano. Para já, só queremos que tudo volte a ser como era e recuperar o tempo perdido.

O “dia da liberação” português está aí ao virar da esquina. Depois de a Dinamarca ter sido o primeiro país da União Europeia a levantar todas as restrições impostas pelo combate à Covid-19, seguiu-se a Suécia e, à semelhança destes, também Portugal poderá em breve assinalar no calendário o dia em que a maioria das medidas anti-pandémicas será revertida. Será certamente um dia histórico no longo historial de dois anos que este acontecimento de saúde pública já leva.

Sem máscaras no rosto nem penduradas nos espelhos retrovisores dos carros (ou pior, bamboleantes debaixo do queixo), haverá por certo quem experimente um grau de estranheza ou desconforto ao circular na rua, nos transportes públicos e nos espaços fechados. A verdade é que todos nos habituámos a conviver com o dito equipamento de proteção individual, assim como a respeitar a “distância social” e a desinfetar as mãos a cada contacto físico com pessoas e superfícies muito tocadas.

Porém, assim como aprendemos novos hábitos e comportamentos de segurança, teremos de ser capazes de os desaprender, com vista a libertar-nos destas amarras sanitárias que em muito limitam a natureza humana. Os apertos de mão, os abraços, os beijos e as demonstrações genuínas de afeto ficaram suspensas, e se há já quem pareça tê-las recuperado, outros mantêm-se resguardados e vigilantes.

Será o regresso à vida que existia antes da eclosão da malograda pandemia. Há dias, uma empresária da restauração comentou comigo que o setor estava cansado de se “reinventar”, ao que eu respondi prontamente que já ninguém se
quer reinventar em nada: o que todos queremos é que a vida volte a ser o que era.

Tal como muitos restaurantes já não têm energia, nem meios, para se reinventarem na nobre missão de proporcionar boa comida e bons momentos à mesa, também os clientes já não parecem dispostos a substituí-los por refeições pré-feitas em vácuo. Assim como as salas de espetáculo precisam de encher plateias como de pão para boca, os espectadores querem poder ver uma peça sem se sentirem amordaçados na própria máscara. As discotecas não querem mais reinventar-se como bares nem cafés (e muitas, de facto, já voltaram ao que eram), mas sim acolher, como antigamente, centenas de pessoas ávidas por diversão. A seu tempo se farão as devidas reflexões sobre como a pandemia nos marcou como coletivo humano. Para já, só queremos que tudo volte a ser como era e recuperar o tempo perdido.




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