Crónica de Ana Luísa Santos: Pequenos gestos

(Fotografia: Rui Oliveira/GI)
Perfeitos estranhos que não esperam dinheiro, likes ou hashtags, nem comentários nas redes sociais, têm-me dado muita felicidade ao longo dos anos.

Por vezes, dou por mim a reparar que num Mundo sobrecarregado – de marcas, de informação, de filmes e séries, de viagens por fazer, de restaurantes por experimentar – alguns dos momentos que acabo por levar comigo são os mais espontâneos e insignificantes. Apesar de, para mim, esta ser a melhor altura para viver – há tanta coisa para fazer! – confesso que me vou comovendo cada vez mais com as pequenas coisas, como sentir o cheiro das flores da minha rua, contemplar um céu estrelado, ver as árvores a ganharem novas tonalidades e gestos simples de bondade vindos de perfeitos estranhos.

Não esperam dinheiro, likes ou hashtags, nem comentários ou opiniões nas redes sociais. Fazem-no sem me conhecer, simplesmente porque acreditam que isso me vai dar um bocadinho de felicidade. E dá – mas não dá apenas um bocadinho, dá muita. Ao longo destes últimos anos, quando comecei a dar mais valor a esses gestos, marcou-me a senhora a quem perguntei onde era o campo de futebol para ir ver um amigo jogar. Ao que me respondeu que era um pouco longe e o caminho não o melhor para fazer sozinha (na altura, teria uns 16 anos). Então, ofereceu-se para me levar lá de carro. Agradeci-lhe imenso na altura e hoje continuo sem saber como se chamava.

Recordo com carinho as várias vezes que o senhor das castanhas me pôs bem mais que meia dúzia delas no cartucho de papel, e aquele dia em que o senhor da padaria, mesmo sabendo que eu não era uma cliente regular, me deixou ficar a dever dois euros, porque não queria que eu ficasse sem bolos no fim de semana (entretanto, já os paguei). Ou a gentileza do dono do quiosque, onde só podia passar à hora do jantar para ir buscar a encomenda, se oferecer para deixar a parcela no restaurante ao lado, para que a pudesse levantar nesse dia.

Não me esqueço que a minha melhor memória da viagem que fiz sozinha a São Miguel, foi graças a uma dica que a Sara, funcionária de um minimercado, me deu, quando me prestei à conversa na hora de pagar as compras. E ainda hoje recordo com espanto o ter ido buscar um caderno com horas de apontamentos aos Perdidos e Achados do metro, depois de alguma alma caridosa o ter deixado lá. Achando, e bem, que me poderia fazer falta.

Por tudo isto, tento ser gentil e retribuir, também, apanhando rapidamente e devolvendo a carteira que acabara de cair à pessoa que andava apressada à minha frente; segurando a porta do elevador a quem vem a correr – mesmo que já o tenha feito várias vezes seguidas -, ajudando com paciência quem me pede informações, ou levando turistas de carro para onde querem ir, tanto na minha rua, como em França (e, de seguida, ir procurá-los, com a minha amiga, à aldeia onde os tínhamos deixado, para devolver a câmara fotográfica esquecida no banco).

Eu sei que não são gestos grandes – talvez para quem os teve comigo também não fossem e, ainda assim, recordo-me deles muitas vezes – mas sempre que os recebo, ou faço, acredito que o Mundo fica um bocadinho melhor.




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