Crónica de Ana Luísa Santos: Lixo de uns, tesouro de outros

A loja Mon Père Outlet, no Porto (Fotografia: Pedro Granadeiro/GI)
Sempre gostei de roupas antigas, de épocas que não vivi. Confinada entre quatro paredes, anseio por mergulhar novamente em lojas de roupa em segunda mão e ser encontrada por peças especiais.

Há um mês, quando vim para casa, a minha cabeça começou automaticamente a percorrer as coisas que, achava eu, me iriam dar mais saudades durante o isolamento social. Na altura, apostei em viagens e refeições fora. Mas, agora, são outras coisas, bem mais simples, que me deixam a suspirar por uma saída despreocupada de casa. Uma delas é visitar lojas de roupa em segunda mão. Curiosamente, enquanto escrevo esta crónica, aquece-me uma camisola roxa comprada ao quilo, numa dessas lojas, em Barcelona.

O meu amor por coisas antigas também é, ele mesmo, antigo. Desde miúda que gosto de descobrir pérolas na nossa casa de família na aldeia. Uma das primeiras coisas que fazia quando lá chegava era abrir os armários e os guarda-roupas e apreciar o que via. Era, e é – quando puder regressar – um ritual que me dá prazer repetir ao longo do tempo, porque o gosto pessoal vai mudando, e peças que não me diziam nada há uns anos, agora falam-me ao coração. E com a devida autorização do dono, levo-as para casa e dou-lhes novo uso.

Eventualmente, comecei a desbravar terreno no Porto. A Rosa Chock, agora com morada em Braga, e a Trash Vintage foram alguns dos primeiros espaços que visitei com a Sara, outra amante de trapos, como eu. A excitação com que passava a porta, alimentada pela expectativa do que lá ia, ou não, encontrar, ainda me acompanha hoje, quando entro na Mon Père, na Wild at Heart, na Mão Esquerda, na Ornitorrinco, ou mesmo em qualquer uma das lojas Humana que polvilham a cidade.

E em todas as outras além-fronteiras. No planeamento das minhas viagens, não podem faltar listas – quem me conhece, sabe que gosto muito de listas – de restaurantes, de museus e de lojas vintage. A última vez que alinhavei uma deste género foi para a minha viagem a Madrid. Não comprei muito, confesso, mas deliciei-me em mais de dez lojas, a ver, a tocar, a experimentar. Percorri quase todas do bairro de Malasaña e perdi-me na Vintalogy, na Calle de Atocha, uma antiga loja de tecidos que dá agora casa a milhares de peças selecionadas e bem tratadas à procura de uma segunda – quem sabe, terceira – oportunidade. O espaço, com cerca de 800 metros quadrados, decorados com peças antigas de mobiliário e música de época, é tão bonito que ali apetece ficar.
Também compro usados pela Internet, mas prefiro presencialmente. Gosto de vestir a peça, de a sentir. De me ver com um casaco amarelo vivo, de criança, e achar que fica giro, vários números abaixo do meu.

Nem sempre encontro o que procuro, por mais que me esforce. Na verdade, acontece-me mais peças especiais encontrarem-me a mim, como a saia com flores que comprei na Retro City, quando lá fui à procura – lá está – de outra coisa qualquer. Mais do que dinheiro para comprar o que gosto, gostava de ter mais tempo para apreciar com calma aquelas peças coloridas, alinhadas em varões compridos, que já pertenceram a outras pessoas, viveram outras vidas. Talvez tenham presenciado um momento importante na História, feito uma viagem longínqua ou participado numa festa especial. Talvez sejam peça única no Mundo. Nunca sei a história daquilo que estou a comprar, mas traz-me consolo saber que já teve uma.




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