Crónica de Ana Costa: Chegar a setembro

(Fotografia de Leah Kelley/Pexels)
Todo o verão era uma espera pela chegada da primeira semana de setembro, e do passeio em família, de mala cheia, mapa aberto no tablier, vários rolos de fotografia na algibeira e sem destino.

Todos temos uma imagem na memória que nos leva aos dias de férias grandes. A mim, marcou-me a antecipação pelo mês que todos os outros não queriam ver chegar: setembro. Não pelo regresso à escola, obviamente, mas por um punhado de dias que eram, no meu entendimento, o apogeu do verão. Aqueles meses infindáveis, passados de calção e chinelo de dedo, entre o pátio cimentado à sombra da ramada e a cozinha de tijoleira laranja a roer cenouras descascadas para a sopa – “Come. Faz os olhos bonitos”, dizia-me a avó Maria. Eu acatava e comia -, tinham sabor a fatias de melão branco e gelados de iogurte improvisados (que nada mais eram que suissinhos lançados para o congelador com uma colher espetada).

Havendo primos a passar o dia em casa dos avós, era certeza de uma competição de baloiço para ver quem voava mais alto e tocava primeiro nas folhas da ramada, sob o olhar atento do avô Clemente, a certificar-se que não fazíamos asneirada, como deitar as uvas ao chão (o que acontecia com frequência).

Num recente regresso à casa onde cresci, apercebi-me que as dimensões de que me recordava não se confirmavam. Estava certa de que o pátio era muito mais comprido, as laranjeiras que trepava mais altas e a cozinha genericamente maior. Não o eram então e também não mudaram agora, mas foi assim que as gravei na memória. Em proporção da minha estatura de criança, era todo um mundo, gigante, que explorava dia após dia.

Ocasionalmente, havia uma ida à praia e o entusiasmo quase não deixava dormir na noite anterior. A missão era sair de casa o mais cedo possível e chegar ao areal ainda deserto, enroscados em casacos ou nas toalhas para fazer frente à nortada da Póvoa de Varzim. Gradualmente íamos tirando as camadas, correndo às pocinhas de água formadas entre as rochas na maré baixa, à procura de… bem, qualquer coisa que nos despertasse o interesse. A meio da manhã bebíamos um iogurte debaixo do guarda-sol, a ver chegar mais banhistas e ocupar o espaço que até então era nosso por inteiro. Ir com o pai era promessa de almoço no restaurante, com a mãe de piquenique na praia, mas qualquer um deles fazia ganhar o dia com um gelado de sobremesa.

Durante três meses era esta a rotina, todo o verão em espera pela chegada da primeira semana de setembro, e da viagem em família, de mala cheia, mapa aberto no tablier, vários rolos de fotografia na algibeira e sem destino. Íamos seguros de arranjar sempre pernoita onde quer que nos aprouvesse parar. Tudo era uma aventura, as paragens, os passeios, os hotéis, e tudo estava fresco na memória no regresso às aulas, para contar aos amigos. Era só uma semana, muitas vezes reduzida a cinco dias, mas eram os únicos dias do ano em que os meus pais fechavam portas ao café e estavam ambos connosco no passeio. Só por isso, sabia a ouro, além da satisfação de ir de férias quando todos os outros regressavam ao trabalho. Este ano, as férias têm um sabor idêntico. Aguardei a chegada de setembro, que veio com sol e calor, para uma despedida do verão em alta, e entrar num novo ciclo de energias restauradas. Com fatias de melão e gelado, e ainda sem destino.




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend