Crónica: a costela urbana e a costela rural

Crónica: a costela urbana e a costela rural
Brufe, em Terras de Bouro. (Foto: Rui Oliveira/GI)
Tenho alma citadina mas o coração na aldeia, desde criança. Talvez por isso, mais do que as cascatas e lagoas cristalinas que inundam o Instragram e aglomeram visitantes a mais em simultâneo, importa virar atenções para a grave desertificação de algumas aldeias do Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Grande parte desta vida é feita de dualidades. Não só em questões mais práticas e específicas, como o doce e o salgado, ou o frio e o calor, mas também num sentido mais amplo, como o urbano e o rural. No meu caso, a teoria de que os opostos se atraem dá provas de certezas a um ritmo constante e alimento-me dos dois pólos do espetro. Oscilo entre cenários conforme o estado de espírito de então, fugindo para o interior quando me canso do litoral, e vice-versa. Sorte a nossa de termos nascido num país tão rico e completo tanto de um lado como do outro.

O facto de ter nascido na Grande Lisboa e de viver perto dos bairros tradicionais da capital há vários anos reforçou a minha costela urbana e a paixão pelo ritmo citadino, que amplio na maioria das viagens que faço além-fronteiras, escolhendo muitas vezes rumar às grandes capitais onde há de tudo um pouco para ver e conhecer.

Quando a azáfama das metrópoles me cansa, volto as atenções e as direções para o campo, para a serra, para os cenários pitorescos de aldeias quase esquecidas. A costela rural existe desde que tenho memória, com as férias grandes de Verão passadas entre duas aldeias beirãs. De junho a setembro, os dias eram feitos de mergulhos em piscinas fluviais, de ovos frescos apanhados na capoeira, de portas de casa sempre abertas durante o dia, de volta dos tachos das avós na cozinha, ou junto dos avôs nas suas adegas.

Apesar da forte ligação rural, só agora me estreei pelas belas e curvilíneas serras do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Uma viagem há muito adiada, que foi agora concretizada em quatro dias de reportagens pelo terreno, entre vales de carvalhais, pinhais, penedos, giestas e lírios-do-Gerês, por onde pastam rebanhos e manadas de vacas e cavalos. A beleza da natureza pura deste gigante parque, com 70 mil hectares, estende-se a miradouros e baloiços panorâmicos, albufeiras e cascatas, que vêmos multiplicadas em fotografias sem fim em redes sociais.

E se é saudável dar visibilidade ao lado mais romântico e fotogénico do Gerês, principalmente na era do Instagram e numa altura em que esta região depende muito do turismo interno, é ainda mais importante focar atenções nas pequenas aldeias desertificadas, espalhadas pelas serras Amarela, do Soajo, do Gerês e da Peneda. Muitas destas têm sido assoladas com o grave problema da migração para o litoral, ao qual se juntou o cenário pandémico, que fechou, até hoje, muitas portas que dificilmente se voltarão a abrir. Esta foi uma realidade difícil de ver, e ficará na memória mais tempo do que qualquer popular lagoa cristalina.




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