Miguel Teixeira [chef do hotel Corinthia]: “Na cozinha, partilho tudo”

O chef Miguel Teixeira lidera as cozinhas do hotel Corinthia. (Fotografia: DR)
À “Evasões”, Miguel Teixeira, chef executivo do hotel Corinthia, em Lisboa, faz um balanço de duas décadas de carreira e da sua forma de estar na cozinha. Uma conversa com sabor transmontano.

Brio, transparência e humildade são três caraterísticas que qualquer um reconhecerá no perfil do chef Miguel Teixeira, nascido no norte há 40 anos, e que há três chefia a máquina gastronómica do hotel Corinthia, em Lisboa. Em conversa com a “Evasões”, o profissional recorda as tradições familiares que o norteiam no processo criativo, desvenda desafios e motivações e partilha os seus segredos para “desligar”, por momentos, da azáfama diária.

 

Como nasceu o gosto pela cozinha?
O meu início não teve nada a ver com Cozinha. A área em que estava a estudar, na altura, dava para Medicina e Ciências, mas ao fim de um mês de aulas, no 12.º ano, reprovei por faltas e disse: “Não é isto que eu quero para mim”. O meu pai tinha duas pastelarias na Maia, então deixei a escola e fui trabalhar com ele durante o resto desse ano letivo. Foi aí que começou o meu gosto pela restauração, pela cozinha e pelo serviço. Como me dei tão bem, pensei em aprender Cozinha e inscrevi-me no núcleo de Santa Maria da Feira da Escola de Hotelaria e Turismo do Porto.

O curso abriu-lhe que portas?
Passado um ou dois meses perguntaram-nos se queríamos ir fazer uns extras ao Porto Palácio. Nessa altura, pareceu-me interessante poder ganhar dinheiro, já não estando dependente dos meus pais. Lembro-me perfeitamente de chegar ao hotel num sábado, às seis da manhã, e pensar “Será que é isto que eu quero para mim”?. Era caótico, a cozinha do hotel era muito antiga, tínhamos aquele tipo de chefs e sub-chefs que cozinhavam de costas para não vermos o que estavam a fazer. Nos primeiros tempos descasquei batatas, legumes, mas depois a coisa começou a desenvolver-se e comecei a conhecer as pessoas. Lá descansava, às vezes, um domingo. O ritmo de aprendizagem ajudou-me muito nas aulas da escola. Quando terminei Cozinha, decidi tirar o curso de Gestão Hoteleira.

O que é que se seguiu?
Comecei a trabalhar como cozinheiro na abertura do restaurante do museu da Fundação de Serralves, com o chef Heitor de Melo, em 2003, conciliando isso com o curso. Depois, fui com ele fazer a abertura do restaurante da Marina do Freixo. Seguiram-se os hotéis Vila Galé, no Algarve, onde estive alguns anos e fiz muitos amigos. Fiz aberturas, o que é trabalhoso, mas me dá muito prazer. Depois fui para Sheffield [Reino Unido], para um Mercure do grupo Accor, e percebi que não era a minha praia, não me identifiquei e não me ambientei. Às quatro da tarde já era de noite [risos]. Entretanto voltei ao Algarve, onde estive seis anos nos hotéis do grupo CS como chef executivo. Depois, passei para os VidaMar no Algarve e na Madeira, saí por opção e pensei em parar um pouco, para desenvolver projetos próprios.

Em que aspeto é que as origens nortenhas o influenciam?
As minhas raízes familiares no norte influenciam-me de forma direta e indireta. De forma direta, tem a ver com a nossa cozinha e as nossas origens, e é isso que eu tento trazer para o restaurante Erva [no Corinthia]. O que eu tento trazer para o Erva é a origem da comida com sabor. A apresentação também é importante, mas se servimos um frango, ele tem de ser servido com pata, por exemplo. Sempre fui habituado ao tipo de comida regional que os meus pais e a minha avó, de Trás-os-Montes, faziam. Apesar de não ir muitas vezes lá, a Mascarenhas, perto de Mirandela, íamos na altura da apanha da cereja e das matanças. Aqui há uns anos começou-se a falar muito na cozinha a baixa temperatura. Nós agora temos é a explicação de como as coisas são feitas, porque a minha avó, a mãe dela e toda a gente nas aldeias já cozinham a baixa temperatura há muitos anos. Na Páscoa, a minha avó temperava cabrito ou leitão na sexta-feira, no sábado punha-o a assar no forno comunitário, e no domingo ia buscá-lo de manhã, depois da missa. Sempre estive muito ligado a isso. Por isso digo que na cozinha, hoje em dia, não se inventa nada. Já tudo está inventado. Temos é mais informação sobre as coisas e equipamentos mais sofisticados.

(Fotografia: DR)

Qual é a sua forma de estar na cozinha?
Quando comecei a trabalhar, escondiam-me as coisas, não partilhavam conhecimento… Por isso, “não faças aos outros o que não gostas que te façam a ti”. A minha forma de estar na cozinha é não esconder nada. Partilho tudo. Se todos nos ajudarmos, tudo se desenvolve muito mais. Aprendemos com todos, desde o diretor-geral ao copeiro, e ao longo da vida vamos tendo vários exemplos e experiências disso. Só assim conseguimos desenvolver e melhorar o que fazemos. Sem eles não sou nada. Eu posso ser o melhor do mundo, mas se não houver equipa não vou a lado nenhum.

É fácil equilibrar a vida pessoal e o trabalho?
Nos últimos anos tenho tido a tendência de abrandar, mas costumo dizer que estou sempre a trabalhar, mesmo quando estou de férias. Começa pelo trabalho de escolher os hotéis, ver que restaurantes têm, os pequenos-almoços. Invisto muito do meu dinheiro em férias exatamente porque, para mim, viajar e experimentar é obter conhecimento e aprendizagem. Quando estava no Algarve, cheguei a ir cinco vezes à Serra Nevada no mesmo ano, sozinho [praticar snowboard] É o meu mundo, um momento em que estou sozinho no meio da montanha e não penso em trabalho. É quando desligo, por isso tento ir todos os anos.

Que balanço faz destes 20 anos de carreira?
[Têm sido anos] muito bons. Acima de tudo, porque trabalhei para isso, mas tenho a felicidade de ter uma carreira crescente, em funções e responsabilidade. É óbvio que por vezes tive de dar um passo atrás para dar dois à frente, mas até hoje todas as experiências me acrescentaram algo, e quando não estive bem, entendi que tinha de ser eu a sair. Sempre achei que nós [chefs] é que temos de nos adaptar às casas, e não o contrário. Enquanto representarmos mais-valias, somos um investimento para quem nos contrata. Tenho de ser feliz no que estou e no que faço, senão a coisa deixa de funcionar. E foram 20 anos em que acumulei histórias e amizades.

Que marca quer deixar como profissional?
Acima de tudo, quero deixar a marca de ser um excelente profissional e sair sempre sem terem nada a apontar-me. Poderão ter, não estou aqui para agradar a toda a gente, mas procuro sair sempre com o dever cumprido [e com a convicção de que] fiz o máximo que consegui e que me deixaram, porque muitas vezes podemos até conseguir fazer mais, mas não nos deixam. É óbvio que fico orgulhoso quando regresso a certos hotéis e vejo que muitas coisas que implementei ainda se mantêm.


Ciclo de jantares Oh, My Chefs!

O chef Miguel Teixeira tem convidado amigos chefs para cozinhar consigo no restaurante Erva, no Corinthia, ao longo do ciclo Oh, My Chefs!, que decorrerá até dezembro. Em janeiro, os 20 anos de carreira serão celebrados com um grande evento. Os menus são surpresa e custam 95 euros/pessoa (com harmonização vínica incluída).


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