Crítica de Fernando Melo: há mar e génio no 2Monkeys, em Lisboa

Um dos momentos do menu do 2Monkeys, assinado por Francisco Quintas e Vítor Matos. (Fotografia de Luís Ferraz/DR)
Há dias felizes. Aliás, há noites felizes. A que passei à mesa - melhor, ao balcão - do 2Monkeys não tem paralelo com nenhuma outra de que tenha memória. Mar, produto, ciência e genialidade constroem aqui uma experiência inesquecível. Vamos a ela.

A configuração força-me a evocar a experiência de há alguns anos no L’Atelier de Joel Robuchon em Paris, e mesmo assim sem a tonalidade patrimonial portuguesa nem o mar presentes. Venceu de qualquer forma o preconceito de comer ao balcão, instalando a máxima de Voltaire de que temos de ser absolutamente modernos. Sejamos então modernos e deixemo-nos levar pelo insuspeito desconhecido. O 2Monkeys é a nova ventura do Cave 23, após remodelação do espaço de fine dining do lindíssimo Torel Palace Lisbon. À semelhança do que acontece no Porto, o chef consultor é o estreladíssimo Vítor Matos, e o chef residente aqui em Lisboa é o biónico e jovem Francisco Quintas. Coreografia magnética na cozinha e na sala, a manter-nos ocupados e dentro da ação. O escanção Paulo Pires sabe de seu ofício e mesmo nas harmonizações mais ousadas brilhou pelo sentido da perfeição.

Francisco Quintas. (Fotografia de Luís Ferraz/DR)

O jantar abre em beleza com um tártaro de wagyu com caviar oscietra servido em forma de tartelete. Equilibrado e estimulante, como manda a regra no capítulo entradeiro. Seguiu-se a interpretação de sapateira, assessoria perfeita de abacate, ovas de truta e maçã verde. Sabores muito presentes e assumidos, jogo de texturas cativante. Chega o momento de servir o pão para a refeição, e que pão! Trigo barbela, frescura e sabor irrepreensíveis, três manteigas apresentadas. Entrámos no corpo do jantar, portanto. Servem então o chawanmushi de cebola, integração de avelã, noz fermentada, amêndoa e óleo de abóbora, interessante na preparação para mudança de registo. Vem o que foi um dos três melhores pratos do jantar, composto por foie gras, enguia fumada, beterraba e vinagre balsâmico de Modena, maridagem feliz com vinho Madeira Medium Dry 5 anos da casa H. M. Borges. Clássico e brilhante, comida e vinho a desmaiar nos braços um do outro, sem vencidos nem vencedores. Merece destaque o pregado perfeito que foi servido adiante neste jantar de antologia, harmonia subtil com lula, molho carbonara, lima-caviar e trufa. E vamos no segundo prato dos três que destaco como vencedores, por tudo ser surpreendente e pelo hino que é feito ao nosso mar. Como num sonho. Gigante o prato que candidamente é referido apenas como bivalves, milho, limão e coentros, quando a interação com o palato é propositadamente feita em camadas sucessivas, revelando todos os sabores individualmente ao mesmo tempo que constrói um templo na boca. Foi este o terceiro prato vencedor. Injusto, claro está, para os dois derradeiros pratos salgados, robalo e pombo, de grande recorte técnico, excelente rendimento de sabor. Terminação doce do jantar com a genial composição de waffle de massa mãe, pudim Abade de Priscos, presunto alentejano e torresmos, a que ainda se seguiu arroz doce com coco e manga. Amor pela profissão, talento e criatividade, neste balcão feito balaustrada com vista para o paraíso.


Avaliação

Sítio: *****
Serviço: *****
Comida: *****


2Monkeys
Hotel Torel Palace Lisbon
Rua Câmara Pestana, 45, Lisboa
Tel.: 218 290 810
De terça a sábado, das 19h30 às 21h30.
Preço: 175 euros + 100 euros (suplemento de vinhos)




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