Sommeliers: 10 mestres do vinho que deve conhecer

Há uma nova vaga de escanções a assumir as salas com descontração, confiança e discrição, ainda que com as lições de outrora. Estes são os testemunhos de gerações diferentes, com a mesma paixão pelo vinho.

O que faz o sommelier?

A figura aparece na mitologia grega, nos textos bíblicos, na Idade Média, na corte e, hoje, nos restaurantes, quase sempre com uma garrafa na mão, discretos, mas atentos. «Escanção era o homem que vertia o vinho ao seu soberano e tinha um posto dentro do reino muito alto. Já a conotação de sommelier, no início, era a de um fidalgo menos nobre, que cuidava das roupas de cama do rei. Além disso, escanção é uma palavra só nossa». Victor Pinho fez questão de usá-la e também de honrá-la na tese terminada o ano passado em Coimbra: Escanção na História, na Sociedade e na Arte de Servir o Vinho. Aos 55 anos é uma referência nesta área, acumulando 20 anos de ensino dedicado ao vinho na Escola de Hotelaria de Santa Maria da Feira e outros tantos de experiência em hotéis pelo país. «Quis deixar algo escrito para as próximas gerações sobre as origens da profissão, que desapareceu depois de Afonso III e foi recuperada nos anos 1970. Nessa altura nasceu a Associação dos Escanções de Portugal e a Associação Internacional de Escanções, da qual o nosso país foi fundador», conta.

Nos anos 1960 surgiram outras organizações que vieram qualificar a profissão, tais como a WSET (Wine & Spirit Education Trust) e os dois institutos mais exigentes e mediáticos: Master of Wine e Master of Sommelier. Em mais de 40 anos, apenas 249 sommeliers no mundo inteiro conseguiram este último certificado, entre eles um português, João Pires.

«Hoje a nova geração tem outras possibilidades, graças ao trabalho de sommeliers como o João (Pires) e o Manuel Moreira, que conseguiram abrir as portas. Antes, os produtores de vinho nem falavam com os escanções», conta Rodolfo Tristão, diretor de vinhos do Belcanto de Avillez. «É uma profissão que exige muita paixão porque não é fácil de entender por quem nos rodeia», diz.

Manuel Moreira, com 46 anos, é escanção desde os anos 1990, e recorda a época de brio, de exigência e um conjunto de valores «que se perderam na hotelaria média e na alta». «Tínhamos de limpar pratas, polir talheres, não havia as referências de vinhos de agora, nem Internet!». Hoje, o papel do sommelier foi redefinido pela Organização Internacional do Vinho. «Pode estar numa garrafeira, num restaurante, trabalhar como consultor, numa agência», acrescenta. Miguel Martins, da mesma geração, a trabalhar no estrelado Gusto by Heinz Beck, no Algarve, acredita que o sommelier de hoje é o funcionário mais bem preparado de um restaurante.

10 mestres do vinho portugueses

João Pires, Master Sommelier e Wine Director da Melco Resorts & Entertainment

Neste momento, o português João Pires, a viver em Macau, é o único Master Sommelier da Península Ibérica. Demorou quatro anos a preparar-se para as provas. «É muito difícil, especialmente quando se trabalha 12 a 14 horas por dia, o que compromete seriamente um calendário confortável para levar avante um plano de estudos. Há que levantar-se muito cedo, pelas quatro ou cinco da manhã; fechar-se ao mundo nas folgas e o investimento financeiro é considerável para viagens e compra de livros», refere em entrevista por email. «Abdiquei de férias para estudar e treinar a fundo, inclusive a vida privada foi sacrificada, mas a minha companheira Jandira foi de uma compreensão irrepreensível». Acredita ainda que no futuro surgirão mais MS portugueses, que podem valorizar vários projetos em Portugal.

João é hoje diretor de vinhos da Melco, o império de hotelaria e entretenimento de Macau que mais prémios acumula da Wine Spectator, com mais estrelas Michelin (7 neste momento) e distinções 5 estrelas da Forbes, no qual dirige uma equipa de 12 sommeliers. Nasceu em Moçambique, seguiu carreira militar nas Forças Armadas, e o vinho foi uma paixão tardia. «Quando representei Portugal no concurso europeu para sommeliers em 1994 em Reims, França, fiquei deslumbrado e resolvi dedicar a minha vida a esta vocação», conta. Ainda chegou a trabalhar em Lisboa, no Caesar Park Penha Longa e no Four Seasons Ritz, antes de partir para Toronto e, mais tarde, para Londres.

No seu percurso alinham-se apenas espaços com duas e três estrelas Michelin: The Vineyard, Capital Hotel, Gordon Ramsay e o Dinner by Heston (de Heston Blumenthal), antes de rumar à Ásia. «Desde que cheguei há três anos e meio que a prioridade foi Wine Education, algo que atraiu motivação e resultou em lucro, pois ninguém vende o que não conhece.

João acumula funções de recrutamento, financeiras, de marketing, compra de vinhos e gestão de imagem. No futuro pensa em reformar-se em Portugal e, entre outros projetos, lecionar nesta área e partilhar com outros tudo o que aprendeu numa profissão que considera também «esgotante».

 

( Crédito: Filipa Bernardo/ GI )

Gabriela Marques, Sommelier do Four Seasons Ritz Lisboa

«A maior parte das pessoas acorda e lê o jornal, eu quando acordo leio o blogue da Jancis Robinson (crítica e jornalista de vinhos)», diz Gabriela Marques. Foi também assim, a ler um artigo sobre uma mulher escanção, que se apaixonou inesperadamente pela profissão. Acabou por ingressar na Escola de Hotelaria de Lisboa, onde foi incentivada por Manuel Miranda (antigo presidente da Associação de Escanções) a seguir um percurso ligado aos vinhos.

O LAB by Sergi Arola, o Feitoria do Altis Belém fizeram parte do seu currículo antes da chegada ao Four Seasons Ritz, há dois anos. Neste momento a carta do Varanda tem cerca de 330 referências, todas provadas por Gabriela, que sublinha a importância de estar em harmonia com o trabalho do chef Pascal Meynard. «Não podemos recomendar um vinho se não conhecermos a comida, o estilo de um chef, os ingredientes», diz, acrescentando: «Não desfazendo de qualquer pessoa que sirva às mesas e que faça o serviço extra de vinhos, mas quando estamos a servir um vinho a um cliente nós temos de saber tudo sobre ele: quem produziu, qual é a quinta, o ano, as uvas usadas, os solos, todos os critérios que influenciam a sua qualidade». «Para estudarmos nesta profissão há um padrão de vida que temos de seguir e que requer um investimento muito grande».

A meta é, claro, chegar a Master Sommelier, e é grande a satisfação de ver mais mulheres na profissão. «Se pensarmos que, em Portugal, há 50 anos as mulheres não tinham liberdade de chegar a um restaurante e pedir um vinho compreende-se que tenham demorado a chegar a esta profissão».

 

Rodolfo Tristão, Diretor de vinhos do Belcanto e Grupo Avillez

Das vindima caseiras no Cartaxo à taberna dos avós, a vida de Rodolfo Tristão sempre esteve ligada ao vinho, mesmo quando pensava que o seu futuro seria o de jogador de futebol. Trocou a União de Santarém pela Escola de Hotelaria faz quase 20 anos e, desde então, nunca mais olhou para trás.

(Crédito: Nuno Pinto Fernandes/ Global Imagens )

Inspirado por João Pires, chegou a ir para Londres trabalhar com o Master Sommelier. «Para onde ele ia, eu ia lá ter, desde o Vineyard com a maior carta de vinhos de Inglaterra ao Capital Hotel», recorda. «Londres era e é a cidade do mundo dos vinhos e, por não ser produtora, chegava lá de tudo. Todos os dias havia Master Sommeliers, sommeliers sentados à mesa a jantar e personalidades como a Jancis Robinson». Acabaria por regressar a Portugal, onde foi presidente da Associação de Escanções, e hoje, é responsável pela carta de 200 referências do dois estrelas Michelin Belcanto e pela equipa de sommeliers do Grupo Avillez.

«Pensei seguir os passos do João, mas a vida leva-nos por outros caminhos e pensei que ou tinha família ou não tinha. Para ir atrás deste sonho é preciso viajar muito e trabalhar para uma entidade que valorize o estar fora». É exatamente isso que passa aos seus escanções nos restaurantes de José Avillez, onde tem a função de diretor vínico.

A humildade e a discrição são duas das características que não se cansa de sublinhar. «Acho que podemos educar, sem nunca dizer que o cliente está errado. E sobretudo ter noção que o que importa é a sua experiência. Temos um senhor que vem ao Belcanto e pede champanhe num copo balão com gelo. Se ele gosta, se se sente feliz… isso é tudo o que importa».

Pedro Ferreira, Sommelier de Pedro Lemos

(Crédito: Pedro Granadeiro / Global Imagens )

O plano A era ser piloto da Força Aérea, mas um problema na coluna mudou-lhe as voltas ao destino. O plano B de Pedro Ferreira passou pela Escola de Hotelaria de Coimbra, cidade onde nasceu. «O que queria ao início era dominar os vários aspetos da restauração, desde a cozinha ao bar, passando pelos charutos e cocktails, mas acabei por desenvolver uma grande paixão pelos vinhos». Mais tarde ruma ao Porto para estudar gestão e administração hoteleira, ao mesmo tempo que gere uma carta de 500 referências no antigo Buhle, junto à Praia do Castelo do Queijo. Abre o Hotel da Música e, pouco depois, recebe a proposta de Pedro Lemos para se juntar à equipa do restaurante homónimo. No ano seguinte, ganhavam a primeira estrela Michelin. «No início, em cada 10 mesas, duas pediam menu degustação com pairing, hoje só há duas que não pedem. Penso que o consumidor esta a perder o medo do sommelier e daquela ideia de ser enganado», refere o escanção do restaurante portuense. Tem um olhar novo sobre a profissão e, tal como outros da mesma geração, o sonho passa por chegar a Master Sommelier. «Fiz os níveis 1 e 2 do Court of Master Sommeliers e o passo seguinte seria o Advanced, mas é complicado porque em Portugal não há condições», explica. «Tens de ter tempo e dinheiro para ir provar vinhos internacionais, conhecer as regiões, os produtores. Lá fora há verbas para isso, as empresas de distribuição agarram nos sommeliers e levam-nos a conhecer os produtores. Podes ser um grande autodidata, mas há um motivo pelo qual este é o exame mais difícil deste mundo».

 

 

 

(Crédito: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Manuel Moreira, Sommelier e Consultor de vinhos

É um dos nomes mais sonantes no mundo dos vinhos, em Portugal, mas garante que a carreira de sommelier não fazia parte do plano inicial. «Eu ia ser desportista ou economista», conta Manuel Moreira, enquanto recorda o início da profissão numa altura em que ser escanção era uma realidade diferente. Não se sabe se foi a vindima forçada pelas avós na terra-natal, Ponte de Lima, ou se foi o filme Cocktail com Tom Cruise no papel principal, que conspiraram para o levar até ao mundo das bebidas.

Certo é que foi no Centro de Formação da Pontinha que as aulas de enologia lhe aguçaram o gosto pela vinho, uma paixão reforçada por experiências no hotel Meridien e nos anos passados no grande Spazio Evasione das Docas com o chef Augusto Gemelli.«Foi dos primeiros sítios no país a trabalhar com um sistema informático de gestão para vinhos». Anos depois, fazia a sua primeira carta na Galeria Gemmelli, já em São Bento, e seguia para a Fortaleza do Guincho, já com uma estrela Michelin e Marc Le Ouedec na cozinha, antes do 100 Maneiras. «Muitos dos hotéis e restaurantes na altura tinham escanção e depois começou-se a olhar para esse profissional como um custo. Ainda hoje, como consultor, acho que se investe demasiado na cozinha, na decoração e nunca nas bebidas».

Participou em muitos concursos internacionais, acumulou títulos como o Sommelier of the World em 2008, mas acabou por se lançar a solo em consultoria de vinhos. «Não havia para mim projetos suficientemente sólidos. Mais tarde surge o Belcanto, mas eu já estava com a minha empresa». «Desde 2008 que colaboro com a Essência do Vinho, desenho programas de vinhos, estratégia de vinhos, provas e dou workshops, mas cheguei a uma altura em que quero guardar tempo para mim e voltar a estudar para tentar o Master of Wine», confidencia. «Hoje o vinho está na moda e esta tornou-se assim uma profissão meia de charme, mas é de muita luta. Ou se tem espírito de hotelaria ou não».

 

( Crédito: Gustavo Bom / Global Imagens )

Thomas Domingues, sommelier da Cave 23

Os pais, ambos franceses e descendentes de portugueses, sempre foram amantes de vinho. Mas até há 10 anos, a bebida de Thomas resumia-se à Coca-Cola. «Tenho a sorte de ter hoje uma grande coleção de clássicos de vinhos franceses que os meus pais me ofereceram. Quando comecei a trabalhar na hotelaria nem cerveja bebia». É natural de Paris, onde viveu até aos 16 anos, altura em que a família se muda para o Algarve. A ligação à hotelaria e restauração começa assim por ser apenas uma forma de juntar dinheiro nas férias e transforma-se num projeto profissional. Faz estágio no Vila Joya com o sommelier Arnauld Vallet, conhece José Avillez e integra a equipa que abre o Belcanto em 2012. Mais tarde, decide tirar o curso de escanção em Coimbra, e ainda regressa a Paris para estagiar no três estrelas de Pascal Barbot, L’Astrance. Continua o percurso internacional no Per Se de Thomas Keller, em Nova Iorque, onde viveu dois anos, antes de voltar a Portugal. «A realidade é muito diferente lá fora, desde o tipo de serviço, o investimento da empresa no próprio restaurante, o material…Confesso que no início, vindo de Nova Iorque, fiquei um pouco desiludido». Mas o projeto da Cave 23 acabou por o encantar. «Se calhar podia ter procurado um restaurante Michelin, mas optei por estar num sítio em que acredito e que me dá liberdade. Inicialmente a carta tinha 30 referências, hoje são 286, tudo a copo, o que nos obriga a uma grande gestão». Acredita que, finalmente, os restaurantes perceberam que um sommelier é uma arma secreta. «O sommelier aumenta pelo menos 30% da faturação mensal, além da experiência que proporciona a um cliente».

Confessa-se um escanção descontraído, mais liberal e um «hipster dos vinhos» por gostar de produtos alternativos e privilegiar os vinhos naturais. «Eu só trabalho com produtores que estão a fazer vinhos como os nossos bisavós, que amam a natureza, respeitam o produto e passam todos os dias na vinha».

(Crédito: Filipa Bernardo/GI)

Marc Pinto, Sommelier do Fifty Seconds by Martin Berasategui

Quando a vida começa numa terra de champanhe pode ser difícil escapar ao negócio das bebidas. Marc Pinto nasceu há 28 anos, em França, e foi registado em Reims, uma das capitais francesas deste vinho. Mas a família acabaria por regressar a Portugal, Santa Maria da Feira, apenas uns meses depois e nada faria antever um futuro como escanção.

A paixão do professor Victor Pinho, anos mais tarde na Escola de Hotelaria, acabaria por o contagiar e, já durante o curso de gestão hoteleira concorreu a um estágio do Ritz-Carlton em Barcelona. «A Enoteca tinha duas estrelas Michelin e mais de 600 referências de vinho». Entregou-se à profissão e, sem curso de escanção, acabou por absorver tudo o que lhe ensinavam. «Acho super importante as formações, mas neste mundo Michelin os restaurantes acabam por ocupar muitas horas do nosso dia. Por isso tenho uma formação quase autodidata e apoiada por vários mentores».

Mais tarde, sai da Enoteca para o Lasarte de Martin Berasategui, que ganha o reconhecimento máximo do Guia Michelin com a atribuição da terceira estrela. «Todos os dias estudávamos os vinhos da carta, de A a Z, umas 700 referências», conta. «Um sommelier de um três estrelas tem de ser um investigador de mercado para tentar ter vinhos que mais ninguém tem. Existem imensos restaurante que fecham e cujas garrafeiras são vendidas por completo. É importante ter um nível de exclusividade de vinhos».

O seu percurso vai continuar agora em Lisboa, no novo projeto do chef Berasategui: o Fifty Seconds, um restaurante com vista 360.º no topo do Hotel Myriad. O projeto arranca agora no final de outubro e Marc Pinto adianta que conta com o apoio do também escanção Inácio Loureiro, diretor de sala.

Preocupa-o o preço inflacionado de muitas cartas de vinhos em Lisboa. «Estou em Nova Iorque ou Paris? Claro que o vinho tem de ser um valor acrescido. Os sommeliers compraram o vinho, armazenaram, praticaram um serviço, usaram uns copos excecionais, mas acho que estamos a praticar preços extremamente altos e pode chegar a um momento em que os vinhos são inacessíveis. Acho que esse é o maior erro que podemos cometer enquanto profissionais do nosso setor».

Ivo Peralta, Sommelier do Epur

Começa a provar vinhos aos 15 anos, na marisqueira do pais, na Aldeia do Meco, em Sesimbra. Não gostava de estudar, diz, mas hoje ninguém acredita ao vê-lo com os flashcards, os cartões de consulta que muitos sommeliers utilizam para preparar as provas. «Vejo quando estou no metro, vejo se estiver trânsito, e é a forma mais fácil de me preparar. Estes concursos são uma forma de não perder o foco», conta o sommelier do Epur de Vincent Farges, que aos 27 anos vai representar Portugal no Concurso Internacional de Escanções 2019.

Estuda todos os dias três horas, depois de organizar a cave, gerir o stock e preparar os vinhos para o menu de degustação desse dia do Epur. «Estava na Fortaleza do Guincho quando o convite do Vincent surgiu e é desafiante pensar em harmonizações numa carta que muda todos os dia», explica Ivo, que acabou de regressar de férias, vindo da Toscana. As suas viagens são para regiões vínicas, para conhecer produtores e ir também a provas. «Temos de saber identificar vinhos do mundo inteiro e esse é um investimento muito grande», conta. «Por vezes juntamos um grupo de escanções, cada um compra uma garrafa de uma região diferente e conversamos sobre o vinho».

Não esconde o sonho de um dia poder vir a ser Master Sommelier, até porque a sua inspiração vem de João Pires, mas sabe o árduo trabalho que tem pela frente. Ainda assim, a crescente popularidade do serviço de vinhos está a seu favor. «Acho que as pessoas começam a ficar cansadas de ir a um restaurante e ser o empregado de mesa que lhe serve o vinho, sem o mínimo de cuidado. Aqui grande parte dos clientes nem olha para a carta de vinhos e confia. É um grande passo que estamos a dar.»

Miguel Martins, sommelier do Gusto by Heinz Beck

Quem o vê na sala do Gusto, entre a garrafeira, as mesas e os pratos do italiano Daniele Pirillo, percebe que há um à vontade que só vem com a experiência. Se os pratos mudam, muda rapidamente os vinhos, se tem de explicar o prato, assim o faz, até porque ajuda-o a apresentar o vinho e a razão daquela escolha.

«Criou-se uma ideia durante anos que o sommelier era um indivíduo com uma fatiota super estranha, que não pegava em nada, e isso estragou a visão do cliente. A mim não me custa nada servir um prato, até gosto», conta o responsável pelos vinhos do hotel Conrad, no qual está inserido o restaurante de estrela Michelin. Miguel ainda não perdeu o sotaque do norte, mas foi no Algarve que sempre viveu desde muito novo. Tirou vários cursos na Escola de Hotelaria de Faro e trabalhou nos mais prestigiados hotéis da região, como o Vila Joya, «que em 2000 era o único hotel no país com uma equipa de escanções, espalhados por 13 restaurantes».

O inabalável Henrique Leis faz também parte do seu percurso, tal como uma passagem pelo Vista de João Oliveira (Bela Vista Hotel) até chegar ao Conrad. «Quando comecei no Gusto não havia um garrafeira capaz de ganhar uma estrela michelin. Quase que comecei do zero e fazer uma carta de vinhos de referência demora dois, três anos», confessa Miguel.

Acumula estas funções com dois negócios pessoais, uma loja de vinhos exclusivos em Lagos (Sommelier Wine Shop), onde faz provas e dá formações; além das experiências vínicas diferenciadas da Portugal Premium: podem ser visitas, passeios de barco e viagens, sempre com o vinho como tema.«Estou a construir o meu futuro, porque sei que esta é uma profissão de desgaste. Sei que não vou durar para sempre a servir à mesa no restaurante, e estes são projetos que me dão muito gozo».

(Crédito: André Rolo / Global Imagens)

Beatriz Machado, Wine Director do The Yeatman e The Fladgate Partnership

Não é sommelier, nunca foi, nem está nos projetos, porque não é essa a sua área – apesar dos escanções do The Yeatman serem formados por si. Foi no Porto que Beatriz Machado nasceu e onde estudou Engenharia Alimentar na Universidade Católica do Porto, com uma especialização em vinho. Não tardou a dar aulas na própria faculdade, antes de rumar à Universidade da Califórnia em Davis para tirar um mestrado de viticultura e enologia. Um curso de excelência que só recebe oito alunos ao ano e cujas propinas ascendem os 44 mil dólares. «Tive de ganhar as bolsas todas», conta Beatriz. Foi no regresso a Portugal que se propôs a tomar conta da operação vínica do The Yeatman e restante grupo da The Fladgate Partnership, como wine director. «No fundo um wine diretor tem uma equipa de sommeliers que fazem o serviço de vinhos. Eu não sou um escanção, mas já tive essa função».

Foi, em 2010, quando o hotel abriu as portas que Beatriz definiu as diretrizes pelas quais se guia ainda hoje a equipa de oito sommeliers – e com a sua equipa participa também agora no projeto World of Wine para 2020, que inclui uma escola para sommeliers. «Fiz muitos erros à frente da minha equipa que era de hotelaria, mas juntos conseguimos encontrar um procedimento de serviço que é único. O futuro é evolução e o escanção de há 20 anos é diferente».

Para Beatriz, é preciso desmistificar cada vez mais o vinho e falar mais para o consumidor do que para o comercial e perceber as suas preferências. «Se lhe perguntamos qual é o vinho preferido e disser apenas tinto ou branco; se já disser uma referência ou um ano; ou se falar apenas em rótulos… Tudo nos permite conhecê-lo melhor. É um jogo, uma investigação ao estilo Poirot», diz. E reforça: «Mais eficaz do que que uma harmonização entre comida e vinho é um pairing entre pessoa e vinho».

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