Há cada vez mais mulheres no mundo do vinho, mas sommeliers e diretoras há poucas. É precisa paridade no mundo vínico?
O preconceito já foi claramente ultrapassado. Mas o facto de sermos mulheres e mães, associado à disponibilidade que um trabalho como este exige, levanta outra questão: se à nossa volta não existir a chamada “aldeia” para cuidar, por exemplo, dos filhos, fica tudo mais complicado. Tenho a sorte de contar com essa “aldeia”.
O que ganha o vinho com a presença de mais mulheres no setor?
Ganha delicadeza. Melhor: ganha ainda mais delicadeza. É possível beber, ser elegante e estar em saltos altos sem cometer exageros. Acho que a presença de mais mulheres no setor ajuda, de certa forma, a limpar mais rapidamente a imagem masculinizada do vinho, muitas vezes ligada ao abuso de álcool e às jantaradas até tarde.
De onde lhe vem o gosto pelo vinho?
Sou de Vila Maior, uma pequena freguesia de Santa Maria da Feira. Cresci rodeada de hortas. Habituei-me cedo à mesa farta com sabores autênticos, o que puxa sempre pelo vinho. A essa tradição aliei cedo uma parte sensorial apurada que, mais tarde, viria a ser decisiva no meu caminho.
Como assim?
Quando terminei a formação em microbiologia, tive de optar entre uma área de saúde ou uma área alimentar. Fui para a parte alimentar e andei a testar bactérias, leveduras, fermentações maloláticas, o que me permitiu desenvolver o lado sensorial. Modéstia à parte, creio que tenho um nariz apurado. A dada altura, senti a necessidade de sair do laboratório e explorar isto na vida real. Fui fazer a minha primeira vindima à Quinta de Maritávora, em Freixo de Espada à Cinta.
Foi esse o clique que a levou a definir o caminho?
Foi aí que decidi: é por aqui que quero seguir. Isto coincidiu com uma fase em que conheci vinho fascinantes que, curiosamente, são o oposto daquilo que, hoje em dia, considero ser o meu estilo de vinho. Mas, sim, a complexidade dos vinhos, as várias camadas de aromas, as pessoas que conheci exacerbaram, em boa hora, esta minha paixão.

(Fotografia de Pedro Granadeiro/GI)
Não há de ser fácil escolher vinhos, seja qual for o evento, quando se tem 1300 possibilidades à escolha. Quais são os critérios que usa para chegar ao vinho mais adequado?
Tenho, diariamente, imensos dilemas e imensas dúvidas. Mais do que os vinhos, tenho de saber ler o cliente que tenho à minha frente.
O que é isso de “ler o cliente”?
Através de uma pequena conversa, tendo em atenção os comportamentos do cliente, chegamos lá.
Um sommelier é, portanto, um psicólogo do vinho.
Colocaria aspas no psicólogo, mas, sim, o papel do sommelier é muito esse.
Como é a relação da diretora de vinhos com o chef Ricardo Costa, um criador por excelência?
Temos uma relação fantástica, que leva já 13 anos. Sei bem quais são os dias para falar com o chef e quais são os dias para não falar [risos]. Julgo que o segredo das relações profissionais é este: temos de conseguir conquistar espaço e temos de saber quando dar espaço.
O que é que um sommelier não pode mesmo deixar de ter?
Conhecimento técnico, um bom nariz, mas, sobretudo, ser particularmente sensível. Se, desta trilogia, tivesse de escolher uma qualidade, escolheria a sensibilidade.
Os vinhos portugueses estão melhores do que nunca?
Sem dúvida. É cada vez mais difícil encontrarmos um vinho mau no mercado. Claro: se nos posicionarmos numa patamar de custos de 3 euros, por exemplo, temos de nos preparar para encontrar vinhos que não são incríveis, mas também não estão carregados de defeitos. Com a qualidade e quantidade de ciência que temos à disposição, difícil mesmo é fazer um mau vinho.
Apesar de cada vez melhores, os vinhos portugueses não conseguem impor-se lá fora. O que falta?
Claramente, marketing. Marketing mais agressivo e consistente. Isso e seguir o lema da baronesa Philippine de Rothschild, segundo a qual “o negócio do vinho é algo bastante fácil: só os primeiros 200 anos é que custam” [risos].

(Fotografia de Pedro Granadeiro/GI)
Ainda há vinhos capazes de a espantar?
Há. Aqueles que são arrojados, fora da caixa. Ou aqueles que estou a provar pela primeira vez e que, sendo icónicos, defraudam ou superam as minhas expectativas.
Sem usar a palavra terroir, defina um bom vinho.
O melhor do vinho é o contexto em que o bebemos. Claro: um vinho com TCA [vinho que entrou em contacto com uma rolha contaminada pelas moléculas 2, 4, 6 – tricloroanisol] não é admissível, mas essas são exceções. Mas, sim, posso estar a beber um vinho de 1000 euros e a não ter qualquer prazer, se o contexto for desapropriado.
Que objetivo principal definiu para a sua missão no Yeatman?
Otimizar a oferta vínica do hotel, criando uma linguagem que seja inspiradora e adaptável a qualquer dos nossos espaços. O Yeatman dá-me a extraordinária possibilidade de criar eventos em que pretendemos democratizar o vinho sem o vulgarizar. Queremos chegar a um patamar em que beber vinho é sempre glamoroso, tem sempre estilo, seja à mesa dos restaurantes, seja no bar, seja nos nossos sunsets.
Branco ou tinto?
Estou numa fase de brancos, e a chegar ao champanhe [risos].
GARRAFEIRA À LUPA
A garrafa mais antiga
Taylor’s Single Harvest 1896 (vinho do Porto)
A garrafa mais cara
Taylor’s Single Harvest 1896: 6 mil euros
Região nacional mais representada
Douro e Minho (96% das garrafas são produção nacional)
Região internacional mais representada
Bordéus e Champanhe