Entrevista a Elisabete Fernandes, “psicóloga” do vinho no Yeatman, em Gaia

Elisabete Fernandes no hotel de cinco estrelas The Yeatman, com vista para o Douro. (Fotografia de Pedro Granadeiro/GI)
Diretora de vinhos do hotel The Yeatman, em Vila Nova de Gaia, Elisabete Fernandes é, aos 40 anos, uma das mais influentes mulheres do setor, gerindo uma garrafeira com 1300 referências. Uma tarefa à qual aplica um truque: “lê” os clientes, antes de mais nada.

Há cada vez mais mulheres no mundo do vinho, mas sommeliers e diretoras há poucas. É precisa paridade no mundo vínico?
O preconceito já foi claramente ultrapassado. Mas o facto de sermos mulheres e mães, associado à disponibilidade que um trabalho como este exige, levanta outra questão: se à nossa volta não existir a chamada “aldeia” para cuidar, por exemplo, dos filhos, fica tudo mais complicado. Tenho a sorte de contar com essa “aldeia”.

O que ganha o vinho com a presença de mais mulheres no setor?
Ganha delicadeza. Melhor: ganha ainda mais delicadeza. É possível beber, ser elegante e estar em saltos altos sem cometer exageros. Acho que a presença de mais mulheres no setor ajuda, de certa forma, a limpar mais rapidamente a imagem masculinizada do vinho, muitas vezes ligada ao abuso de álcool e às jantaradas até tarde.

De onde lhe vem o gosto pelo vinho?
Sou de Vila Maior, uma pequena freguesia de Santa Maria da Feira. Cresci rodeada de hortas. Habituei-me cedo à mesa farta com sabores autênticos, o que puxa sempre pelo vinho. A essa tradição aliei cedo uma parte sensorial apurada que, mais tarde, viria a ser decisiva no meu caminho.

Como assim?
Quando terminei a formação em microbiologia, tive de optar entre uma área de saúde ou uma área alimentar. Fui para a parte alimentar e andei a testar bactérias, leveduras, fermentações maloláticas, o que me permitiu desenvolver o lado sensorial. Modéstia à parte, creio que tenho um nariz apurado. A dada altura, senti a necessidade de sair do laboratório e explorar isto na vida real. Fui fazer a minha primeira vindima à Quinta de Maritávora, em Freixo de Espada à Cinta.

Foi esse o clique que a levou a definir o caminho?
Foi aí que decidi: é por aqui que quero seguir. Isto coincidiu com uma fase em que conheci vinho fascinantes que, curiosamente, são o oposto daquilo que, hoje em dia, considero ser o meu estilo de vinho. Mas, sim, a complexidade dos vinhos, as várias camadas de aromas, as pessoas que conheci exacerbaram, em boa hora, esta minha paixão.

(Fotografia de Pedro Granadeiro/GI)

Não há de ser fácil escolher vinhos, seja qual for o evento, quando se tem 1300 possibilidades à escolha. Quais são os critérios que usa para chegar ao vinho mais adequado?
Tenho, diariamente, imensos dilemas e imensas dúvidas. Mais do que os vinhos, tenho de saber ler o cliente que tenho à minha frente.

O que é isso de “ler o cliente”?
Através de uma pequena conversa, tendo em atenção os comportamentos do cliente, chegamos lá.

Um sommelier é, portanto, um psicólogo do vinho.
Colocaria aspas no psicólogo, mas, sim, o papel do sommelier é muito esse.

Como é a relação da diretora de vinhos com o chef Ricardo Costa, um criador por excelência?
Temos uma relação fantástica, que leva já 13 anos. Sei bem quais são os dias para falar com o chef e quais são os dias para não falar [risos]. Julgo que o segredo das relações profissionais é este: temos de conseguir conquistar espaço e temos de saber quando dar espaço.

O que é que um sommelier não pode mesmo deixar de ter?
Conhecimento técnico, um bom nariz, mas, sobretudo, ser particularmente sensível. Se, desta trilogia, tivesse de escolher uma qualidade, escolheria a sensibilidade.

Os vinhos portugueses estão melhores do que nunca?
Sem dúvida. É cada vez mais difícil encontrarmos um vinho mau no mercado. Claro: se nos posicionarmos numa patamar de custos de 3 euros, por exemplo, temos de nos preparar para encontrar vinhos que não são incríveis, mas também não estão carregados de defeitos. Com a qualidade e quantidade de ciência que temos à disposição, difícil mesmo é fazer um mau vinho.

Apesar de cada vez melhores, os vinhos portugueses não conseguem impor-se lá fora. O que falta?
Claramente, marketing. Marketing mais agressivo e consistente. Isso e seguir o lema da baronesa Philippine de Rothschild, segundo a qual “o negócio do vinho é algo bastante fácil: só os primeiros 200 anos é que custam” [risos].

(Fotografia de Pedro Granadeiro/GI)

Ainda há vinhos capazes de a espantar?
Há. Aqueles que são arrojados, fora da caixa. Ou aqueles que estou a provar pela primeira vez e que, sendo icónicos, defraudam ou superam as minhas expectativas.

Sem usar a palavra terroir, defina um bom vinho.
O melhor do vinho é o contexto em que o bebemos. Claro: um vinho com TCA [vinho que entrou em contacto com uma rolha contaminada pelas moléculas 2, 4, 6 – tricloroanisol] não é admissível, mas essas são exceções. Mas, sim, posso estar a beber um vinho de 1000 euros e a não ter qualquer prazer, se o contexto for desapropriado.

Que objetivo principal definiu para a sua missão no Yeatman?
Otimizar a oferta vínica do hotel, criando uma linguagem que seja inspiradora e adaptável a qualquer dos nossos espaços. O Yeatman dá-me a extraordinária possibilidade de criar eventos em que pretendemos democratizar o vinho sem o vulgarizar. Queremos chegar a um patamar em que beber vinho é sempre glamoroso, tem sempre estilo, seja à mesa dos restaurantes, seja no bar, seja nos nossos sunsets.

Branco ou tinto?
Estou numa fase de brancos, e a chegar ao champanhe [risos].


GARRAFEIRA À LUPA

A garrafa mais antiga
Taylor’s Single Harvest 1896 (vinho do Porto)

A garrafa mais cara
Taylor’s Single Harvest 1896: 6 mil euros

Região nacional mais representada
Douro e Minho (96% das garrafas são produção nacional)

Região internacional mais representada
Bordéus e Champanhe




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