Crítica de Fernando Melo: charme, ciência e génio nos vinhos Torero

(Imagem de Vinotecarium por Pixabay)
André Herrera de Almeida chegou ao mundo do vinho movido pela fixação em fazer vinhos diferentes e identitários. Após um período de inquirição e reflexão aturada, com os touros de permeio, o enólogo deu o passo em frente e fundou a Torero Wines. Portfólio impressionante a revelar um Alentejo inteiramente novo.

Intranquilo por natureza, filho de mãe andaluza e pai beirão, André tem uma leitura muito própria do mundo. Paixão pela terra, amante da festa brava, perfeccionista quase obsessivo, encontrou na vinha e no vinho o seu espaço natural de realização. Oficia na Maçanita Vinhos como enólogo e tem em António Maçanita o mentor e aliado indefetível que sempre o fez confiar em si próprio. Estagiou em adegas diversas do Alentejo, Algarve, Tejo, Austrália e Nova Zelândia, ganhando mundo e segurança para se abalançar a criar os seus próprios vinhos. Estreou em 2009 um deles para o restaurante de seu pai, o Mesón Andaluz, de marca Duende que em espanhol significa segredo e génio de forma combinada. Foi a primeira confirmação da vocação enológica e um marco biográfico importante na sua carreira. A forma de vinificar tem muita influência da Andaluzia de sua mãe, de resto os vinhos de Jerez são paixão primordial do enólogo. O portfólio entretanto foi-se consolidando e crescendo de forma orgânica, originando uma frente irresistível de títulos e estilos, a ponto de lhe dedicarmos todo o artigo desta edição. É o próprio que afirma que não se trata de vinhos racionais, são vinhos que têm origem no coração e cumprem o complexo desígnio da realização.

As Prensas do Castelinho da Serra de São Mamede
Grande Reserva Alentejo tinto 2018 (15,5%) | Torero Wines

Pontuação: 18
Preço: 100 euros

Vinha velha com mais de 80 anos em Alegrete, na serra de São Mamede. Seleção apenas das uvas da casta Castelão para produzir este vinho. Apesar do grau alcoólico relativamente elevado, há uma sensação de frescura e elegância que acentua o equilíbrio do conjunto. A casta surge com desempenho aromático notável, e com uma nobreza que faz cair o preconceito da rusticidade tantas vezes evocado. Fermentação alcoólica em lagares pequenos, prensagem forte a que se segue a malolática e estágio em barricas de terceiro ano. Boca de ameixa preta cozida, notas mentoladas e balsâmicas no final, muito longo e de grande equilíbrio. Trabalho de ourives na estrutura tânica. Estágio de 37 meses em barricas e dois anos em garrafa. 303 garrafas.

 

B de Duende Único XI Non Millésimé
Alentejo branco (13,5%) | Torero Wines

Pontuação: 18,5
Preço: 175 euros

O “B” refere-se à filha Beatriz e o vinho é um autêntico manifesto em defesa da casta Rabo de Ovelha. Vinho impressionante a todos os títulos, especialmente quando 86% corresponde a uvas de 2011 (7% é de 2013, 4% de 2015 e 3% de 2017). Uvas provenientes da zona de Borba, extração lenta do mosto em prensa pneumática, fermentando em barricas de segundo ano ao longo de um mês. 2011 foi um grande ano no Alentejo mas mesmo assim para um branco é um belíssimo desempenho que desafia toda a lógica. Com uma base de mais de dez anos, consegue mostrar-se vibrante e fresco. André Herrera demonstra grande conhecimento técnico, ao optar por deixar o vinho fazer a fermentação malolática e – como em Jerez – desenvolver o que chama véu de flor. 1497 garrafas.

 

D de Duende Único XI Non Millésimé
Alentejo tinto (16,5%) | Torero Wines

Pontuação: 17,5
Preço: 275 euros

Uvas provenientes da zona de Borba, blend de Aragonês de 2011 (77%), Trincadeira de 2011 (17%), Castelão de 1999 (2%), Trincadeira de 2005 (2%), Cabernet Sauvignon de 2015 (1%) e Petit Verdot de 2017 (1%). O “D” é de Diogo, filho de André, e o elenco de castas representa a sua personalidade irrequieta. Fermentação alcoólica dos cachos inteiros em pequenos lagares ao longo de dez dias. Fermentação malolática nos dois meses seguintes. Estágio de 98 meses em barricas novas e três anos em garrafa. Um vinho que consegue associar concisão na boca a riqueza na prova, sem perder o foco. Muita estabilidade e persistência, evoluindo devagar para um final longo e equilibrado. Excelente comportamento à mesa. 1512 garrafas.

El Duende
Alentejo branco 2017 (13%) | Torero Wines

Pontuação: 17
Preço: 75 euros

Vinho de lote, composto por Roupeiro (92%), Roupeiro de 2015 (5%) e Rabo de Ovelha de 2011 (3%). Uvas provenientes de vinhas em solos de transição mármore-xisto, na zona de Borba. Os cachos são prensados com cuidado para que a extração seja vagarosa. Fermentação alcoólica ao longo de cerca de um mês já nas barricas, seguindo-se a malolática que se dá espontaneamente. Numa das barricas permitiu-se o desenvolvimento de véu de flor. Estágio de 37 meses em barricas novas de carvalho francês, com bâtonnage mensal. Engarrafado sem filtração nem estabilização. Estágio de um ano em garrafa. Aromas de fruta de caroço, vagem de ervilha e especiarias. Boca mineral intensa com impressões de padaria. 721 garrafas.

El Duende
Alentejo rosé 2021 (16%) | Torero Wines

Pontuação: 18
Preço: 65 euros

Um rosé concebido para a mesa, capaz de enfrentar os maiores desafios. Uvas provenientes da zona de Borba, castas Trincadeira (43%), Aragonês (34%), Castelão (17%), Syrah (5%) e Alicante Bouschet (1%). Fermentação alcoólica em pequenos lagares. Malolática espontânea. Estágio de 18 meses em barricas usadas para tintos, bâtonnage mensal, a que se seguiu estágio de seis meses em garrafa. Aromas complexos petrolados, juntamente com toques florais e minerais. Boca muito fina, grupo de amargos brilhante que juntamente com a excelente acidez fixa que tem faz dele boa companhia de pratos requintados e estruturados. Feijoadas, tripas ou perdiz estufada com trufas serão de harmonização bem-sucedida. 309 garrafas.

El Duende
Grande Reserva Alentejo tinto 2021 (15%) | Torero Wines

Pontuação: 18
Preço: 95 euros

Lote composto por Aragonês (59%), Trincadeira (27%), Castelão (13%), Alicante Bouschet de 2015 (1%) e Castelão de 1999 (1%), uvas da zona de Borba. Estamos perante um verdadeiro demonstrador do potencial das grandes castas do Alentejo quando trabalhadas em conjunto, desde que por mão sábia. Fermentação alcoólica dos cachos em pequenos lagares ao longo de dez dias. Malolática espontânea, período de 12 meses. Estágio de 21 meses em barricas novas de carvalho francês, bâtonnage mensal, seguindo-se estágio de três meses em garrafas. Aromas balsâmicos evocativos de folha de eucalipto, complementados por impressões de terra húmida e ameixa madura. Boca elegante e focada, brilhante para um ensopado de borrego. 3113 garrafas.

G de Duende Único XVII Non-Millésimé
Alentejo rosé (16%) | Torero Wines

Pontuação: 19
Preço: 165 euros

O “G” é de Gabriel, filho que carinhosamente caracteriza como “um miúdo sem pressas”. Este rosé é-lhe dedicado justamente pelo tempo e trabalho que tomou. Trata-se por isso de um perfil inteiramente diferente do património vulgar do universo rosé. Uvas provenientes da zona de Borba, castas Trincadeira de 2017 (72%), Castelão de 2017 (21%), Touriga Nacional de 2019 (3%), Aragonês de 2016 (3%) e Trincadeira de 2011 (1%). Fermentação alcoólica em pequenos lagares ao longo de 30 dias, malolática espontânea. Estágio de 49 meses sobre as borras e sob véu de flor em barricas usadas, bâtonnage mensal. Estágio de dois anos em garrafa. Notas aromáticas deliciosas de evolução sem oxidação. Boca salina e iodada. Genial. 421 garrafas.

 

Maese
Grande Reserva Alentejo tinto 2011 (16%) | Torero Wines

Pontuação: 19,5
Preço: 3873 euros

Maese é um termo espanhol antigo que significa Mestre, tanto no universo tauromáquico com nas restantes artes e ofícios. André Herrera criou este supervinho para representar o seu manifesto próprio e é um vinho notável. Nas suas próprias palavras, representa liberdade para sonhar. Vinificação em field blend de um microterroir em Borba, composto por Trincadeira (40%), Aragonês (30%), Castelão (27%) e Castelão de 1999 (3%). Fermentação alcoólica em pequenos lagares, malolática espontânea. Estágio de 108 meses em barricas de terceiro uso e uma barrica nova de carvalho francês. Estágio de 38 meses em garrafa. Taninos muito finos, frescura e equilíbrio tudo perfeito e no sítio. Grande vinho. 572 garrafas.

 

Rabo de Ovelha em Rama
Alentejo branco 2017 (13%) | Torero Wines

Pontuação: 18 valores
Preço: 100 euros

A arte de transformar uma casta tradicional e banal em vinhos de excelência. A designação “em rama” quer dizer sem filtragem e sem estabilização, abordagem minimalista portanto. Houve um trabalho aturado de estudo e testes de afinação, e o resultado é brilhante. As uvas provêm da zona de Borba e foram vinificadas em pequenos lagares, fizeram malolática e o vinho estagiou 51 meses em barricas de segundo uso de carvalho francês. Desenvolveu véu de flor em todas as barricas. Prova de grande sofisticação, evocativa de vinhos de classe mundial. Na prova, veio-me diversas vezes Bâtard-Montrachet à memória. Reage maravilhosamente a trufas e a foie gras. É um grande amigo da mesa mais sofisticada. 407 garrafas.

The Guilty Dirty Babes
Grande Reserva Alentejo tinto 2018 (16,5%) | Torero Wines

Pontuação: 17
Preço: 90 euros

Três castas estrangeiras – Syrah (30%), Cabernet Sauvignon (30%) e Petit Verdot (15%) – e uma nacional – Trincadeira 2005 (15%) – constituem o lote deste vinho, à maneira de repositório das “castas menos gabadas”. Decidiu em boa hora André Herrera dedicar-lhes um vinho próprio e a prova está muito longe da banalidade. Fermentação alcoólica em pequenos lagares, malolática já em barricas novas de carvalho francês, onde o estágio de 48 meses decorreu. Estágio de um ano em garrafa. É um vinho divertido de perfil internacional, excelente para a mesa petisqueira. Vitela assada simples também lhe fará uma vénia. E um cozido à portuguesa feito a preceito fará as delícias de todos. Trata-se afinal de um vinho consensual. 303 garrafas.

 




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend