Cabrito assado: um prato para além da Páscoa

Em tempos de fartura, a carne de cabrito – antes associada a rituais para a agradar aos deuses – atravessa agora o ano inteiro, pelo que perdeu boa parte da sua solenidade. Ainda assim, ai de quem abdique dela em momentos especiais como são os casamentos de inverno, o Natal e, claro, a Páscoa.

Com ou sem jejum na Quaresma, o cabrito assado parece reunir consenso e ser preferência nacional. Não sem alguma controvérsia à mistura, pois há quem aponte como mais saborosa a versão grelhada praticada, por exemplo, em algumas partes da Beira Alta, do Minho e de Trás-os-Montes.

Talvez faça, contudo, mais sentido para esta equação falar da origem – sobretudo numa época em que a maioria de nós os adquire já abatidos, limpos e embalados nas grandes superfícies. Por alguma razão, os mais antigos faziam questão de cozinhar apenas cabritos de leite (ou seja, abatidos até um mês e meio de vida e com um peso entre os três e os cinco quilos no máximo), por serem estes que apresentam uma carne mais tenra e rosada.

Garantida a boa matéria-prima, e variando de região para região, é possível achá-lo assado de diferentes maneiras.

Na impossibilidade de consegui-los tão jovens (a média mais comum nos dias de hoje são os cinco a sete quilos), importa pelo menos não abrir mão da qualidade – trocado em miúdos (que por acaso são um dos acompanhamentos mais usados com o cabrito assado, mas já lá vamos), privilegiar o cabrito da Beira IGP (Indicação Geográfica Protegida), cabrito da Gralheira IGP, cabrito das Terras do Alto Minho IGP, cabrito de Barroso IGP, cabrito do Alentejo IG (Indicação Geográfica) e cabrito Transmontano DOP (Denominação de Origem Protegida).

Garantida a boa matéria-prima, e variando de região para região, é possível achá-lo assado de diferentes maneiras – até à moda do leitão, perto de Coimbra, ou estonado [ver em baixo], como é da praxe no concelho de Oleiros, na Beira Baixa –, frito como em certos pontos do Ribatejo, ensopado como em Fornos de Algodres, ou em caldeirada como na Serra d’Arga.

Há receitas para todos os gostos, embora, e foi isso mesmo que a pesquisa para este roteiro permitiu concluir, os restaurantes acabem quase todos por reproduzir, com mais ou menos rigor, a versão assada no forno à moda da Beira Interior, que manda a tradição acompanhar de batatas assadas e de arroz com os miúdos do bicho. Na dúvida, e porque a tradição também é para quebrar, é de escolher o que mais agrada ao gosto pessoal.


Cabrito, borrego e anho não são a mesma coisa

Poderá parece trivial para muitos, mas o facto é que, ainda hoje, há quem faça confusão entre os três. Nada como o pretexto da Páscoa, em que são servidos, para um tira-teimas. O cabrito é da raça caprina e tem como progenitores a cabra e o bode; menos robusto do que o cordeiro, a sua carne apresenta um baixo teor de gordura, é rica em ómega-3 e ómega-6 e concentra uma elevada quantidade de proteínas e ferro. Já o borrego é um cordeiro com menos de um ano, da raça ovina, com uma carne mais clara, mais macia e com maior teor de gordura do que a do cabrito. O anho, por sua vez, mais não é do que um cordeiro.

Para além da Páscoa

O nosso apetite pelo cabrito não se sacia só na Páscoa. Sobretudo nas Beiras. Entre os vários eventos que lhe são dedicados, destaque, já na primeira semana de maio, e durante dez dias, para Condeixa, onde vários restaurantes do município fazem dele cabeça de cartaz das suas ementas (o menu predefinido inclui cabrito assado à moda de Condeixa, bebida e um doce típico, a escarpiada, a preço promocional). No final, será atribuído o prémio Cabrito de Ouro, com base nos votos dos comensais.

Cabrito estonado — um bem nacional

Prato caraterístico do concelho de Oleiros, no distrito de Castelo Branco, o cabrito estonado – em que o animal é escaldado e o pelo retirado por raspagem, sendo mantida a pele durante a assadura para garantir maior suculência e sabor – é uma verdadeira relíquia nacional, o que já lhe valeu a candidatura, em 2011, às Sete Maravilhas Gastronómicas de Portugal na categoria de carnes e a criação, em 2015, de uma confraria. Dela faz parte a gastrónoma Maria de Lourdes Modesto, que, em 1982, incluiu a sua receita no best-seller ‘A cozinha tradicional portuguesa’ e, já em 2008, no âmbito do documentário ‘Os gestos dos sabores – das memórias ao futuro’, o apontou como um dos dez bens gastronómicos portugueses a preservar e incentivar.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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