Roteiro pela Beira Baixa, pelo passado rico a descobrir no presente

Castelo Branco, Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão são regiões com um passado cheio de tradição. Dos vestígios humanos mais antigos às colchas bordadas a seda, passando pelo contrabando, muito há a descobrir por aqui, em museus, centros interpretativos e em caminhadas junto ao Tejo.

Nos inícios do século XX, Maria da Piedade Mendes, uma senhora que vivia numa aldeia perto da cidade de Castelo Branco encontrou em baús herdados da família uma série de colchas de linho bordadas a seda. Foi a partir desta descoberta que a tradição – que teve os seus tempos áureos durante o século XVIII – foi recuperada, pela própria, que começou a reproduzi-las.

Hoje, é o orgulho e o ex-líbris da cidade. Por isso tem lugar de honra. Numa das mais históricas zonas da cidade, na Praça de Camões, conhecida também como Praça Velha, na Zona Histórica da cidade, encontra-se o CENTRO INTERPRETATIVO DO BORDADO. Ocupa o edifício que foi Domus Municipal, no século XVI, edifício prisional e biblioteca. Aqui está desde 2017. Antes, muito do seu acervo estava no Museu Proença Júnior – que também merece visita, mas já lá vamos.

No centro, viaja-se do século XVII, de que datam as colchas mais antigas, até aos nossos dias, já com designers a pegarem na tradição para recriarem os motivos e as técnicas tradicionais e reinventarem o bordado. Feito em colchas de linho, o bordado era de seda, sendo a produção de amoreiras – para alimentar o bicho da seda – bastante grande na região naquela época.

Não foi só o bordado que marcou Castelo Branco nesta época. Sendo a cidade que o bispo da Guarda escolheu para passar os invernos – descia da cidade de montanha para uns meses mais amenos a sul – a influência da Igreja faz-se sentir. Um dos maiores exemplos é o JARDIM DO PAÇO EPISCOPAL. Não se sabe ao certo quem desenhou este complexo e sofisticado jardim barroco. Sabe-se, sim, que foi erguido por volta de 1720 pelo bispo da Guarda D. João de Mendonça, depois de ter regressado de uma temporada de três anos em Roma.

Muitas das ideias, dos mitos e dos símbolos da época ligados à teologia e ao conhecimento de então estão ali representados em estátuas de granito. Por exemplo, as quatro partes do Mundo então conhecidas pelos europeus – Europa, Ásia, África e América -, os 12 signos do zodíaco, as quatro estações do ano, as virtudes teologais ou a morte, o juízo, o inferno e o paraíso.

Mas o poder temporal também está representado. Dispostos em escadaria estão os reis de Portugal até D. José I (que fez de Castelo Branco cidade), e aqui uma curiosidade. Os Filipes, reis de Espanha que governaram Portugal de 1580 até à restauração da Independência a 1 de dezembro de 1640, não foram esquecidos, só que as suas estátuas são bem mais pequenas do que as restantes.

A água como um elemento essencial, remetendo também para a ideia purificadora deste elemento, não falta. Há vários lagos e fontes, e também jogos de água, bem ao gosto barroco: são repuxos que apenas funcionam com determinados sons, como palmas.

A ÁGUA E A CIDADE

Se a água tem importância simbólica aqui, no resto da cidade sempre teve importância prática, pois escasseava. “A água sempre foi um problema grave em Castelo Branco. Não há rio e era difícil aceder a poços e fontes senhoriais. Não há muito tempo, nos anos 1980 e 90, durante o verão só havia nas casas três horas de água por dia”, conta um dos guias turísticos da autarquia.

Só se resolveu o problema quando se construiu a barragem da Marateca, no rio Ocreza. Mas já antes se tentou mitigar o problema da escassez da água. E isso fez com que nascesse um dos mais especiais sítios da cidade, o miradouro de S. Gens. Numa das encostas que desce do castelo, foi construído, em 1935, o primeiro reservatório de água da cidade. Em 1941, Eurico de Salles Viana desenhou ali o miradouro e fez a ligação da cidade ao castelo, com uma série de escadarias. Deste patamar-miradouro vê-se a barragem da Marateca, a Serra da Gardunha e, mais ao longe, a Serra da Estrela e o histórico Monte de S. Martinho.

As escadinhas continuam encosta abaixo, por entre casas e pequenas hortas, mas vêm de cima, do CASTELO, por isso para visitá-lo, basta subir uma escadaria ladeada por altos ciprestes.

Quase nada resta do castelo original, construído pelos Templários, no século XIII. Pensa-se que a planta original seria a mesma de um castelo cruzado construído na Síria, chamado precisamente “castelo branco”. O “nosso” Castelo Branco foi, de facto, um dos centros templários mais importantes na época das cruzadas. Já no século XVI era uma povoação-fortaleza, com ruas estreitas. Mas os ataques dos castelhanos ao longo do tempo e depois dos franceses ditaram a destruição do castelo e das suas muralhas, bem como da capela de Sta. Maria do Castelo, que está hoje completamente descaracterizada. Depois das invasões francesas, a câmara deu licença aos habitantes para tirarem pedras para construírem habitações. Hoje, resiste a torre de menagem, não no seu sítio original, e parte da muralha.

Quem se interessa por estas coisas da história e da arqueologia não pode deixar a cidade sem visitar o MUSEU FRANCISCO TAVARES PROENÇA JÚNIOR – no edifício do antigo paço episcopal, onde à volta se encontra o já referido jardim barroco. Fundado pelo arqueólogo que lhe deu nome, em 1910, o museu só aqui se instalou nos anos 70 (estava antigamente no Convento dos Capuchos).

Este famoso albicastrense, nascido em 1883, de uma família antiga e com posses, estudou na Grã-Bretanha e na sua terra natal interessou-se pela história pré-medieval de que pouco se sabia. A idade do do Bronze , do Ferro e a época romana fascinavam-no e na sua curta vida – morreu em 1916 – desenvolveu investigação, identificou uma série de espaços arqueológicos daquela zona, como o Castro do Monte de São Martinho, povoado fortificado da idade do Bronze, posteriormente romanizado. Os achados encontram-se no museu.

Além deste importante acervo arqueológico, também aqui se podem ver coleções de arte, herdadas do Paço Episcopal – com pintura, tapeçaria e escultura dos séculos XVI a XIX. Não faltam também as famosas colchas de bordado de Castelo Branco.

TEMPOS DE POBREZA E CONTRABANDO

Não deixa também de ser arqueologia – mais recente – o que se pode encontrar em núcleos museológicos de pequenas localidades do distrito. Como é exemplo o MUSEU ISILDA MARTINS, na freguesia de de Sobreira Formosa, em Proença-a-Nova. Núcleo de âmbito etnográfico, aqui se encontram uma série de objetos que foram sendo resgatados do esquecimento ou da destruição pela professora primária que dá nome ao museu e que é também diretora técnica do do Grupo de Danças e Cantares de Sobreira Formosa ,que teve a iniciativa de abrir o espaço em 2012.

O que se pode aqui ver é fruto de várias décadas de recolha objetos do quotidiano, seja de âmbito doméstico – a cozinha e o quarto tradicionalmente beirões encontram-se aqui – seja de trabalho no campo, com vários utensílios rurais – e o trabalho do linho. Não faltam também elementos de uma escola primária, como as carteiras e os mapas antigos.

No concelho vizinho, Vila Velha de Ródão, faz-se outra viagem ao passado, aos tempos em que o contrabando era forma de sobrevivência. No NÚCLEO MUSEOLÓGICO DE PERAIS – instalado na sede da Junta de Freguesia local – conta-se a história desta comunidade raiana. Perais faz fronteira com Espanha onde os rios Ponsul e Sever se encontram com o Tejo. Por aí, durante as ditaduras de Salazar e Franco passava-se às escondidas de um lado para o outro, com café, perfumes, sapatos, entre outros bens.

Na localidade ainda há muitas recordações destes tempos em que fugir à lei era uma necessidade. Na praça central de Perais não faltam testemunhas dessa época, antigos contrabandistas que contam com orgulho – mas sem nostalgia – as suas experiências do passado.

É também daqui que parte um percurso que é um paraíso para quem gosta de fazer caminhadas. Sobranceiro ao Tejo, o CAMINHO DA TELHADA – a que a população local chama caminho romano – é circular e tem cerca de seis quilómetros. Durante o passeio, passa-se por vários caminhos rurais e por património histórico muito antigo, como é o caso de um túmulo e um lagar escavados em xisto. O caminho pode ser percorrido em família, pois não tem momentos de especial dificuldade. Momentos de deslumbre, esses não faltam.

 

MAIS SUGESTÕES

O MURAL DE ROSÁRIO BELLO
No centro de Castelo Branco, na Rua d’Ega, um mural ocupa uma parede inteira de um prédio em frente a um jardim. Esta pintura da artista Rosário Belo, natural de Nisa mas albicastrense há cerca de duas décadas, é assumidamente uma homenagem à cidade e à Beira Baixa. Os elementos estão todos lá: os motivos do bordado, a viola beiroa, o Jardim do Paço Episcopal ou uma poesia de António Salvado, poeta que nasceu precisamente naquela rua.

O MUSEU CARGALEIRO
Aqui se encontra muita da obra do mestre nascido ali ao lado, em Vila Velha de Ródão. Inaugurado em 2005, instalou-se no Solar dos Cavaleiros, edifício do século XVIII. Seis anos mais tarde, nasceu outro núcleo uns metros mais acima. No edifício antigo mostra-se a sua coleção de cerâmica ratinha, produzida por trabalhadores rurais da Beira, que sazonalmente migravam para o Alentejo. No edifício recente está outra parte desta coleção, com obras de ceramistas contemporâneos e também os quadros coloridos do artista, uma extensa obra que se estende dos anos 1940 até hoje.

HOTEL MELIA: VISTA PARA A CIDADE E O PÔR DO SOL
Há dois anos, o Tryp Colina do Castelo deu origem ao atual Hotel Melia. O hotel ao lado do castelo e com vistas abertas para a zona nova da cidade e para o pôr do sol, foi todo remodelado. Espaçoso e com muita luz, tem 103 quartos (duplos, twins, familiares e premium), spa, ginásio, piscina interior. Uma esplanada apela aos dias de calor e aos ocasos coloridos.

CENTRO DE CIÊNCIA VIVA DA FLORESTA
A importância económica e ambiental da floresta é explorada aqui neste Centro de Ciência Viva em Proença–a-Nova. Em várias salas com elementos interativos, crianças e adultos são convidados a explorar o que existe na floresta, as árvores, os pássaros, os aromas, e também alerta para os perigos que a ameaçam, como os incêndios. Cá fora, depois de se passar pela cafetaria, há um charco artificial atravessado por um passadiço. Percorrê-lo e descobrir a biodiversidade que lá se encontra é uma boa forma de rematar a visita.

UMA ALDEIA DE XISTO E O SEU RESTAURANTE
Chamava-se Augusta a senhora que habitava a casa onde agora funciona o restaurante da aldeia de Figueira, integrada na rota das Aldeias do Xisto. “Era uma benemérita de uma família abastada. Trazia sempre algo no regaço para dar aos pobres, fazia partos, ajudava na gestão de conflitos, assumiu papel central na comunidade”, conta Joana Pereira, que se mudou há uma década para a aldeia – de onde o marido é natural, e onde dirige o restaurante Casa da Ti Augusta, o único ali. Joana faz também visitas interpretativas pela aldeia.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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