Praias fluviais, mesas serranas e património para descobrir este verão na Serra da Estrela

Sem o branco da neve, as encostas da Serra da Estrela vestem-se de urze colorida, nascem praias fluviais paradisíacas e há trilhos para percorrer entre vales, ribeiras e moinhos. A cozinha serrana, o património preservado e as tradições ancestrais fazem das aldeias de montanha do concelho de Seia o cenário ideal para um verão bem passado - e fresco.

Na madrugada de 22 de fevereiro de 1944, em plena Segunda Guerra Mundial, o nevoeiro cerrado atraiçoou a visão dos pilotos do Hudson EW 906 da força aérea inglesa, e a aeronave despenhou-se na montanha de Penha do Gato, a 1771 metros de altitude, em Loriga. Nessa noite, muitos homens que se preparavam para sair para a serra, para trabalhar nas minas de volfrâmio e de carvão, viram a explosão e, nos dias seguintes, acorreram ao local curiosos.

Esta história perdurou de tal forma no tempo que hoje há turistas e caminhantes interessados em ir ao local da queda do avião – que fica muito próximo da rota pedestre da Garganta de Loriga – e em 2019 o orçamento participativo do município de Seia propôs a criação de um desvio para que o local passasse a integrar o percurso, para homenagear os pilotos ingleses.

No miradouro da PENHA DA ÁGUIA (um braço de pedra na berma da EN231 com vista panorâmica para a aldeia) avista-se também a Penha dos Abutres e as ribeiras da Nave e de São Bento a convergir num vale, formando a ribeira de LORIGA. Imaginando os socalcos agrícolas cobertos de neve, em virtude de estar muito próxima da torre da Serra da Estrela, não é difícil perceber porque há quem chame a esta aldeia a “Suíça portuguesa”.

A história de Loriga tem séculos e foi marcada pela passagem de diversos povos, dos romanos, que ali deixaram uma ponte e uma calçada; aos mouros, de que restou um terraço medieval. O primeiro foral data de 1514, no reinado de D. Manuel I. Em termos económicos, a aldeia sempre se dedicou à pastorícia e ao cultivo de milho grosso. A indústria têxtil, que arrancou na Covilhã no século XVII, só ali chegou em meados do século XIX, alavancada pela abundância de gado e pelas ribeiras, usadas como fontes de energia.

Hoje restam poucas fábricas, que o diga Fernando Mendes, 57 anos, antigo encarregado de secção numa dessas unidades. Aos 11, quando começou a trabalhar numa padaria durante as férias de verão, foi maturando a ideia de criar um negócio próprio, e conseguiu-o, convertendo parte de uma antiga fábrica têxtil. Volvidos mais de trinta anos, a LORIPÃO é das poucas padarias que fazem o bolo negro, exclusivo da aldeia e, ao que a história indica, herança de uma colónia inglesa que ali se fixou no século XIX.

Feito apenas com ovos, açúcar, farinha, leite e canela, este bolo de cor escura, formato retangular (a lembrar o bolo inglês) e fatias húmidas e uniformes é levado a cozer num grande forno a 270 graus, durante 70 minutos, e embalado em vácuo. Antigamente tinha lugar à mesa em épocas festivas como a Páscoa, mas hoje é consumido todo o ano e justifica uma produção diária, que é escoada, também, para restaurantes e hotéis da região e distribuidores em Aveiro, Coimbra e Lisboa.

Este trabalho duro começa todos os dias de madrugada e Fernando ainda põe as mãos na massa, mas já conta com a ajuda de um dos filhos, Miguel, de 25 anos, formado em Economia. Há de ser ele o garante do futuro do negócio. Além do bolo negro, a Loripão também vende pelos de leitão (um tipo de biscoitos), broa de milho cozida em forno a lenha e outros tipos de pão, numa loja na rua principal da aldeia. A Confraria da Broa e do Bolo Negro de Loriga, por sua vez, apoia a investigação, preservação e divulgação destes sabores e saberes.

(Fotografia de Reinaldo Rodrigues/GI)

Mergulhos e mesas serranas

Loriga foi também abençoada em paisagens naturais, como a da PRAIA FLUVIAL DE LORIGA, criada no curso da ribeira. Segundo o Turismo, “é a única praia portuguesa situada num vale glaciário” com milhares de anos e distingue-se pelo solo pedregoso e pelos matos de giesteira-das-serras e giesta-branca. As águas puras e cristalinas da represa em que os visitantes se refrescam deram-lhe um lugar de finalista no concurso “7 Maravilhas – Praias de Portugal”. Para conforto dos visitantes, há balneários, parque de merendas e parque infantil à disposição.

O vale glaciário é um dos pontos de interesse da ROTA DA GARGANTA DE LORIGA, com início em Salgadeiras e término na aldeia (a melhor altura para o fazer é entre maio e outubro). Os quase nove quilómetros de nível difícil pressupõem que os caminhantes tenham alguma estaleca, mas a beleza da paisagem compensa o esforço. Pelo caminho veem-se estruturas rústicas ligadas à transumância, a Eira da Pedra, geoformas glaciárias e diversa fauna e flora.

Para recarregar energias, nada como ir a O VICENTE, que recebe bem e serve ainda melhor, com uma esplanada debruçada sobre a montanha. As especialidades são o cabrito à padeiro, o bacalhau com broa e o bacalhau à fonte sagrada (com broa e farinheira); a morcela frita com grelos salteados e as sobremesas caseiras. “Os meus avós paternos já tinham uma taberna no fundo da vila”, conta Patrícia Vicente, dona do espaço em conjunto com o irmão, Hugo, dedicado à cozinha. O espaço, em que foram investindo nos últimos 20 anos, também funciona como café, mercearia de produtos locais e residencial.

 

Património centenário

Loriga é, na verdade, uma das 41 aldeias de nove municípios abrangidas pelo projeto Aldeias de Montanha, que aposta no desenvolvimento de um novo produto turístico assente nas gentes e tradições locais. Ao longo do ano são realizados vários eventos, como a Aldeia Natal e o festival Sons do Bosque. Este último acontece em LAPA DOS DINHEIROS, e enquanto a nova edição não chega, vale a pena visitar a aldeia nem que seja para encher os pulmões de ar puro, apreciar a paisagem e conhecer a história local, ligada ao rei D. Dinis.

(Fotografia de Reinaldo Rodrigues/GI)

Os adeptos das caminhadas encontram, aqui, a ROTA DA CANIÇA, classificada como “algo difícil” e repleta de soutos, pinhais, lameiros, matos e afloramentos rochosos ao longo do vale da ribeira da Caniça (afluente do rio Alva). A boa notícia para quem o percorre no verão é que o percurso integra a PRAIA FLUVIAL DA LAPA DOS DINHEIROS, que permite ir a banhos numa água fresca e transparente, com todos os apoios necessários.

Muito mais duro foi o esforço que milhares de homens empreenderam na construção das condutas, canais e represas do Aproveitamento Hidroelétrico da Serra da Estrela, dominando as forças da rocha e da água que por ela descia. Este sistema, composto por oito centrais hidroelétricas (duas delas desativadas) construídas entre 1909 e 2003, deu luz à Serra da Estrela pela primeira vez a 26 de dezembro de 1909, eletrificando 25 concelhos a partir de então.

Essa empreitada é lembrada na instalação “As mãos que desafiaram a montanha”, patente no túnel de 32 metros de comprimento por onde correram as águas que produziram energia na Central I da Senhora do Desterro, em São Romão. Desativada há 27 anos e convertida no MUSEU NATURAL DA ELETRICIDADE – por onde já passaram 50 mil visitantes -, narra a história da produção de energia no concelho de Seia e na região. As visitas, sempre guiadas, permitem ver como a água entrava nas turbinas gerando energia; o quadro de comando; o quadro elétrico original; uma cabine telefónica insonorizada onde os trabalhadores comunicavam; e outros espaços de trabalho.

No exterior, ouve-se o zumbido da central Desterro II, de 1959, que produz energia para o consumo doméstico de 50 mil casas. Mas à medida que se percorre o passadiço de madeira por entre a MATA DO DESTERRO em direção à PRAIA FLUVIAL DOUTOR PEDRO, o ruído dá lugar ao sibilar do vento entre os carvalhos e ao canto dos pássaros, confirmando tratar-se de uma zona ambientalmente protegida.

A poucos minutos, na mesma estrada à beira do curso do rio Alva, encontra-se o restaurante MARGARIDA, no edifício de um antigo forno comunitário. Foi ali que Adelina criou o seu próprio posto de trabalho (cujo nome é o apelido das filhas), depois de ter trabalhado na cozinha do Estádio da Luz. A caminho dos 64 anos, a anfitriã de diálogo e sorriso fáceis tanto senta os clientes, como serve às mesas com a ajuda da filha Joana.

Da carta, o bacalhau à Margarida (com broa de milho e amêndoa) é o prato mais elogiado, ou não justificasse viagens de alguns clientes do norte do país até Seia. Mas também há secretos de porco com migas de alheira, cabrito assado com batata a murro e pernil de porco com arroz de feijão. Nas sobremesas, são irresistíveis o pão-de-ló de queijo da serra e o pudim branco com frutos vermelhos. A certeza é de sair com vontade de regressar.

Um hotel dentro da aldeia
Dezasseis anos depois de o terem aberto na aldeia de Lapa dos Dinheiros, Nuno Bravo e Maria Manuel investiram na renovação completa do hotel CASAS DA LAPA e o resultado é de elogiar. Equipado com 15 quartos (oito deles suítes), três piscinas (uma delas interior), restaurante de autor, spa e uma biblioteca, conjuga o charme rústico de antigas casas recuperadas com uma arquitetura e design de interior contemporâneos e quase minimalistas, sem descurar o conforto. Um dos maiores trunfos é o enquadramento natural, que além de ter uma cascata a correr abundante dentro do perímetro do hotel permite ver, a partir das varandas e terraços dos quartos, o recorte das serras do Caramulo e do Açor e, em certos dias, Espanha.

Queijos artesanais valorizados
Maria Natália Lopes, natural do Sabugueiro, aprendeu a fazer o tradicional queijo da Serra da Estrela com a mãe. Autonomizou-se aos 14 anos e hoje, com 57, ainda se lembra da falta de condições que teve de ultrapassar em tempos de aperto. “Comecei a fazer queijo numa quinta sem luz, em que ia buscar água a uma mina e fervia o leite à lareira”. Na sua queijaria artesanal, instalada no piso térreo da casa onde mora, em Santiago, perto da escola primária onde estudou, é tudo diferente, para melhor. Utiliza o leite de 300 ovelhas de raça bordaleira, que no verão pastam ali e no inverno têm de subir à serra – mas nada comparado com a escala da transumância que os pais faziam, vindos da Fogosa, em outubro, em busca de melhores pastagens. O cuidado com as ovelhas mantém-se, mesmo em dias santos. “Não sei fazer outra coisa”, diz Natália. “Faço com gosto, com alma e com dedicação, e quando há turistas que nos procuram ou clientes que nos ligam consolados com o queijo, isso dá-nos mais força para enfrentar as dificuldades”. Foi para valorizar socialmente 40 mulheres queijeiras, como Natália, que a rede Aldeias de Montanha criou o projeto de inovação e empreendedorismo Queijeiras, assente nos contributos da sociedade civil. A ideia é comercializar uma capa de burel e o livro “As Histórias das Guardiãs da Montanha”, com o objetivo de angariar fundos para ministrar um curso de formação em soft skills e partilha de conhecimento a estas queijeiras, que tanto contribuem para o valor dos territórios como a Serra da Estrela.

(Fotografia de Reinaldo Rodrigues/GI)

 

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Morada
Avenida Augusto Luís Mendes, 14, Loriga (Seia)
Telefone
238953323
Custo
(€) Bolo negro: 6 euros (800gr); 3,50 euros (400gr); broa de milho, 1,30 euros.
Horário
Das 06h às 19h. Encerra ao domingo.


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Avenida Pedro Vaz Leal, 4 (EN231), Loriga (Seia)
Telefone
238953127/969667032
Custo
(€) Preço médio: 18 euros.
Horário
Das 12h às 15h e das 19h às 22h. Encerra à quarta-feira.


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Senhora do Desterro, São Romão (Seia)
Telefone
238316276
Custo
(€) Preço: 3 euros (adultos); 2 euros (jovens até 17 anos e séniores); 6 euros (bilhete familiar).
Horário
Aberto de terça a domingo, das 10h às 18h (março a setembro) e das 10h às 16h30 (outubro a fevereiro).


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Latitude : 39.3999
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Morada
EM513, 3, São Romão (Seia)
Telefone
238321136
Custo
(€€) Preço médio: 20 euros.
Horário
De quinta a sábado, das 12h às 15h e das 19h30 às 21h30. Quarta e domingo, só almoço. Encerra à segunda e terça.


Info
Reserva recomendada.
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Longitude : -8.2245
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Morada
Rua Eira de Costa, 10, Lapa dos Dinheiros (Seia)
Telefone
911851895
Custo
(€€) Quarto duplo a partir de 180 euros; suíte a partir de 220 euros (valores por noite, com pequeno-almoço)


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Quinta do Sarrodelo - Rua da Escola, 3 Santiago (Seia)
Telefone
238313187/963923802
Custo
(€) Preço: 15 euros/quilo.
Horário
Das 09h às 18h.


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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