Passeio entre serras e lendas, em Mondim de Basto

Alexandra Alves e Luís Pereira, da associação Campanoo, na Dorna. (Miguel Pereira/Global Imagens)
Encaixado na transição entre o Minho e Trás-os-Montes, o concelho tem como cartão de visita uma das maiores quedas de água da Península Ibérica, as Fisgas do Ermelo, no Parque Natural do Alvão. Mas a monumental cascata é apenas uma das razões para visitar Mondim, entre percursos pedestres, alojamentos aconchegantes e mesas tradicionais.

O desembaraço com que Luís Pereira e Alexandra Alves vão vencendo as subidas e descidas do mais recente percurso pedestre de Mondim de Basto, com o filho mais novo aconchegado no marsupial que vai alternando entre ambos, quase concorre com a beleza do trilho. Entende-se esta agilidade depois de se saber que Alexandra é uma filha da terra e que Luís Pereira, ainda que nascido em Vila Real, vive na aldeia de Campanhó há cinco anos. A profissional da área de animação e produção artística e o arqueólogo são os sócios-fundadores da Campanoo – Associação Cultural, Ambiental e Patrimonial, que tem como missão, entre outras, “salvaguardar e promover a paisagem natural e a história local” por meio de visitas guiadas e passeios de identificação da flora selvagem comestível e medicinal.

O percurso PR8 – Caminho do Porto Velho está pronto a ser explorado desde 2019, seja de forma independente ou na companhia do casal bem-disposto, que vai dando contexto ao que se vê durante os 7,1 kms que contam “as vivências das gentes da terra”, assinala Luís. O trilho pode durar entre três a quatro horas e deve ser feito com calma, não só pela sua dificuldade, mas pela beleza dos cenários que vão surgindo. Trazer tempo na bagagem, seja para explorar, comer ou conhecer é o que se sugere a quem chega a Mondim de Basto, onde a carne maronesa é rainha e as serras convidam à aventura.

(Fotografia: Miguel Pereira/Global Imagens)

O arranque do PR8 faz-se no Largo Central da Campanhó, junto ao painel do percurso, e rapidamente as casas dão lugar a lameiros verdes, cortados pela levada da Dorna. É na companhia da água que se alcança a Dorna, um pequeno oásis esculpido na serra, que é destino de banhos em época de calor. Segue-se o troço mais duro do percurso, uma subida íngreme até ao Planalto Cruz das Moças, encimado por uma enorme mariola e palco de uma panorâmica arrebatadora onde se desenham as serras do Parque Natural do Alvão e os picos da serra do Gerês.
A partir daqui o sentido é descendente, passando por uma enorme “manta de retalhos” em amarelo e rosa, cores dadas pela carqueja e pela urze, abundantes na serra por esta altura, até chegar aos fornos de cozedura da cal negra, “exemplares únicos em Portugal Continental”, diz o panfleto do trilho.

Segundo Luís, no século XX a cal destinava-se principalmente “à fertilização dos solos do Douro Vinhateiro”. Mas não só. A cal, porque “prometia uma melhor aderência das tintas”, seria utilizada para o “reboco final, onde era aplicada a pintura a fresco”, em capelas do nordeste transmontano, nos séculos XV e XVI. Na aldeia de Campanhó, o pó servia para “argamassa para as casas, para os estuques e para a agricultura”, sobretudo o borro, ou seja, as sobras. Ao todo, observam-se cinco fornos, embora Luís acredite que haja mais, onde a cal era cozida entre 700 e 900 graus, durante 24 a 48 horas, calcificando e libertando toda a humidade. Para rachar, bastava deitar-lhe água fria, e assim aceder ao esfarelado esbranquiçado, o mesmo que parece polvilhar o topo de uma das famosas elevações do concelho.

Zona de lazer no topo do Monte Farinha.
(Fotografia: Miguel Pereira/Global Imagens)

Envolto em lendas, o Monte Farinha, também conhecido como Nossa Senhora da Graça, ergue-se a cerca de 1000 metros de altitude, conferindo-lhe uma presença constante – quase vigilante – na paisagem de Mondim, e dos concelhos à volta. A sua subida é a etapa rainha da Volta a Portugal, e quem quiser fazê-lo a pé, pode seguir três percursos que têm como destino o topo do monte – os Caminhos da Senhora da Graça. Ainda no monte, a meia encosta, encontra-se o povoado do Castroeiro, um lugar que terá sido habitado na Idade do Ferro, e onde se consegue ver a arquitetura das casas castrejas, bem como gravuras rupestres.

Casas fora de casa
Quando se entra no Céu da Boca não se percebe logo que o fazemos por um armário. Só depois de se estar na sala, se evidencia o uso da peça de mobiliário como uma espécie de antecâmara “para quando se abre a porta não entrarem metros cúbicos de frio”, esclarece Luís Romano, o anfitrião. Neste bistrô que só abre ao jantar, no centro de Mondim, é Susana, sua mulher, que comanda sozinha os destinos da cozinha, de onde saem petiscos confecionados com matéria-prima local e de época, decididos no dia, já que não há carta. Sem formação na área, Susana admite que confeciona como em casa, e a julgar pela sala quase cheia numa segunda à noite, fá-lo com sucesso.

São suas especialidades o bife de carne maronesa com amêndoa, cogumelos e batata gratinada com queijo, os finos secretos de porco, a alheira com puré de maçã e as surpreendentes pataniscas de enchidos, com alheira, presunto e chouriço. Também se preparam pratos de base vegetal, desde que pedido com antecedência. Entre o desfile de pratinhos que vão chegando à mesa, sugere-se reparar em detalhes de decoração como a antiga televisão – “a segunda que houve em Mondim” -, o enorme espelho “que veio da sala de baile de um palacete” e a carruagem de comboio exibida numa prateleira. É uma “réplica fiel” feita por um cunhado de Luís, “da última automotora a andar na linha do Tâmega”. Tudo embalado pelo “conforto auditivo” que se faz ouvir da aparelhagem que veio de casa de Luís e Susana, afinal, a decoração foi pensada como se o casal ali vivesse.

E é o mesmo que acontece no Palacete do Conselheiro, a escassos metros do restaurante. A casa cor de rosa do século XVII não só cumpre a função de alojamento local, como é a morada dos jovens Luís Baptista, de Amarante, e Adelaide Soares, natural de Castro Laboreiro, desde 2019 – e mais recentemente, também do seu bebé. O palacete, conta Luís, “estava montado como um hostel, e transformamo-lo quase num boutique hotel”. Os nove quartos de tipologias como duplo, triplo, quádruplo e quíntuplo convidam a ficar não só casais, mas também famílias alargadas, que se entretêm com mergulhos na piscinas, partidas de minigolfe e passeios por entre as centenas de árvores de fruto. Junta-se ainda a sala de estar com jogos e o bar que abre de junho a setembro.

Um refúgio ao pé do rio e sete condes
Já fora da vila, na freguesia de Atei, encontra-se a Casa do Rio, um projeto nascido de uma “mera casualidade”, nas palavras de Sofia Nogueira. Foi durante um passeio de fim de semana com o marido, Álvaro Silva, que o casal fafense ao dar com a propriedade à venda, depressa percebeu que o sonho de ter algo relacionado com turismo e natureza podia estar mesmo ali à frente. E estava, apenas faltava fazer quase tudo – instalar eletricidade, pôr água potável, tornar o “caminho de bois” mais circulável e recuperar a casa em ruínas. Ficou pronta no início da pandemia, tendo começado a receber hóspedes nos quatro lodges, duas suítes e três bungalows, no verão do ano passado. De ambiente elegante e minimalista, os lodges e as suítes distribuem-se pela casa em pedra, e apresentam confortos como cozinha equipada e ar condicionado. Se essa for a vontade, nem é preciso sair da propriedade, já que os hóspedes têm à disposição uma piscina, um pequeno bosque com espécies autóctones e acesso direto a um afluente do Tâmega. O Amadeu, a Esperança, a Estrelinha e a jovem Rosinha são as ovelhas anfitriãs e, delicadamente, até se deixam afagar.

De regresso ao centro de Mondim de Basto, mas sem abandonar Atei – a explicação está mais à frente -, sobressai a esplanada da Adega 7 Condes, numa das ruas mais pitorescas da vila. Este negócio de família, aberto há 23 anos é, explica Justina Lemos, “o representante da carne maronesa” em Mondim, proteína que ali chega certificada vinda da Adega Cooperativa da Maronesa de Vila Real. Grelhada na brasa, de textura suave e “sabor a monte”, dado pela alimentação à base de pasto, a posta é servida com batatas assadas e migas. As opções, todas do receituário tradicional, incluem misto e costeleta da mesma carne, pratos de peixe, como o saboroso bacalhau com broa, e sobremesas clássicas, caso do leite creme, do pudim de ovo e do doce da casa, com natas, bolacha e ovos moles.

Se a viagem à mesa é feliz, a lenda por detrás do nome é algo dramática. Justina começa por explicar que o marido é de Atei e que gostava que o restaurante tivesse alguma referência à freguesia. Eis que entra a lenda dos sete irmãos, que dá conta desta irmandade que vivia na Corte, em Guimarães, e arrebatava corações com os seus olhos claros. Aborrecidos, os nobres terão solicitado para os expulsar da Corte, pedido ao qual o Rei terá acedido, mandando-os para Atei. Mas o cenário voltou a repetir-se e “os homens decidiram matá-los e tirar-lhes os olhos”, conta Justina. Terá sido o que deu início à “maldição” lançada pelos Condes, determinando que, a partir daquele momento, nasceriam sempre mais homens e sempre com olhos claros. Realidade ou não, a verdade é que o marido de Justina… tem olhos claros.

Dali pode-se seguir para as Fisgas de Ermelo, local incontornável dentro da área protegida do Parque Natural do Alvão, passando pelas quedas de água do Rio Cabrão. Estas surgem inesperadamente após se passar a aldeia de Bilhó, brindando quem segue de carro com uma cascata mesmo à face da estrada. Daí até à aldeia de Varzigueto são cerca de dez minutos. Sugere-se deixar o carro no cimo da aldeia e partir a pé até ao Miradouro do Alto da Cabeça Grande, seguindo parte do percurso PR3 – Fisgas de Ermelo, que conta com 12,4 kms, e um nível de dificuldade difícil.

Fisgas do Ermelo.
(Fotografia: Miguel Pereira/Global Imagens)

O caminho faz-se quase sempre junto às águas do Rio Olo e às suas margens verdes. Aos poucos, as serranias começam a fazer parte da paisagem e depois de passarmos pelas “piocas de cima”, pequenas lagoas, chega-se finalmente ao miradouro sobre esta que é uma das maiores cascatas da Península Ibérica. A monumental queda de água, com quase meio quilómetro de desnível, a precipitar-se sobre rochas quartzíticas formadas há mais de 400 milhões de anos cria um quadro assombroso, cuja beleza merece ser absorvida com um olhar mais longo.

A reportagem da Evasões teve o apoio do Município de Mondim de Basto.

Morada
Rua Via Cova, 52, Mondim de Basto
Telefone
968785750


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Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Rua do Rio, 934, Mondim de Basto
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912596003


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Largo do Outeiro, 65, Mondim de Basto
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968288540


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Morada
Travessa do Escourido, 13, Mondim de Basto
Telefone
255382342
Horário
De terça a domingo, das 12h às 15h e das 19h30 às 22h. Encerra à segunda.


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Mondim de Basto
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914404747


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