Guias das cidades: Braga nos traços de André Soares

Eduardo Pires de Oliveira leva-nos a conhecer a cidade marcada pelo arquiteto André Soares (Fotografia: Cristiana Milhão/GI)
Eduardo Pires de Oliveira é o único historiador português a ter-se doutorado sem nunca ter concluído uma licenciatura. O amor ao Minho levou-o a dedicar-se à obra do arquiteto do barroco André Soares.

Foi por amor à terra a que chama o seu Minho que Eduardo Pires de Oliveira começou uma longa história de devoção ao estudo da arte e do património. E o caminho levou-o ao encontro de um personagem que acabou por se tornar o centro dessa procura. «Passei as últimas décadas a sonhar com um homem que morreu há 250 anos», lança Eduardo. Uma obsessão que o tornou num dos maiores especialistas da vida e obra de André Soares, o arquiteto bracarense do século XVIII, autor de alguns dos exemplares mais notáveis do barroco e do rococó em Portugal.

Ainda que cerca de metade do seu trabalho se concentre naquela cidade, «o André não é de Braga, o André é do Norte do país, vai desde Viana até Penafiel», asserta Eduardo. Fala com a familiaridade que se tem a um amigo de longa data, fruto dos mais de 40 anos a estudar o artista.

Por coincidência – ou talvez destino – Eduardo nasceu, em 1950, no Hospital S. Marcos, cuja obra também teve o contributo do arquiteto setecentista. Mas só mais tarde viria a descobrir o homem a que dedicou grande parte da vida. «Eu conheci o André aos 16 anos quando vi o Robert Smith, que tinha vindo a Braga dar uma conferência, a falar maravilhas sobre ele. Falava coisas espantosas e eu fiquei louco, foi um clique que me deu».

Eduardo Pires de Oliveira (Fotografia: Cristiana Milhão/GI)

Desse feliz encontro com o investigador norte-americano nasceu um novo interesse, a par da arqueologia, uma das suas primeiras paixões, que desde então foi conciliando com as suas pesquisas sobre Soares, em viagens, livros e conversas. «Foi só em 1988, quando conheci a Myriam Ribeiro de Oliveira, que é uma das maiores historiadoras de arte do Brasil, que me virei para a História da Arte. Ela puxou-me e eu aceitei. Comecei a trabalhar forte e feio, a ser chamado a congressos e até a dar aulas pontualmente», lembra Eduardo. O extenso currículo que foi construindo – à altura contava com mais de 140 publicações, bolsas de investigação e vários prémios da Academia Nacional de Belas Artes – valeu-lhe uma bolsa de Doutoramento, ainda que nunca tivesse concluído uma licenciatura. E é, até hoje, o único historiador de arte português a obter o grau nesses termos.

Começou o doutoramento em 2008, uma decisão motivada por um amor antigo, mas que nunca antes tinha feito parte dos seus planos. «Falavam-me disso, mas nunca liguei, eu queria era saber, conhecer, pesquisar, procurar. Isso é que dá gozo», confessa o historiador.

Quando defendeu, em 2012, foi personalidade do mês da Universidade do Porto e da Universidade do Minho, e é no prefácio da sua tese – um total de 2 mil páginas dedicadas a André Soares e o Rococó no Minho – que, admite, se pode entender quem é Eduardo Pires de Oliveira. «Está lá. Um homem que é ateu e estuda arte religiosa».

Eduardo Pires de Oliveira na Igreja dos Congregados (Fotografia: Cristiana Milhão/GI)

Conhece ao pormenor cada detalhe do trabalho de André Soares, mas não está ainda satisfeito. «Quanto mais a gente percebe mais vai gostando, é viciante», reconhece. Prestes a completar 70 anos, o historiador ainda não encontrou descanso, e entre publicações de livros, aulas e visitas guiadas, continua a sua procura incessante pelo conhecimento.

No próximo dia 3 de dezembro, Eduardo assinala os 250 anos da morte e 300 anos do nascimento de Soares com o lançamento do livro «18 Olhares sobre André Soares», na Igreja de São João de Souto, o lugar onde o artista foi batizado. A obra reúne 18 estudos de investigadores de diversas áreas, que olham a obra de André Soares sob diferentes perspetivas. «O André é tão versátil que permite isso», declara Eduardo. Para o historiador há sempre algo de novo a descobrir de cada vez que olha o trabalho do artista. «O importante é saber o olhar, temos de estar sempre preparados para ver. Quando a gente para e olha descobre coisas extraordinárias».

 

O ROTEIRO DE AFETOS

01 | Capela dos Monges e Igreja dos Congregados
«Ali está o André, o homem que sai fora. Ele não tem medo de ser barrigudo, projeta-se no espaço», anuncia Eduardo ao chegar perto da Igreja dos Congregados. Aponta para o volumoso frontão no topo da porta principal da Basílica, um dos vários trabalhos assinados pelo arquiteto, e um dos exemplares do tardo-barroco que marcou grande parte da sua obra. No interior, a Capela dos Monges, visitável apenas com autorização prévia, é um pequeno tesouro, e para Eduardo é também a «melhor obra do André Soares», e um dos segredos da cidade. A meio da pequena capela encontra-se uma a alta cúpula, que parece não ter fim e por onde entra a única luz natural. «É tal a capacidade que o André tem de num espaço pequeno fazer o Mundo que as pessoas ficam sem palavras», nota o historiador. Também o belo retábulo em talha dourada, um dos mais complexos do artista, é capaz de causar tal reação.

 

02 | Antigo Paço Episcopal e Casa da Câmara
O Antigo Paço Episcopal, agora Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Braga, é a primeira obra conhecida de André Soares, projetada entre 1744 e 1751, a pedido do arcebispo D. José de Bragança, irmão do rei D. João V. «O arcebispo queria marcar a diferença e quis que se fizesse o palácio em rococó, apesar da formação do André ser em barroco», explica Eduardo, apontando os ornatos da fachada. Mais tarde, Soares voltaria àquela praça para, do lado oposto, erguer a Casa da Câmara, construção que é ainda hoje sede do município. Ali o arquiteto volta à sua essência, com um desenho tardo-barroco, pejado de monumentalidade. «A arte do André é uma arte de subversão e é isso que me aproxima. A porta da Câmara assemelha-se a uma lareira, a que ele deu monumentalidade e transformou numa porta», explica o historiador.

 

03 | Palácio do Raio

Palácio do Raio (Fotografia: Cristiana Milhão/GI)

Um dos exemplares mais impressionantes do rococó na arquitetura civil, este edifício de fachada cheia de ornamentos e forrada a azulejos azuis, que um abastado comerciante da cidade terá encomendado a Soares. «Ele queria mostrar que era rico, queria fazer um palácio e para isso vai buscar o arquiteto do arcebispo e pede-lhe que faça algo muito mais sumptuoso do que fez para o arcebispo», explica Eduardo. Hoje o edifício conhecido como Palácio do Raio – em referência ao seu segundo proprietário, Miguel José Raio -, acolhe o Centro Interpretativo das Memórias da Misericórdia de Braga, que mostra o espólio da instituição. Há lugar para pinturas, esculturas, documentação e arte sacra, e até alguns objetos hospitalares, já que o edifício chegou a albergar alguns dos serviços do hospital de São Marcos.

 

04 | Taberna Velhos Tempos
«Comida rural para gente urbana». É este o lema da Taberna Velhos Tempos, um dos poisos de eleição de Eduardo no que toca a boa mesa. «É um espaço diferente, típico», define. De portas abertas há mais de 20 anos, não é só o ambiente rústico e acolhedor, sempre com a lareira a crepitar e antiguidades a preencher cada recanto, que atrai os comensais. À mesa chega comida de conforto, caseira e bem confecionada. É o caso do saboroso bacalhau com natas, ou do arroz de pato, alguns dos pratos mais populares. No inverno também chegam outras especialidades, como as papas de sarrabulho e o pernil à Bairrada. É ainda sensato guardar espaço para a sobremesa, seja o típico pudim abade de Priscos ou as natas do céu, bem gulosas.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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