Arquitetura em Matosinhos: cidade moderna e contemporânea

Casa de Chá da Boa Nova, do arquitecto Siza Vieira, em Leça da Palmeira. (Fotografia: Artur Machado/GI)
Arquiteto e professor aposentado da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto, José Salgado guia a EVASÕES pela história da cidade de Matosinhos através das suas mais significativas construções. Este roteiro ajuda perceber como é que uma localidade de pescadores e agricultores se tornou numa cidade de importância nacional - pelo seu porto e pela indústria conserveira - e numa referência internacional no mundo da arquitetura.

[Ler primeira parte aqui: Arquitetura em Matosinhos: da pesca à indústria conserveira]

MERCADO MUNICIPAL DE MATOSINHOS

O Mercado de Matosinhos ocupa parte do que eram “as habitações que foram arrasadas por causa da construção da doca”. O projeto arquitetónico remonta a 1939 e é da autoria do grupo ARS – Arquitetos: Fortunato Cabral, Morais Soares e Cunha Leão. Porque se meteu uma guerra mundial pelo meio, o projeto só foi terminado e 1952. Em 2013 foi classificado como Monumento de Interesse Público. Soube manter a sua função original, aliando a tradicional venda de peixe e de frescos a uma série de novos projetos: uma padaria artesanal, restaurantes e diferentes lojas. Esta obra de traços modernistas continua a ser um marco arquitetónico na cidade.

A NOVA CÂMARA

Antes de ocupar o espaço onde está atualmente, a câmara funcionava na Rua Brito Capelo. “Houve necessidade de ter um edifício maior para os serviços. Alcino Soutinho ganhou o concurso público e a câmara foi instalada, em 1986, nos terrenos do Palacete de Trevões”. No início, “foi pensado como um edifício de rua. Mas, depois, acharam tudo muito apertado e sem leitura”, conta José Salgado. Então, em frente, fez-se um grande largo que avançou sobre o Jardim Basílio Teles. “O edifício é bonito, singular, e deslocou a centralidade da terra. O centro, que era uma rua, passou a ser o Parque e a Câmara. Para ali foram os serviços, a biblioteca… é um núcleo mais desafogado, mais moderno”, considera o arquiteto.

Mercado Municipal de Matosinhos
Rua França Júnior
Tel.: 229376577
Web: facebook.com/MercadoMunicipaldeMatosinhos
Das 6h30 às 18h; sábado, das 6h às 16h30; segunda, das 7h às 14h. Encerra ao domingo.

Câmara Municipal de Matosinhos
Av. D. Afonso Henriques, 4454-510 Matosinhos
229390900 / 229392400

Biblioteca Municipal Florbela Espanca
Rua de Alfredo Cunha 139
Tel.: 229390950
Web: bmfe.cm-matosinhos.pt
Das 9h às 12h30 (mediante reserva antecipada de lugar)
Em regime de take away: das 9h às 12h30 e das 14h às 17h30 (empréstimo e devolução mediante marcação prévia)

ÁLVARO SIZA E A ARQUITETURA CONTEMPORÂNEA

Quatro casas de Siza Vieira. (Leonel de Castro/Global Imagens)

“Esse fenómeno internacional chamado Siza Vieira pôs Matosinhos no mapa, não tanto pela grandeza da obra, mas pela qualidade”, diz José Salgado, que já escreveu um livro sobre a obra do arquiteto na cidade – “Álvaro Siza em Matosinhos”.

Natural de Matosinhos, foi lá que construiu as suas primeiras obras e algumas das mais importantes. Por causa dele, “Matosinhos começou a ser conhecida, falada e procurada por muita gente ligada à arquitetura e às artes”, considera. A primeira obra de Siza – que foi Prémio Pritzker em 1992 -, são as 4 Casas de Matosinhos, perto da igreja do Bom Jesus de Matosinhos. Ainda como estudante na Escola Superior de Belas Artes, em 1954, e sob a influência do seu mestre Fernando Távora, desenhou estas casas, que na época deram alguma polémica. Seguiram-se outras obras que se tornaram emblemáticas. A Piscina da Quinta da Conceição (1958-1965), projetada aquando dos melhoramentos coordenados por Fernando Távora, é um desses exemplos, bem como a outra piscina, a das Marés (inaugurada em 1966 e atualmente encerrada para obras de requalificação). Esta, instalada na orla marítima de Leça, é de água salgada e foi classificada como Monumento Nacional em 2011. É também o único edifício português incluído no livro “Cem edifícios do século XX”. Em cima rochas está a Casa de Chá da Boa Nova, da mesma época da piscina. Lá, mesmo junto ao farol de Leça, funciona atualmente o restaurante duas Estrelas Michelin de Rui Paula. Através da Casa da Arquitetura é possível marcar visitas guiadas.

Piscina das Marés
Avenida da Liberdade, Leça da Palmeira
Tel: 229952610 / 935222143

Piscina da Quinta da Conceição
Das 10h00 às 19h00.
Preço: 6 euros (de segunda a sexta); 8 euros (sábados, domingos e feriados); menores de 13 anos, 3,5 euros (de segunda a sexta), 4 euros (sábados, sábados, domingos e feriados)
Visita turística não guiada (sem direito a utilização da piscina): 2 euros

Quatro Casas de Matosinhos
Avenida Afonso Henriques, Matosinhos

Casa de Chá da Boa Nova
Avenida da Liberdade, 1681, Leça da Palmeira
Web: casadechadaboanova.pt
Das 12h30 às 15h e das 19h30 às 23h. Encerra domingo e segunda.

CASA DA ARQUITETURA

Casa da Arquitectura
(Artur Machado/Global Imagens)

Antes de se mudar para a Real Vinícola, a Casa da Arquitetura ocupava a Casa Roberto Ivens, construção de meados do século XIX, que pertencia à família de Álvaro Siza. Foi mandada construir pelo “torna-viagem” José Camacho, bisavô materno de Siza. Este, remodelou-a a pedido dos pais, em 1961. Acabou por ser adquirida em 2007 pela Câmara Municipal de Matosinhos para aí ser instalado o Centro de Documentação Álvaro Siza. Foi assim reestruturada, sob a orientação do próprio arquiteto. Em 2009, inaugurou oficialmente como sede da Casa da Arquitectura.

Aí funcionou até 2017, ano em que se mudou, então, para o quarteirão da Real Vinícola. Este espaço onde a partir do início do século XX funcionou uma fábrica da sociedade Menéres & Companhia, foi recuperada com um projeto de Guilherme Machado Vaz.

A Casa da Arquitetura tem uma programação variada, sendo responsável pelo festival Open House, que se realiza anualmente desde 2015 e que promove visitas por vários espaços em Matosinhos, Porto e Vila Nova de Gaia. Este ano, não se realizou, devido à pandemia da Covid-19, mas já há datas para o próximo ano. Será no fim de semana de 3 e 4 de julho.

Programação da Casa da Arquitetura
Exposição “Souto de Moura – Memória, Projectos, Obras”
Até 7 de março de 2021
Visitas orientadas gratuitas ao quarteirão e à exposição.
Domingos, às 11h
Oficinas do Serviço Educativo para crianças entre os 6 e os 12 anos
Até 28 de agosto

Por marcação, a Casa da Arquitetura faz visitas guiadas à Chá da Boa Nova, à Piscina das Marés, Piscina e Quinta da Conceição, ao Terminal de Cruzeiros do Porto de Leixões, entre outros roteiros temáticos, por exemplo à obra de Álvaro Siza ou Eduardo Souto de Moura.

Casa da Arquitetura
Avenida Menéres 456, Matosinhos
Tel.: 227669300
Das 10h às 18h. Fins de semana e feriados, até às 19h. Encerra à segunda.
Web: casadaarquitectura.pt
Preço: exposição principal – 8 euros; galeria da Casa 4 euros. 50 por cento de desconto para estudantes e maiores de 65 anos; grátis – crianças até aos 12 anos e domingos entre as 10h e as 13h.

JOSÉ SALGADO

José Salgado. (Pedro Granadeiro/Global Imagens)

Nasceu em Santa Cruz do Bispo e foi morar para Matosinhos com seis anos. Tirou o curso de Filosofia na Faculdade de Letras do Porto e depois ingressou no serviço militar. “Vacilei entre fugir ou não fugir da tropa e acabei por ir”. Passou aos serviços auxiliares, o que garantiu que não fosse para a guerra em África. A revolução de 25 de Abril apanhou-o a meio do serviço. Depois, quando dava aulas numa escola secundária, decidiu tirar o curso de Arquitetura. “Na tropa, fui cair num pelotão com 20 e tal pessoas e 18 eram arquitetos. Aquelas conversas diárias em Mafra sobre arquitetura mexeram comigo”. Inscreveu-se e, no segundo ano, abriu um concurso para professor na área da teoria e história no curso de Arquitetura. Um colega convenceu-o a concorrer e entrou. “A partir do segundo ano, fui aluno e professor do mesmo curso, o que foi chato”. Integrou-me “na mobília da escola, que depois se autonomizou como faculdade, sempre na área da teoria”, até que se reformou em 2009. “Só fiz um projeto para uma casa que tenho em Trás-os-Montes. Deu-me muito gozo porque foi uma experiência única e confirmei que não sou completamente desprovido”. Nos anos 80, foi convidado nas jornadas “Transformar Matosinhos”, onde apresentou uma comunicação sobre a evolução urbana de Matosinhos. Foi o autor do primeiro livro sobre Siza Vieira, “Álvaro Siza em Matosinhos”, em 1990, livro reeditado 15 anos mais tarde pela editora Afrontamento. José Salgado admite que “não lhe desagrada” que lhe chamem arquiteto, porque é. “Mas sou mais professor do que arquiteto”, diz.




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