Passeios entre Borba e Vila Viçosa, onde o sossego é luxo

Passeios entre Borba e Vila Viçosa, onde o sossego é luxo
A Herdade Ribeira de Borba. (Foto: Reinaldo Rodrigues/GI)
A apenas uma hora e meia de Lisboa, a confusão citadina dá lugar à tranquilidade do Alto Alentejo, entre as vizinhas Borba e Vila Viçosa. Em terras de mármore, vinhos e poemas de Florbela Espanca, dorme-se rodeado de pomares e hortas biológicas e prova-se a tradição em mesas clássicas, onde não faltam migas, açordas e o porco-preto, reis e senhores do receituário alentejano.

Ao longo dos seus 23 hectares, entre pomares, olivais, amendoais e hortas biológicas, o silêncio absoluto e a calma do Alentejo rural só são quebrados pelos sons do correr da ribeira, que atravessa a quinta, e do canto de pássaros, grilos e rãs. Na HERDADE RIBEIRA DE BORBA, que nasceu há década e meia entre vales verdejantes em Ciladas, às portas de Vila Viçosa, não há espaço para publicidade enganosa. O amplo turismo rural tem no luxo que é a simplicidade do campo o seu trunfo, com versatilidade na oferta, renovada e alargada há três anos.

Hoje, há suites, estúdios, domos de glamping e casas inteiras onde ficar, com tipologias que albergam de duas até oito pessoas, tornando esta quinta num destino ideal para famílias e grupos de amigos. Alguns ocupam o lugar que pertencia antes a antigos moinhos e pocilgas, e muitos incluem cozinha equipada, sala, terraço e lareira a lenha, estando espalhados pela propriedade, gerida por Artur Marques, que virou atenções para a doçura do campo depois de um percurso na banca. À traça alentejana das habitações juntam-se detalhes de outras memórias e da vida rural, como chão e escadas em xisto, a tapeçaria tradicional de Portalegre, ou os ramos de tomilho e lavanda que dão cheiro às casas e embelezam as jarras.

A Herdade Ribeira de Borba fica situada às portas de Vila Viçosa. (Fotografias: Reinaldo Rodrigues/GI)

Nesta herdade, pode dormir-se em casas, suites e domos de glamping, sempre rodeadas de natureza.

Os dias vão-se vivendo com a calma necessária, entre passeios pedonais junto à ribeira, percursos cicláveis pela herdade, paragens para fotografar os burros e as éguas que fazem as delícias dos mais novos, mergulhos nas duas piscinas de água salgada – com uma terceira biológica a caminho este ano – e outras atividades organizadas pelo espaço, como piqueniques, provas de vinhos em adegas vizinhas, passeios a cavalo e de balão de ar quente. E se o pequeno-almoço pode chegar numa cesta à porta de casa, ao almoço e jantar as atenções viram-se para a zona de restaurante, liderado pelo chef João Couto, com passado em casas como Herdade do Esporão, L’and Vineyards e Enoteca Cartuxa. Sob reserva prévia, provam-se pratos típicos como açorda alentejana de bacalhau e ovo escalfado; carré de borrego; cozido de grão; ou o porco preto recheado com farinheira e acompanhado de migas de coentros e puré de batata-doce, gengibre e laranja.

Os sabores tradicionais do Alentejo ficam a cargo do chef João Couto, no restaurante da Herdade Ribeira de Borba.

O turismo rural foi renovado e ampliou a oferta há três anos.

 

Tradição à mesa e cerâmica na vila-princesa

Ganhou a alcunha de “princesa do Alentejo” por reunir legado e História num território pequeno. Da arquitetura manuelina, barroca e gótica do castelo de Vila Viçosa, envolto em arvoredo, à imponência do edifício Paço Ducal, antiga residência da Casa de Bragança, há muito para contemplar e visitar no centro histórico da vila, adornada com apontamentos elegantes do mármore, produto-ícone da região, corredores de laranjeiras a perder de vista.

Sem esquecer, claro, a ligação às artes e a poesia, ou não fosse esta a terra de Florbela Espanca, que aqui nasceu e viveu. É no largo principal, junto ao busto construído em homenagem a esta mestre das palavras, que se encontra o clássico RESTAURAÇÃO, que fideliza público – os da vila e os que chegam de fora – à mesa há qualquer coisa como sete décadas. Aqui, a poesia na cozinha faz-se pelas mãos de Manuel Palma, vila-viçosense autodidata que herdou o restaurante da família. Antes de liderar esta casa, passou por uma padaria e um talho, mas o tempo passado a ajudar a mãe na cozinha levou-o a “apanhar o gosto” e evoluir. “Foi um salto natural”, explica o cozinheiro de sotaque serrado, que num dia de grande movimento chega a servir uma centena de refeições.

O cabrito no forno é um dos pratos do restaurante Restauração.

O chef Manuel Palma lidera o restaurante familiar, situado no centro de Vila Viçosa.

O porco preto, claro está, tem destaque na carta, com as migas à alentejana com secretos na brasa; os medalhões com molho de espargos e os lombinhos com salada e redução de vinho tinto; mas não só. No interior ou na ampla esplanada com sol e sombra, junto aos pequenos canteiros onde se cultivam curgetes, espinafres e alfaces, provam-se também ovos rotos; o tenro cabrito no forno com batatinha; açordas; gaspachos; a rica sopa de tomate; bacalhau dourado; arrozes de marisco; saladas ou a fofa e típica sericaia, acompanhados de uma carta com uma centena de referências vínicas, com foco nas alentejanas.

A mesma dedicação pela região é partilhada por Cristina Claro, a ceramista que trocou Sintra por Vila Viçosa há mais de duas décadas, quando decidiu mudar de vida e formar-se na arte da cerâmica, fintando a monotonia com a criatividade. “Aqui é que eu sou feliz, é a minha praia. É a minha forma de me exprimir. Quanto mais se faz, mais se gosta e quer fazer mais”, conta, enquanto trabalha o barro, seja o vermelho, o branco ou o negro, que depois pinta.

A ceramista Cristina Claro constrói peças únicas no seu atelier em Vila Viçosa.

A natureza e o Alentejo são as principais inspirações da ceramista, na hora da criação.

No ATELIER CRISTINA CLARO, no centro vila-viçosense, há peças únicas e inspiradas na ruralidade, como azulejos com as paisagens do montado alentejano, vidrados coloridos, figuras alusivas ao cante alentejano e a Florbela Espanca, jarras, travessas, pratos, flores e cogumelos avulso e as recentes “cabeças sonhadoras”, obras que mostram cabeças com ondas do mar como cabelos e peixes a nadar à volta, frutos da pandemia. “Mais do que nunca, temos que sonhar”, conta a artesã, que trabalha com dois pequenos fornos no ateliê ao lado da loja. Além desta morada, a sua obra também se vende nas lojas do Museu do Azulejo, em Lisboa, e do Museu de Évora, por exemplo.

 

Dois clássicos em Borba

Doses bem generosas, produto local, receituário tradicional, esplanada no campo e preço acessível. Uma equação destas não deixa margem para dúvidas. Há quase duas décadas de porta aberta e casa cheia, o ESPALHA BRASAS é morada obrigatória para comer às portas de Borba. Na aldeia de Alcaraviça, a cozinha de forno e conforto ganha protagonismo, ora com assados como o coelho, o bacalhau, as bochechas e o chispe, mas também a galinha tostada, um dos pratos vencedores da casa, que chegam à mesa nas caçarolas de barro onde são confecionados.

A galinha tostada, um dos pratos vencedores do restaurante Espalha Brasas.

Dinis Cachapela e Paula Santos lideram este acolhedor restaurante, às portas de Borba, na aldeia de Alcaraviça.

As migas e carne frita, as tiras de entrecosto frito com esparregado e a sopa de tomate com ovo escalfado e enchidos locais são outros destaques da cozinha de Paula Santos, que gere o restaurante com o marido e fundador, Dinis Cachapela. Ao interior, rústico e em madeiras, junta-se a larga esplanada – que aumentou pós-pandemia, somando mais de centena e meia de lugares. Ao relento, come-se junto a hortas biológicas com favas, coentros e couves, zona lúdica infantil e uma castiça casinha de madeira, onde está pendurado um baloiço. “As pessoas adoram vir aqui comer no meio da natureza”, explica Dinis, que tem comensais de Lisboa e Setúbal a irem até ali de propósito para saciar o apetite. E como o que é bom nunca é demais, para breve está planeada a abertura de um novo restaurante focado no leitão assado e carnes alentejanas certificadas, situado no centro de Borba.

Ali mesmo, terá como vizinha a ADEGA DE BORBA, uma das primeiras a implantar-se no Alentejo, já lá vão 66 anos. E se na década de 1950 eram cerca de 40 os produtores locais que se juntaram para criar esta casa, hoje são 270, a maioria de Borba e arredores. A elevada altitude das vinhas, que chegam a estar a 480 metros do chão, faz a diferença no resultado final das mais de sete referências de todo o catálogo, que se estendem em dois mil hectares de vinhas. “A altitude traz um clima mais frio e húmido e isso torna os vinhos mais elegantes, dá-lhes alguma frescura, acidez e equilíbrio”, explica Delfim Costa, diretor-geral da adega, que chega a receber 2800 visitantes por ano.

A Adega de Borba foi criada há mais de seis décadas e alberga mais de 270 produtores vínicos locais.

Delfim Costa é o diretor-geral da adega, onde se fazem provas e visitas.

Nestas visitas, percorrem-se os diferentes espaços da casa, das zonas de engarrafamento às de fermentação em cubas e estágios em barricas de carvalho, passando pela destilaria onde se produzem aguardentes e bagaços e à sala de provas dos vinhos da casa. Os mesmos que se compram na loja, com centenas de referências de todas as gamas, para todos os gostos e carteiras. Desde 19 de abril que também já reabriu o restaurante da adega, com pratos da cozinha típica alentejana. O caminho para a frente continua a fazer-se na melhoria da pegada ecológica, tema no qual já foram dados passos importantes, como reciclagem de águas e uso de energia elétrica produzida pelos próprios. Para assegurar que há a natureza tem um amanhã. É dela, afinal, que se pintam as cores do Alentejo.

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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