Luiz Silva: “O maior erro ao fazer pão é a pressa”

Os pães de fermentação natural da Pão com Manteiga chegam esta semana a Lisboa. (Fotografia: Pão com Manteiga)
Luiz Silva levava uma carreira promissora na cozinha, até que o destino lhe pôs o pão no caminho. Volvidos três anos, dedica-se em exclusivo à padaria artesanal, e os pães naturais que confeciona encontram-se em restaurantes e mercearias por todo o Algarve.

Aos 14 anos, Luiz Silva deixou o Recife para vir estudar para Portugal, a convite dos padrinhos. Optou por seguir uma carreira na cozinha, e nos últimos 13 anos foi construindo um percurso risonho: foi chef de secção no estrelado São Gabriel, em Faro, onde trabalhou quase oito anos, e venceu vários concursos nacionais de culinária (Revolta do Bacalhau e Pastel de Feijão de Torres Vedras). Tudo parecia encaminhado, até que se deixou apaixonar pela padaria artesanal.

Começou a fazer pão nas horas vagas e a vender aos vizinhos, mas o gosto foi crescendo, e no final do ano passado, Luiz decidiu mudar de vida. Hoje, os pães naturais do Pão com Manteiga, a marca que criou com o apoio da namorada, Inês João, encontram-se em mais de 20 restaurantes e mercearias do Algarve, e todas as quartas-feiras, o padeiro envia encomendas para o resto do país. Entre fornadas, também encontra tempo para organizar workshops, onde partilha o seu amor pela fermentação natural, e acaba de lançar um guia prático para quem se está a iniciar no mundo do pão artesanal.

Luiz Silva (Fotografia: DR)

Sempre quis ser cozinheiro?
Na verdade, eu escolhi a cozinha por acaso. Quando vim do Brasil tinha muitas lacunas em termos de escolaridade e quando foi altura de escolher um curso, optei pela cozinha. Não por achar que fosse o mais fácil, mas por ser mais acessível. Acabei por perceber que até tinha jeito e apaixonei-me completamente por cozinha. Fiz um estágio em Lisboa, onde conheci o chef Leonel Pereira, e em 2013 ele chamou-me para ir trabalhar para o São Gabriel, em Faro. Em dois dias fiz as malas e vim para o Algarve. Estava a viver um sonho. Só que a vida dá muitas voltas.

Acabou por trocar a cozinha pela padaria. Como surgiu o gosto pelo pão?
Foi no início de 2017. Vi um colega meu no restaurante (São Gabriel) a fazer pão, o sub-chef júnior Leandro Araújo (agora chef do Cafézique, em Loulé), e aproximei-me da bancada. Ele mostrou-me uma maneira base de conseguir o pão, e depois em casa comecei a pesquisar, a ver vídeos, a testar. Desde aí parece que a cozinha começou a ficar cada vez mais em segundo plano.

Ainda se lembra do primeiro pão que fez? Correu bem?
O Leandro fazia muitas vezes pão ao lanche no restaurante, e eu depois de começar a perceber como é que aquilo funcionava, fiz o meu primeiro pão, também para o lanche do staff, porque queria perceber se tinha conseguido. Lembro-me de me darem os parabéns, porque estava muito bom. Ao contrário do que seria de esperar, o meu primeiro pão foi um sucesso. Já o segundo foi terrível. E os que se seguiram também. Depois lá comecei a afinar, saíam dois bons, um mau, depois três bons, até dominar a técnica. Comecei a anotar num caderno todas as receitas que saíam bem. Aquele caderno é o meu tesouro, tem quase 100 receitas, todas afinadas e testadas, ou seja, todas foram postas à prova no lanche do restaurante.

Quanto tempo levou a dominar a técnica?
Cerca de um ano e meio. Como o restaurante fechava três meses no inverno, eu aproveitava para fazer estágios. Logo no início fui bater à porta do Sr. Mota, que tem uma padaria na Quarteira, a Eurolatina, e disse-lhe: “Sr. Mota ensine-me a fazer pão, quero aprender a fazer pão”. E todas as receitas que aprendi com ele adaptei à fermentação natural. Fiz estágio com os meus padrinhos também, que têm uma rede de pastelarias em Torres Vedras. Mas a maior parte daquilo que sei foi graças ao trabalho que ninguém vê: cozi muito pão em casa, acordei muitas vezes de madrugada para ver se o fermento crescia. O meu quarto chegou a ter mais frascos de fermento do que meias.

Quando é que decidiu dedicar-se a 100% ao pão?
Foi-se intensificando. Eu já fazia pão em casa, nas minhas folgas. Não ia à praia no verão aqui no Algarve para fazer pão para os vizinhos. Vendia sempre cinco pães às segundas-feiras. Depois comecei a fazer 20 unidades, todas reservadas. Ou seja, tudo dizia que o caminho era aquele. Acredito que isto era destino. Eu tinha tudo para ter uma boa carreira na cozinha, mas chegou a um ponto em que só pensava naquilo (no pão). Cheguei à conclusão que o meu dia era feliz quando tinha um pão lindo, o dia ficava preenchido. E não estou nada arrependido, cada vez gosto mais disto.

Durante a quarentena lançou um Guia Prático de Fermentação Natural. Como surgiu a ideia?
Quando comecei no mundo da fermentação natural adquiri um livro, mas o livro não me dizia tudo o que precisava de saber. Dizia-me para pôr a massa no frio, mas não a que temperatura era preciso estar. E uma das ideias em que eu andava a pensar era fazer um guia com tudo o que alguém precisa de saber para se iniciar na padaria artesanal. Tudo o que eu aprendi naquele ano e meio de testes em casa. Assim que entrei em quarentena, disse à minha namorada: “esta noite não vou dormir, vou fazer o guia”. Estive para aí 12 horas agarrado ao computador a escrever. Ela depois entrou na parte do design, deu o toque dela, e lançámos. No guia tem tudo sobre a criação do fermento, a manutenção, as temperaturas todas, dicas, e no final tem ainda três receitas minhas e uma base que pode ser alterada conforme o gosto de cada um. Uma pessoa que leia o guia de início ao fim consegue fazer o fermento e consegue fazer o pão, e para além disso pode tirar qualquer dúvida comigo.

Também organiza workshops de padaria. Quais são os erros mais comuns quando se está a iniciar na fermentação natural?
É a pressa, a ansiedade. É o querer cortar o pão, coisa que eu fazia também antigamente. É cozer logo, tirar logo do forno, e não esperar. Quando eu digo que leva quatro horas a fermentar, mas deixam fermentar só duas horas e meia porque acham que vai correr bem. Não, o pão de fermentação natural se não for daquela maneira não resulta.

Que dicas essenciais dá aos seus alunos?
O conselho que dou é não se focarem em livros. Agarrar numa boa base, e fazer, fazer, fazer. De nada vale ter uma receita, quando um dos fatores mais importantes é oscilável, que é a temperatura. O maior trabalho de um padeiro é controlar tempo e temperaturas, e isso não tem receita.

Workshops
Os workshops presenciais que Luiz organiza, com duração média de três horas e meia, têm o custo de 60 euros, que inclui ainda um brunch, e a oferta de um cesto de fermentação e avental. As próximas datas serão divulgadas nas redes sociais e no site do Pão com Manteiga.




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