Cláudia Camacho, a perfumista que nos leva a descobrir o país pelo olfato

Cláudia no seu ateliê: o BOCAE, em Alcântara, Lisboa. (Fotografia de Diana Quintela/GI)
Depois de ter feito carreira nas artes visuais, Cláudia Camacho mudou de rumo: tornou-se na primeira mulher perfumista independente em Portugal, passando a responder também pelo nome The Fragrant Lady. Está a trabalhar na sua trilogia de perfumes dedicada a Sintra, e num projeto mais amplo: uma rota olfativa que vai dar a conhecer o território através dos aromas.

Trabalhou durante 17 anos em Gestão das Artes e Curadoria, até que abraçou a carreira de perfumista. Foi a primeira mulher em Portugal a lançar um perfume em nome próprio. Como é que isso aconteceu?

Independentemente de trabalhar na área das artes visuais, dando aulas, fazendo curadorias, sempre tive grande interesse pela perfumaria. Não foi um gosto que me aparecesse da noite para o dia. Pesquisei muito sobre perfumes, sempre fui apaixonada por perfumes, sempre os usei, sempre os recomendei. A minha mãe usava perfumes muito fortes, tenho essa memória dela, muito importante para criar a minha história. Lembro-me de cheiros muito característicos, porque a minha família é toda da ilha da Madeira: o bolo de mel, as bananas, as pitangas… O meu avô foi emigrante, e trazia de Curaçau um álcool especial para espalhar pelo corpo quando tinha dores…

Por que decidi fazer esta mudança? Comecei a perceber que não era feliz naquilo que fazia – excluindo as aulas, que adoro [dar]. Havia um cansaço muito acentuado, e também houve a perda da minha mãe. Tinha uma relação excelente com ela, e tudo tremeu. Percebi que a vida é pequena, o tempo deve ser muito bem aproveitado, devemos fazer aquilo de que gostamos – ou, pelo menos, trabalhar nesse sentido, fazer algo que nos entusiasme.

Era uma imagem da minha mãe andar sempre perfumada. A minha mãe usava sempre risco no olho, o perfume não podia faltar, e essa memória tem muito a ver com a memória que o olfato cria ao longo da nossa vida.

 

 

 

 

O seu outro nome como perfumista, The Fragrant Lady (A Senhora Perfumada), tem a ver com a sua mãe.

É verdade. A história acaba por ser caricata. Quando a minha mãe faleceu, tinha comprado uma casa recentemente, através de uma imobiliária. Quando já sabia que ia morrer, pediu-me que recorresse ao mesmo senhor dessa imobiliária para vender a casa, já que ele tinha sido tão simpático. E assim foi. Só um ano depois consegui pôr lá os pés. O senhor ficou triste com a notícia e disse à secretária: Sabes quem é? É filha da dona Fernanda. Imagina, a dona Fernanda morreu! E ela disse-me assim: Como é possível? Uma senhora sempre tão bem perfumada! Depois, ao pensar sobre o assunto, achei aquilo belíssimo, porque era uma imagem da minha mãe andar sempre perfumada. Ela usava sempre risco no olho, o perfume não podia faltar, e essa memória tem muito a ver com a memória que o olfato cria ao longo da nossa vida. Mais tarde, pensei: isto, em inglês, ainda fica melhor. The Fragrant Lady, realmente, era o que a minha mãe era. Acabei por assumir esse nome nas redes sociais, e estou a pensar assumi-lo como marca.

Noutro dia, acordei, vi o tempo todo enevoado, e tinha de ir para Lisboa. Só pensei: se pudesse cancelar, para fugir para Sintra! Estar na serra, aquela neblina… Aquilo é mágico!

 

 

 

 

No verão passado, lançou o primeiro perfume de uma trilogia dedicada a Sintra, Mystery (Mistério), uma edição limitada, feita só com matérias-primas naturais. Os nomes dos perfumes têm ligação a obras de Eça de Queirós, também muito associado a Sintra. Porquê Sintra?

É a minha área de residência. Vivi alguns anos lá fora, mas quando regresso a base é ali. Trabalhei em Sintra, também. E vou lá constantemente. Estou a 15 minutos. É um sítio onde encontro muita calma. Noutro dia, acordei, vi o tempo todo enevoado, e tinha de ir para Lisboa. Só pensei: se pudesse cancelar, para fugir para Sintra! Estar na serra, aquela neblina… Aquilo é mágico! Os sons, os cheiros… Há pessoas que não gostam de Sintra, dizem que tem uma carga muito pesada, porque é procurada também para fazer alguns rituais, mas acho-a um local encantador.

A Madeira tem – ou pode vir a ter – um papel importante nas suas criações, já que guarda dela memórias olfativas tão fortes?

A verdade é que não vou lá há cinco anos. Os meus pais vieram para o continente muito novos. Tenho memórias de cheiros que algumas vezes não conhecemos tanto: as pitangas, as anonas, o funcho, os licores… Há alguma ligação. Mas nunca pensei fazer ali nada, excluindo a Rota Olfativa, que vai percorrer Portugal continental e ilhas.

Já vamos falar dessa rota, mas, voltando à sua trilogia de perfumes, em que ponto está a nova edição do Mystery?

Saem 25 unidades por ano, e no ano passado esgotou. Neste ano, era para ter saído entre março e abril, mas o excesso de trabalho, vários pedidos para diferentes coisas, acabaram por fazer que não conseguisse. O Mystery é muito dedicado às humidades de Sintra. As humidades, na perfumaria, não são frescas. Não faz sentido lançá-lo no verão. É um perfume quente, para ser usado no outono/inverno, à noite… Então, passei o lançamento para setembro.

Também vem aí o segundo perfume da trilogia.

Sairá, provavelmente, em outubro. É o Relic (Relíquia). As matérias-primas existentes nos perfumes podem ser encontradas em Sintra. Em cada um deles, escolho [só] uma que as pessoas não encontram em Sintra, mas foi importante para a sua História. O Mystery, por exemplo, tem pimenta preta, que foi muito importante para a riqueza e a construção do património. O Relic é um perfume muito mais floral e ligado ao passado. Por exemplo, vou usar acácia, magnólia e papiro. Vai ter um tom mais floral, sendo que é unissexo – a trilogia é toda unissexo -, e está a ser muito bem trabalhado, para que um homem não o cheire e diga: isto são só flores.

As pessoas esquecem-se, muitas vezes, que sem olfato não temos paladar. Fala-se muito do paladar, mas experimentem lá ficar com covid ou tapar o nariz, e [a comida] não vos sabe a nada (risos).

 

 

 

 

Quais os seus próximos passos como perfumista?

Para o ano, lanço o terceiro perfume, Tragedy (Tragédia), que nos vai ligar mais à parte oceânica de Sintra. Temos ali o ponto mais ocidental da Europa, o Cabo da Roca. As praias também me dizem muito: a Praia Grande, a Praia das Maçãs, Azenhas do Mar… Depois, as vinhas de Colares, a vinha Ramisco… E vou juntar uma matéria-prima que vem de fora: a canela, muito presente nas queijadas de Sintra.

Fora este primeiro projeto, muito pessoal, estou a desenhar, com o Nuno Miguel Dias, a Rota Olfativa em Portugal. Foi um projeto apoiado pelo governo dos Açores – em novembro passado, fomos para a ilha Terceira. Consiste em criar um produto turístico, para ser lançado lá fora – porque, entretanto, isto foi falado com o Turismo de Portugal -, mas que tem um foco muito importante nas pessoas. O projeto está a ser apresentado município a município. Cria-se vários percursos dentro desta rota. As pessoas esquecem-se, muitas vezes, que sem olfato não temos paladar. Fala-se muito do paladar, mas experimentem lá ficar com covid ou tapar o nariz, e [a comida] não vos sabe a nada (risos).

Há capitais que já estão a trabalhar o olfato como produto turístico. Lisboa e Sintra estão atoladas em turistas, e algumas vezes fico com a ideia que o local – a pessoa – não ganha assim tanto. O que ganho com o imenso turismo em Lisboa? Transportes cheios, ruas sujas, já não consigo ir aos sítios onde gostava de ir… Nestes municípios (excluí, numa primeira abordagem, Lisboa e Porto), vai haver um banco de horas, as visitas que as pessoas fazem vão ser remuneradas, não quero voluntários a trabalhar para este projeto. Portanto, o local acaba por ter algum benefício por entrar na rota.

Vai haver pessoas, em cada município, a fazer roteiros desenhados por vós?

Vamos desenhá-los em conjunto. São os locais que nos sugerem percursos, e vamos traçar esses percursos para que, no site final, quem entre possa fazer esse percurso com esse local. É tudo trabalhado município a município, de forma muito particular. Queremos lançar a rota em setembro. Estamos a trabalhar mais Figueira da Foz para baixo; já iremos a Figueira da Foz para cima.

Cláudia Camacho prepara o lançamento de novo perfume inspirado em Sintra.
(Fotografia de Diana Quintela/Global Imagens)

Voltando atrás, como começou esse projeto, na Terceira?

O projeto da Terceira foi apresentado numa convocatória que se chamava “Mão em Mão”, promovida pela Azores 2027, que está a concorrer à Capital Europeia da Cultura, e a Cresaçor, uma entidade solidária. Já trabalhávamos muito esta parte, porque o Nuno [Miguel Dias] escreve sobre gastronomia para a Vogue e tem um saber muito antropológico a esse nível. Enviámos a proposta e recebemos a resposta de que tinha sido muito bem recebida e iria fazer parte dos projetos-piloto para a Capital Europeia da Cultura. Fomos nesse âmbito. E a ideia é continuar este projeto lá, por todas as ilhas.

Quantos municípios já embarcaram no projeto?

Há dez municípios muito, muito interessados. Estamos a contar com eles, sendo que deve haver mais uns cem contactados. Agora, é um trabalho de porta a porta.

Como se vai concretizar? O site que referiu vai ser uma espécie de base para conhecer o território através do olfato?

Exatamente. As pessoas podem fazer a procura através do mapa e do município, e através do aroma: a rota do limão, da cereja, da castanha, do coentro, da laranja… E, a partir daí, nascem todas as atividades: sai a rota gastronómica, os restaurantes integrados na rota; sai a rota literária, escritores que tenham escrito sobre esse aroma ou aromas da terra; sai a rota dos produtores, quem quer mostrar os seus produtos; e sai a rota social, que são as memórias olfativas das pessoas com mais idade desse município.

É muito interessante ver o que é que o vinho ganha com o tempo, assim como o perfume ganha com o tempo; quais são as notas que detetamos logo no vinho e também na perfumaria.

 

 

 

 

Também faz eventos olfatovínicos, nos quais explora as similitudes entre vinhos e perfumes.

Acho que o sucesso do evento vem do facto de serem linguagens tão semelhantes. Entretanto, já não o faço só no meu ateliê [o BOCAE, em Alcântara, Lisboa], tenho datas marcadas para fora. Vou fazer eventos corporativos, team building. Já se sabe que o vinho traz alegria, e neste evento dos vinhos e dos perfumes as pessoas mostram muito de si, porque, quando estamos a falar de aromas, lembram-se de imensas coisas.

Há paralelismos entre os vinhos e os perfumes, porque os perfumes constroem-se com base numa pirâmide: há as notas de base, as notas de coração e as notas de topo; e nos vinhos também temos três variantes aromáticas: a primeira vem da casta; a segunda das fermentações; e a terceira do estágio, muitas das vezes em barrica de carvalho, desse vinho. É muito interessante ver o que é que o vinho ganha com o tempo, assim como o perfume ganha com o tempo; quais são as notas que detetamos logo no vinho e também na perfumaria.


Reservas
A segunda edição do perfume Mystery só deverá chegar em setembro, mas Cláudia Camacho já aceita reservas. Preço: 170 euros (30 ml). A compra é feita através das redes sociais da perfumista.

Marcação de eventos
Mínimo, quatro pessoas.

 

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Mapa da ficha ténica
Morada
Rua dos Lusíadas, 5, Lisboa (Alcântara)
Custo
() Evento olfato-vínico "Perfumes e vinhos": 25 euros/pessoa


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245




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