Foi a solução criada para o aumento da mortalidade, com a epidemia de cólera em 1833, e nasceu em simultâneo com os Prazeres. Com 22 hectares, o Cemitério do Alto de São João é o maior de Lisboa e um dos mais extensos no país. Ao lado de corredores de jacarandás, olaias, acácias e ciprestes, alinham-se 6500 jazigos – a maioria em pedra lioz – de vários estilos, do neoclássico ao neomanuelino e modernismo. “É um museu a céu aberto. Este cemitério é um dos mais ricos em simbologia”, conta Gisela Monteiro, investigadora na Gestão Cemiterial da CM Lisboa. O núcleo histórico de jazigos, reunido nas zonas mais próximas da entrada, comprova isso mesmo.
A começar pelas flores esculpidas na pedra, como a saudade (“uma flor que esquecemos na segunda metade do século XX”) e a perpétua (cujo feitio se assemelha às saias do século XIX em tons de roxos, castanhos, cinzentos, associadas ao conceito de “luto aliviado”). Por vezes, aparecem em jazigos juntas, representando “saudade perpétua”. “Muitas pessoas não sabiam ler. Assim, a mensagem era transmitida sem palavras”, adianta Gisela. Também se avistam papoilas-dormideiras, representantes da morte, ou flor de maracujá, que simboliza a Paixão de Cristo.
No Alto de São João, as visitas guiadas e gratuitas que acontecem mensalmente – a agenda é publicada no site da autarquia a 25 do mês anterior, depois basta inscrição prévia em [email protected] – a atenção ao detalhe está carregada de curiosidades. Como é o caso das quatro mulheres que adornam o jazigo do Visconde de Valmor, patrono das artes, a representar a escultura, pintura, arquitetura e gravura. Ou até em torno da coleção de jazigos que replicam a estrutura de uma casa portuguesa, com algumas com telhado e alpendre.
Destaque ainda para o primeiro crematório do país – quase centenário, onde José Saramago e Álvaro Cunhal foram cremados. E por falar em figuras de relevo, importa mencionar a alameda nas traseiras da capela, que homenageia homens ligados ao 5 de outubro, como Cândido dos Reis e Miguel Bombarda. Já Almada Negreiros e Pardal Monteiro têm destaque reforçado na visita guiada e temática Lisboa Modernista, focada nos jazigos e personalidades dos anos 1930 e 1940 na capital.
Certo é que o turismo cemiterial “tem crescido”. “Temos um público muito interessado, que faz perguntas, que volta. Isso é muito entusiasmante. As pessoas interessam-se muito pela História, pela beleza arquitetónica”, explica Gisela Monteiro.
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