O cenário inclui borboletas, pássaros, árvores e trepadeiras que já acusam as cores outonais, mas não estamos propriamente num parque, antes no Cemitério Municipal de Monchique, em Guimarães. A ligação à natureza é uma das marcas deste equipamento nascido, em 2004, numa encosta do Monte da Penha, aproveitando a topografia. O desenho foi adaptado aos socalcos que existiam naquela antiga quinta, grandes pedras foram reutilizadas em muros, e a presença de nascentes fez da água elemento de destaque, ela que é símbolo de purificação. A arquitetura ficou a cargo de Maria Manuel Pinto de Oliveira e Pedro Mendo, a arquitetura paisagista ao cuidado de Daniel Monteiro. No ano seguinte, conquistou o 1.º Prémio Nacional de Arquitetura Paisagista, na categoria de Espaços Exteriores de Uso Público.
O cemitério, que se distribui por diferentes patamares, foi idealizado como espaço de paz, introspeção, contemplação, sem abdicar de uma sacralidade que lhe é própria, conta a arquiteta Maria Manuel Pinto de Oliveira. À chegada, o átrio pintado de vermelho escuro funciona como zona de passagem e de estar. Sentando-nos no banco corrido, conseguimos ver a linha do horizonte, como um quadro, através de uma ranhura na parede. A partir daí, deve-se seguir a pé, para cumprir o ritual processional de despedida ou em qualquer outra ocasião. Existem atalhos, mas vale a pena tomar o caminho mais longo, num lugar que, segundo o município, acaba por ser de passeio público.
“Achávamos que devia ser um cemitério aberto”, recorda a coautora do projeto, que é também professora universitária e autora da tese de doutoramento In memoriam, na cidade. Desde logo, por respeitar as vontades de cada um, ao admitir diversas tipologias de sepultamento, além das tradicionais, com liberdade até para personalizar a decoração e escolher onde ficar (quiçá numa zona verde). Foi desenhado para acolher desde jazigos de capela e subterrâneos até gavetões e ossários, deixando espaço ainda para um crematório, entretanto construído.
Também se pretendeu criar um cemitério não vinculado a uma religião específica, em que todas as pessoas pudessem ter lugar, independentemente da sua fé, lembra Maria Manuel. Daí haver um templo multiconfessional que, garante a autarquia, “está preparado para [receber] qualquer celebração religiosa”. Trata-se de um edifício minimalista que junta granito e lioz creme, duas pedras bem distintas, ou não fosse um espaço de encontro. No exterior, lê-se uma frase retirada do livro “Húmus”, de Raul Brandão: Cada homem vai até ao interior da terra e até ao âmago do céu.
Longitude : -8.2245