Opinião de Manuel Molinos: Do tempo em que as velharias não o eram

Opinião de Manuel Molinos: Do tempo em que as velharias não o eram
A feira de antiguidades do Castêlo da Maia não é apenas um mercado de trastes. É uma verdadeira timeline explicada com paciência pelos mais de 100 vendedores.

Num dos passeios matinais de bicicleta – a pandemia também me afastou das areias, dos pavilhões e dos amigos veteranos do voleibol – percebo que é o terceiro domingo do mês, dia em que todas as velharias do Grande Porto se concentram na Feira de Antiguidades do Castêlo da Maia.

Não sou colecionador, embora guarde religiosamente alguns objetos antigos, especialmente aqueles que relembram uma adolescência de uma década diferente e especial. Nós, os que crescemos nos anos 80, tivemos o privilégio de ter esse passaporte para a descoberta de um mundo ainda offline mas completamente conectado com a mudança.

É nessas peças que me concentro, embora alguns rádios antigos a válvulas e chapas de publicidade me desviem a atenção. Mas é uma banca apinhada de vinis que me toma o tempo, passado e futuro.

A surpresa, porém, não está nos discos nem na constatação que o consumo de música por dispositivos físicos continua a sobreviver na era do streaming. Está no modelo de negócio que o vendedor diz manter. “Não compro nem vendo nada na Internet”, afirma, assegurando que alguns dos 33 rotações nunca pousaram num prato de gira-discos. Já não pensava que neste presente houvesse lugar para uma espécie de OLX offline. Mas há.

A Feira de Antiguidades e Velharias do Castêlo da Maia não é apenas um mercado de trastes. É uma verdadeira timeline explicada com paciência pelos mais de 100 vendedores que marcam presença na Praça Evaristo Silva Duarte no terceiro ou quinto domingo de cada mês.

Paulo Machado, da Pro-Castelo – Associação de Defesa do Património da Vila do Castêlo da Maia, encontra ainda na feira uma vertente social e ambientalista. “Dá muito jeito aos reformados. Conseguem amealhar mais algum, enquanto encontram também aqui um espaço de convívio e socialização”. Por outro lado, cumpre um papel de serviço de apoio à reutilização. “Não somos nenhum patinho feio das feiras”, desabafa.

Às vezes não conseguimos perceber a razão pela qual este encontro com o passado nos faz subtilmente sorrir por dentro. E que no meio da vida frenética que levamos há coisas que nos reportam a um tempo em que tudo de facto era mais simples, mais pueril, mas ingénuo e, por tudo isso, bem mais saboroso. E esse sabor ainda o sinto. É como o cheiro ao Natal, que apesar das todas tecnologias ainda se mantém quando os primeiros doces carregados de canela começam a ficar prontos.

Na feira do Castêlo há memórias e cheiros. Do tempo em que aquelas velharias não o eram, do tempo em que um disco tinha o propósito de ser ouvido até à exaustão e a capa apreciada até os olhos se gastarem.




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