Crónica: Se Maomé não vai à montanha…

Crónica: Se Maomé não vai à montanha...
(Pixabay)
O coronavírus baralhou-me as cartas e adiou – até sabe quando – uma viagem a Nápoles. O regresso de boas séries italianas e a recriação caseira de Margheritas têm ajudado a “vingar-me”, trazendo um pouco de Itália até casa.

Nove dias, quatro cidades, três melhores amigos, 770 quilómetros sob caminhos de ferro e dezenas de outros percorridos a pé. A viagem que me fez descobrir Itália de comboio remonta ao pico do verão de 2012, mas os números ainda estão bem gravados na memória. É sempre assim nas aventuras que nos marcam especialmente. Este mês, e depois de oito anos sem lá voltar – não faltou vontade, certamente, mas houve mais mundo para conhecer nos entretantos – tinha regresso marcado à bella vita.

Depois de me ter encantado com o romantismo, a imponência, a elegância e o lado mais bonito e cosmopolita de Itália, nas cidades de Roma, Florença, Milão e Veneza, decidi orientar a bússola mais a sul e escolher Nápoles para o meu destino de férias de março, precisamente para ter contacto com uma Itália diferente, tida como mais crua e menos “arranjadinha”.

Por estes dias, já teria ido e voltado desta viagem, certamente com uns quilos extra das inevitáveis pizas napolitanas que por ali iria devorar – já tinha, inclusivé, pedido recomendações de pizarias obrigatórias na cidade a alguns chefs e pizzaiolos italianos, a trabalhar e viver em Lisboa. O novo coronavírus veio, obviamente, trocar-me as voltas. A mim e a todos os que planeavam dar um salto até à chamada “bota da Europa” – onde o surto do Covid-19 ganhou maior expressão no Velho Continente – para mudar de ares durante uns dias.

Há dias, depois de meia dúzia de dores de cabeça a cancelar voos e alojamento, e reaver reembolsos, e enquanto me contentava com a ideia de que o Monte Vesúvio, Pompeia e a Costa Amalfitana teriam que ficar para outras núpcias – breves, de preferência, dei por mim a consultar as últimas novidades que tinham chegado ao mundo das séries. Coincidentemente, ou nem tanto, duas das produções que aguardava tinham acabado de estrear. Curiosamente, ou nem tanto, ambas séries com coprodução e filmagem em Itália.

Trata-se de “The New Pope”, drama de Paolo Sorrentino e sequela de “The Young Pope”, no qual se ouve um Papa muito pouco convencional (John Malkovich) dizer coisas como “Nunca é cedo demais para um gin tónico”; e de “A Amiga Genial”, série dramática inspirada na conhecida e homónima obra de Elena Ferrante, sobre a amizade de duas adolescentes que se conhecem na década de 1950. A primeira leva-nos para os corredores e bastidores do Vaticano, e para as praças romanas. A segunda, transporta-nos para um bairro no centro de Nápoles, precisamente.
Em época de contenção social, esta não só tem sido uma forma de ocupação do tempo livre, como tem sido a janela perfeita para trazer um pouco de Itália até minha casa, sem que o tenha programado. Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai até Maomé. Haja criatividade e imaginação, em tempos de surto ou não.

Num dos últimos episódios que vi, acompanhei com uma piza caseira, aproveitando a base de massa que um dos últimos restaurantes italianos a que fui em trabalho, o Ribalta, teve a amabilidade de me oferecer no final. Para não me espetar ao comprido, optei por tentar recriar a simples e clássica Margherita, um dos ícones napolitanos. Com as devidas adaptações, claro está. O manjericão, por exemplo, teve que dar lugar ao espinafre. Afinal, é uma sorte encontrar o que se quer no supermercado, nos dias que correm.




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