Crónica de Luísa Marinho: A árvore e eu

Não dispenso decorar a árvore por esta altura do ano, gosto que me vem da infância, um esforço coletivo para tornar mais luminosas e alegres as escuras tardes de dezembro.

Durante os primeiros séculos de cristianismo, festejar o nascimento de Jesus não era significativo. Só no século IV começou a tradição, escolhendo-se o fim de dezembro para combater as tradições pagãs que há muito celebravam o solstício de inverno. Associar uma árvore decorada à época festiva ainda foi tradição que veio mais tarde. Já no norte da Europa, séculos antes do cristianismo se difundir, os pinheiros eram adorados e em dezembro levados para dentro das casas e decorados. Eram símbolos protetores que anunciava o início dos dias mais longos e elementos sempre verdes num inverno que era inevitavelmente branco e estéril. O cristianismo ainda tentou acabar com a adoração da árvore, sem sucesso, tendo acabado por se render à tradição pagã e acabar por incorporá-la nos seus festejos, já no século XVI.

Mesmo não sendo eu religiosa – nem cristã, nem pagã – não dispenso decorar a árvore por esta altura do ano, gosto que vem da infância, quando no canto da sala de estar, ao lado de sofá vermelho escuro, se montava a dita, carregando-a de bolas, fitas e luzinhas de muitas cores, um esforço coletivo de mãe e filhas. Lembro-me de achar a árvore muito verde e grande, e nem o plástico com que era feita lhe tirava o encanto. Sob as luzes, brincava com as minhas irmãs nas longas e escuras tardes das férias natalícias.

Já na adolescência, gostava de me esticar no sofá a ler ou a rodar, na aparelhagem de som que ocupava uma mesinha mesmo ao lado da árvore, os primeiros CD que apareceram lá por casa e os bons velhos vinis. Foi por essa altura que comecei a explorar a coleção de CD que o meu pai ia fazendo crescer, onde não faltava o disco de duetos de Ella Fitzgerald & Louis Armstrong, as canções de Billie Holiday, um disco de músicas de Natal de Dean Martin ou o best of do Nat King Cole. Desde essa altura que muitas daquelas músicas me acompanham e é nesta época que retorno a elas, pelo conforto que trazem e pelas memórias de um tempo em que essas me faziam sonhar com viagens – viver um “Foggy Day” londrino ou passar um “Autumn in New York”.

Hoje, já depois de muitas viagens concretizadas, continuo a pensar nelas, em regressar a sítios que não quero que sejam apenas fotografias instantâneas de umas quaisquer férias. Este ano, a minha árvore, agora árvore a sério, já brilha junto à janela. E quando no vidro bate forte a chuva ou o granizo, neste inverno forçosamente doméstico, uma canção antiga me vem à memória: “The weather outside is frightful / But the fire is so delightful / And since we’ve no place to go / Let it snow, let it snow, let it snow!”. Daqui a uns meses, quando os dias atingirem o seu esplendor de luz, voltaremos a ter onde ir, a viajar sem medo, com uma alegria renovada de descoberta e aventura. l




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