Crónica de Dora Mota: Verdade territorial

O Miradouro do Fafião. (Fotografia de Rui Manuel Fonseca/GI).
O crescimento da comunicação profissional dos territórios é um fenómeno a ser encarado com a devida precaução. Pode ser bom, se for honesto - e eu desejo que vá por aí.

A comunicação territorial cresceu como área profissional e ganhou um nome da moda – “branding”. Lidar com uma profissionalização das fontes mais veloz do que a sua reação tem sido um desafio do jornalismo. Fontes e jornalistas são como o ovo e a galinha, mas ao passo que o propósito das primeiras é diverso e variável; a missão do jornalismo é (ou deve ser) sempre a mesma: produzir e atualizar constantemente a verdade possível e compreensível sobre os acontecimentos e seus contextos – a “verdade prática” de que falam Bill Kovash e Tom Rosenstiel em “Os Elementos do Jornalismo” (Porto Editora, 2005), um livro indispensável.

O “branding” territorial não é novo, e o amador já cá estava muito antes do profissional. Há anos que contamos com bloggers, instagramers e outras personagens das redes sociais a falarem dos lugares. Alguns são respeitáveis e credíveis, outros são razoáveis, muitos são péssimos – mas são esses influenciadores que têm, passo o pleonasmo, influenciado a forma como os territórios se comunicam. Os jornalistas vão deixando de ser os preferidos.

Arrisco algumas hipóteses que explicam porque é que, cada vez mais, os territórios se apresentam através de “press trips” em modo turbo, adequadas à fotografia para o Instagram e não à reportagem – os jornalistas são chatos, precisam de tempo para ver, ouvir e fazer perguntas. Por outro lado, essa tal “verdade prática” interessa realmente ao “branding”? Ou interessa aparecer em muitos feeds , em fotos ultra-saturadas, onde uma cidade de granito se torna um paraíso extraterrestre em tons de púrpura e laranja?

Estou a ler um livro magnético de Fernando Pessoa chamado “O caso mental português” (Assírio & Alvim, 2020), no qual ele descreve o provincianismo como traço forte do caráter nacional, sendo uma das suas dimensões um excesso de imaginação que revela, na verdade, um défice de imaginação. Esta noção é muito mais abrangente, mas também se aplica bem a esta mania de saturar as fotos.

Não é tudo mau na comunicação territorial, seria bem injusto da minha parte afirmá-lo. Há bons profissionais, honrados no seu trabalho; há territórios verdadeiros na partilha de si mesmos. Há o direito a comunicar de forma profissional, e respeito-o. Mas a progressão tem sido no sentido de criar uma imagem artificial e um slogan genérico que responde ao imperativo da marca. Uma marca fundamentada demora tempo a consolidar; uma marca no papel cria-se num instante.

Escrevo nisto no final de uma edição feita de onze lugares que conhecemos presencialmente, e onde experimentamos tudo e com todos conversamos. Isto é fruto do nosso tempo e da nossa presença em cada lugar. Não há lugares feios, há lugares a descobrir. A verdade é boa, aposte no jornalismo para o levar nessa viagem.




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