Crónica de Ana Costa: no caminho

Caminho Português da Costa (Fotografia: Reinaldo Rodrigues/GI)
“Junto à costa é mais bonito”, alertou o homem que connosco se cruzou em Santa Tecla e nos deu duas vieiras. Mas concordámos que foi uma boa decisão irmos por ali.

O vento frio da foz do rio Minho, às 8h30 da manhã – hora espanhola -, gelou-nos o rosto mas nunca o ânimo, naquela primeira ladeira ao quilómetro 165 do Caminho Português da Costa. Tínhamos decidido fazê-lo por etapas, aos fins de semana, desde A Guarda até Santiago de Compostela. Aliciava-nos o desafio, a paisagem que conhecíamos de uma fugaz passagem de carro, a promessa de tempo para mais nada a não ser caminhar, e toda a liberdade mental que daí provém. Íamos com o compromisso de o fazer com calma, sem pressas, e com as paragens que nos apetecesse.

Enveredamos, no encalço das setas amarelas, pelo sopé do monte de Santa Tecla, para pouco depois do início da viagem sermos surpreendidos por um homem que vinha em sentido oposto. Ofereceu-nos duas vieiras, e desejou-nos um bom caminho. “Junto à costa é mais bonito”, alertou. Mas concordámos que foi uma boa decisão irmos por ali. Caso contrário, não teríamos as vieiras penduradas nas mochilas, e parecia-nos um bom presságio para a jornada que nos esperava.

Depois de um primeiro carimbo, no posto da guarda, ao atravessarmos a vila, o oceano abriu-se à esquerda, e não deixou o nosso lado até ao final do dia. Fomos embalados pela rebentação das ondas nos rochedos e o chilrear dos pássaros que esvoaçam pela costa. E a brisa que nos gelava a ponta do nariz suavizou-nos o esforço, nos ziguezagues por onde nos levaram as indicações do caminho. “Se fôssemos pela estrada era mais a direito”, pensámos. Mas é o mar que queremos por companhia e é em direção a ele que nos movemos. Parámos para um lanchinho e um café, a meio de uma subida dolorosa. O João sabe da minha aversão a aclives, por isso tenho sempre uma mão estendida à minha frente, para ajudar.

Chegamos a Oia à hora de almoço. O cheiro a comida, que saía dos restaurantes junto ao imponente mosteiro de Santa Maria de Oia, lembrou-nos a fome. Tínhamos merenda, mas faltava-nos o pão, que compramos ali. De baguete debaixo do braço, acabamos, mais à frente, num campo sobranceiro ao mar, sentados na erva, à sombra de um pinheiro, descalços e consolados. Seguimos. O destino do dia é Baiona, e ainda faltam 19 quilómetros. Um objetivo ambicioso para um par de iniciantes sem preparação física. Anima-nos o cenário: um mar cintilante, sob a luz da tarde, e uma linha costeira recortada em penhascos rudes e pequenas baías de água cristalina que convida a molhar os pés. Os quilómetros começam a pesar, as dores e o cansaço persistem. De tal modo que o farol do Cabo Silleiro, à entrada da ria de Vigo, e a silhueta das Ilhas Cíes, surgem no horizonte como miragens, símbolos da última etapa do dia.

A vila medieval recebeu-nos em festa. No albergue fomos informados que era o dia da Arribada a celebração da chegada da caravela “La Pinta” com a notícia da descoberta da América. Saímos à rua, no meio da multidão, para jantar. Íamos com desejos de vieiras (pareceu-nos apropriado) e um doce, mas as pernas cedo pediram descanso.

Na manhã seguinte, deixamos Baiona sob um céu cinzento e chuvoso, que nos acompanhou todo o dia. Estávamos de energias repostas e tínhamos menos quilómetros pela frente, mas não sabíamos o quão exigentes seriam. Alcançamos Vigo a meio da tarde, exaustos e absortos no pensamento de um banho quente e uma cama confortável. Se não tocámos os nossos limites, estivemos muito perto. Por agora chega. Para a semana há mais caminho pela frente.




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