Roberta Sudbrack: O futuro passa por nos reconectarmos com a comida

Chef Roberta Sudbrack. (Fotografia de Pedro Granadeiro/Global Imagens)
A chef brasileira natural de Porto Alegre foi eleita em 2015 como a melhor chef da América Latina. Autodidata, gosta de trabalhar ingredientes esquecidos e produtos artesanais. Teve uma estrela Michelin no seu restaurante RS, no Rio de Janeiro, mas decidiu fechá-lo. Agora, tem vários projetos, dos quais se destaca o SUD Pássaro Verde, também no Rio. Passou pelo Porto para participar no Melting - Congresso Internacional de Gastronomia.

Quando Fernando Henrique Cardoso foi presidente, a Roberta foi a chef oficial no Palácio da Alvorada. Quais os desafios de um cargo a este nível?

O desafio era mostrar para o visitante um Brasil dentro do prato num curto espaço de tempo. Ali, iniciei o trabalho que tenho hoje com os vegetais mais banais da nossa cultura gastronómica, pelos quais ninguém se interessa.

Que tipo de vegetais?

Os que se usam em casa e não se veem nos restaurantes, por exemplo quiabo, maxixe, chuchu. A minha grande paixão é trazer esses ingredientes para uma linguagem de alta gastronomia e provar que se podem mostrar de uma maneira diferente. Os anos no Palácio foram muito interessantes como laboratório, precisamente para fazer essa cozinha em que eu acredito, trabalhando a brasilidade.

Em que consiste essa brasilidade?

Gosto do desafio de trazer o ingrediente simples para uma nova expressão, mas não o transformando em algo que ele não pediu para ser, numa espuma, num pó, nada disso. É mais fazendo com que a dignidade de cada ingrediente se expresse de uma maneira que chame a atenção. Gosto da simplicidade. A cozinha tecnológica nunca me disse nada, sempre fui uma crítica dela. Respeito quem segue essa linha. Mas para eu ir a um restaurante ou fazer a minha cozinha, nada disso faz parte.

De onde veio o seu gosto pela cozinha?

Eu fui criada pelos meus avós que são de Minas Gerais, que para mim é o berço da identidade da nossa cozinha. É uma cozinha de fogo, de panela de ferro, de muitos cozimentos, de muitos assados. Apesar de ser muito trabalhosa, é essencialmente simples. Mas aprendi a cozinhar já mais velha. A minha avó até dizia: “Não sei de onde essa menina tirou tudo isso, porque não sabia fritar nem um ovo”. Mas a influência dela no meu caminho para ser cozinheira foi muito grande. Ela era uma grande cozinheira.

Em 2017, esteve envolvida numa polémica durante o festival Rock in Rio, no Rio de Janeiro. Fechou o seu stand depois de vários quilos de comida serem apreendidos.

Havia uma lei arcaica sobre produtos de origem animal. Se fossem produzidos numa cidade, não podiam ser consumidos noutra, mesmo passando por todas as obrigações sanitárias. Era uma lei de 1950, de quando havia problemas de refrigeração, de transporte. A cozinha moderna brasileira fez uma coisa importantíssima que foi se aproximar do pequeno produtor. Para fazermos essa cozinha, utilizamos ingredientes de altíssima qualidade na sua maioria artesanais. Um belo dia nesse evento, houve uma interpretação da lei de que aquilo não podia ser vendido e uma tonelada de comida foi jogada no lixo. Revoltei-me e comecei um movimento para mudar a lei. Os cozinheiros todos se uniram e conseguimos mudar a lei.

Qual é a sua relação com o pequeno produtor?

Tão fundamental quanto estar na cozinha, é sair e conhecer esses produtores, saber como pensam, ter uma relação próxima com eles. Fazer com que tenham voz.

Que conselho daria a alguém que quer seguir a sua profissão?

Prestar atenção ao que realmente se quer. Se realmente quiser ser cozinheiro que seja para ser cozinheiro e não pop star. Ser cozinheiro é doar, servir, ter humildade para saber que vai trabalhar muitas horas, vai servir quente e comer frio. A glamourização fica na TV e nas revistas.

Qual acha que é o futuro da cozinha brasileira?

Não se pode fazer uma cozinha brasileira ou portuguesa que não tenha uma relação com o passado. É preciso ter coragem para dar passos atrás, para nos reencontrarmos com os cozimentos, com o afeto, com o cuidado. Acho que o futuro passa por nos reconectarmos com a comida.

 

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