Não foi um amor à primeira vista, mas, aos poucos, a ideia de passar mais tempo na capital, onde não estará tão sujeito à sazonalidade e onde poderá dar a conhecer o seu trabalho a um número maior de pessoas, pesou na decisão de Rui Silvestre. Tudo isso, claro, e também o facto de a sua namorada estar em Lisboa.
Em poucos anos, mesmo antes de chegar aos 30, Silvestre, que muitos julgam algarvio mas que é natural do Norte, destacou-se na cena nacional gastronómica ao ser o mais jovem chef português à frente de um restaurante estrelado. Estávamos em 2015.
O capítulo Bon Bon, que mantém a estrela Michelin e prossegue aos comandos de Louis Anjos, está encerrado para Silvestre, que aposta para já numa fórmula, a meio caminho entre o Cais do Sodré e o Chiado, mais ao seu gosto: «Queria ter um restaurante onde eu gostasse de ser cliente, com bar, música. Não faz sentido estar numa zona da cidade com muita gente jovem e propor uma cozinha proibitiva. Prefiro não ter caviar e ter, por exemplo, uma pescada muito boa.»
A ideia de democratizar o acesso à dita alta gastronomia, onde por norma o produto, o espaço, a equipa e o saber-fazer pesam no bolso, andava a martelar há muito na cabeça do chef, que não hesita em apontar o preço demasiado alto – e também o serviço de sala com falhas – como um dos fatores que mais o desgostam, enquanto cliente, nos restaurantes que conhece em Lisboa.
«Nas minhas viagens o que mais me marca é a comida. Estamos muito empenhados em reinterpretar vários pratos clássicos do mundo»
No Quorum, que nestes primeiros três meses está apenas a servir jantares, embora queira desde já ganhar espaço igualmente como bar (fica no mezanino, com toda a parte de coquetelaria entregue à empresa Às de Copos, carta de cervejas, dois ou três vinhos a copo e opção de finger food), haverá no final da refeição um tablet a circular para possamos avaliar toda a experiência – o nome Quorum não foi da boca para fora e Silvestre faz mesmo questão em ter sempre presente o que resulta e não resulta na opinião de quem paga a conta.
Com capacidade para 34 pessoas, que num primeiro impacto só vão ter olhos para as paredes revestidas com plantas e espelhos, o Quorum assenta num menu com opções à carta (com vários pratos abaixo dos 20 euros) e em dois menus de degustação: quatro e seis momentos (46/58 euros), que podem ser harmonizados com vinhos, cervejas e cocktails e nos fazem viajar pelos lugares e pelas referências que norteiam a sua cozinha.
«Pela primeira vez tenho bacalhau na ementa.»
«Nas minhas viagens o que mais me marca é a comida. Estamos muito empenhados em reinterpretar vários pratos clássicos do mundo, como o pho vietnamita [com tirinhas de choco, algas e novilho] ou do ceviche [marcado pelas flores e pela tapioca]», explica. «E pela primeira vez tenho bacalhau na ementa [por sinal delicioso, servido num caldo que leva gema de ovo, brócolos e pão].»
Adepto da técnica francesa, que marcou a sua formação como cozinheiro, Silvestre continua a dizer-se aberto a trabalhar com produtos de diferentes proveniências, e não só portugueses, e a provar que mesmo uma cozinha mais acessível pode e deve ser fresca, equilibrada e instigante – ele que no Bon Bon doseava muito bem os vários picos da refeição, volta a surpreender-nos aqui com a elegância e sabor de pratos como a presa de porco preto servida com amêijoas, legumes avinagrados e batatas soufflé com presunto.
Fundamental para o sucesso da nova empreitada é ainda a presença de Sérgio Antunes, um dos nossos melhores escanções, que escolheu para já só vinhos portugueses, e da chefe-pasteleira Joana Gonçalves, jovem talentosa que se mostra atenta à necessidade de suprimir os açucares refinados das sobremesas.
Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.
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