Há sangue novo na Fortaleza do Guincho

O clássico Fortaleza do Guincho renovou-se, com um jovem chef ao comando. Quatro meses após assumir a liderança da cozinha, Gil Fernandes apresentou a sua primeira carta, onde há lampreia, moreia e outros arrojos. Manter a estrela Michelin é só metade da ambição.

A responsabilidade é grande. Gil Fernandes, 28 anos, assumiu o comando da cozinha da Fortaleza do Guincho a poucos dias da gala do Guia Michelin. A estrela manteve-se, pelo que ele será, porventura, o chef mais novo a segurar a insígnia em Portugal. Volvidos quatro meses, assente a poeira, chegou a altura de desvelar a primeira carta de sua autoria.

Para que não pareça coisa fácil, ou que Gil tenha aterrado de paraquedas, importa desfiar o currículo – Vila Joya, Ocean e o tri-estrela holandês De Librije estão no roteiro, assim como a cozinha de Luís Baena, ainda nos tempos do Terraço do Tivoli. No cimo de tudo isso, três anos como braço direito de Miguel Rocha Vieira – ou seja, dois dias por semana, nas folgas de Rocha Vieira, já estava ele ao leme, «além das noites de gravação do Masterchef», acrescenta. Portanto, sublinhando, não é do nada que se chega ao comando de um navio estável, venerável, que navega há já 18 anos com a estrela Michelin.

Ainda a bordo da metáfora, o mar é presença forte na carta inaugural de Gil Fernandes. Seria até contraintuitivo se, com tanto Atlântico à vista, não o fosse. O momento, no entanto, é de arrojo, uma aposta assumida pela própria diretora do hotel, Petra Sauer, que sublinha o talento e a frescura da abordagem do novo chef, bem como a importância de evoluir. Nesse sentido, o da evolução, dando seguimento ao caminho de «aportuguesamento» trilhado por Miguel Rocha Vieira, e por Vincent Farges antes dele, há certos suspeitos do costume que perdem preponderância – produtos como a vieira, a trufa ou o foie gras são arredados, deixando espaço para a pele de frango de churrasco, a moreia ou a lampreia.

As memórias são assunto forte no menu de degustação. O snack de pele de frango com batata soufflé, coração de alface grelhado e aroma de churrasqueira. O sorbet de azedas que faz de limpa-palato, antes do robalo de anzol com couves (braseada, frita e em puré) e caldo de cozido à portuguesa – momento que traz um «suplemento» no final, uma taça de sopa de cozido, sequência habitual quando se come o rei dos pratos portugueses de tacho. E há uma versão da moreia frita no pão, que Gil Fernandes sempre comeu em Ribamar (Lourinhã), de onde é oriundo: moreia curada, pele frita, funcho-do-mar, maionese de lima-caviar.

O arrojo maior, contudo, ainda está por vir. No fundo do prato escuro, de textura malhada, a pele da lampreia quase passa disfarçada. Por debaixo, a carne do peixe desfiada, presunto, cebola e tosta de broa, rodeada de uma redução de sangue e espinhas. Prato de difícil apelo que, para alguma surpresa do chef – e da diretora – tem tido boa aceitação, mesmo junto de clientes estrangeiros. Se os clientes não se impuserem limites, a alta cozinha também não os tem. Esta, que Gil Fernandes acabou de assumir, aponta para cima: manter a estrela, trabalhar para a segunda, sem esconder a ambição. Sem ambição não se cozinha assim.

 

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Mapa da ficha ténica
Morada
Estrada do Guincho (Cascais)
Telefone
214870491
Custo
(€€€) Menu de Natal 2023: 165 euros + 80 euros com harmonização vínica. Ao longo do ano, menus de degustação desde 145 euros.


GPS
Latitude : 38.728267
Longitude : -9.476133000000004

 

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