Muitas viagens começam com uma folha de excel em branco. A do Geographia também, embora o destino seja gastronómico. Nos meses que antecederam a abertura do restaurante junto às Janelas Verdes (e à casa de Madonna), Rúben Obadia, Miguel Júdice e a polaca Lucyna Szymanska foram acrescentando, célula após célula, pratos de influência lusófona que queriam ver ali representados. «O Miguel até enviou e-mails a uma senhora de Macau a pedir uma receita», ri-se Rúben, um dos três amigos e sócios do Geographia. «Tínhamos de ter cachupa, picanha e moamba de peixe. Mas não temos, por exemplo, chamuça porque nunca encontrei ninguém que a soubesse fazer como a comi em Goa», diz, avisando, no entanto, que «não é restaurante para saudosistas».
As receitas nem sempre são tradicionais e é por isso que o tradicional lassi de Goa aqui leva banana, e a caipirinha Gabriela, cravo e canela. O escondidinho de mandioca tem no recheio bacalhau à Bulhão Pato e o pastel de bacalhau usa esta raiz, no lugar da batata, pois é assim que o fazem em Timor-Leste. Uma forma de provar é pedir os fritinhos dos 4 continentes, uma tábua onde estão também representados Goa, Portugal e África sob a forma do tal pastel e ainda num frito recheado com sardinha e num croquete de carne de sol. Entre os pratos principais estão ainda um caril de camarão à Goesa, galinha do campo com caril de amendoim e, para sobremesa, bebinca de Goa e mousse de chocolate de São Tomé com salame do mesmo.
Para o visitante não se perder na geografia, cada prato na carta tem assinalada a sua origem, e do mapa fazem ainda parte Macau, Moçambique e Brasil. «Muitas vezes resumimos a cozinha portuguesa ao bacalhau e a outros pratos tradicionais. Esquecemo-nos que ela é muito mais vasta do que isso e que também assenta em especiarias», reforça Obadia. «Já havia bons restaurantes goeses, cabo-verdianos e brasileiros, mas queríamos uma síntese de tudo isto».
O Museu Nacional de Arte Antiga, mesmo em frente, ajuda a contar esta história, e também a equipa lusófona, liderada pelo chef brasileiro Carlos Bruno, que passou por vários espaços de alta cozinha na Irlanda, Peru e Argentina. As paredes cobrem-se de mapas, há um globo e uma antiga bandeira portuguesa ao balcão e a música de fundo a tocar é familiar, porque é feita uma curadoria musical lusófona. O café é de especialidade com grãos de Timor, São Tomé, Cabo Verde, Brasil e Angola e, brevemente, passará a ser vendido, juntamente com dois picantes caseiros.
Nada foi deixado ao acaso no Geographia, desde os sofás confortáveis e os individuais de mesa, em pele, aos talheres dourados e pratos da Vista Alegre que têm um rinoceronte personalizado. É o mesmo que está, em grande, numa das paredes, e tem uma história curiosa por detrás. «É um desenho de Dürer sobre um rinoceronte chamado Ulisses, enviado a D. Manuel I, que o ofereceu ao papa Leão X. Infelizmente o barco afundou-se e ele nunca chegou a Itália», conta Rúben, cuja paixão por história faz dele um perfeito cicerone neste Geographia. Falta falar no elefante no meio da sala, que é na verdade um macaco, agarrado a um poste. «Chama-se Magalhães, em homenagem aos 500 anos da circumnavegação de Fernão de Magalhães. Viveu no Zoo de Lagos e morreu de causas naturais», afiança. No final, até a conta, entregue num livro de Júlio Verne, ajuda a esboçar um sorriso.
Longitude : -9.16179139999997