David Jesus, do Seiva: Este chef é provocador! E a comida também

(Fotografia de Leonel de Castro/GI)
“Não quero ser melhor do que ninguém. Quero, isso sim, ser disruptivo e singular”. Aos 28 anos, David Jesus tem o caminho traçado: a comida do mundo com base vegetal que faz a partir de Leça da Palmeira há de alcandorá-lo ao mundo das estrelas. Das estrelas Michelin, bem entendido.

Há laranjas, couves, gengibre, batata-doce, ananás e limão. Há boiões rotulados nas prateleiras: óleo de cardamomo preto; vinagre, maçã, limonete, gengibre e lavanda; café, amêndoa amarga e moscatel de Setúbal; arandos e sake. Logo se verá se tais preparados e experiências ganharão lugar nas refeições aqui servidas. Há ramos verdes a coroar a placa com o nome do sítio. E há outonais pinhas no centro das mesas. Eis, à primeira vista, o acolhedor Seiva.

A tranquilidade do espaço contrasta com o fulgor e a aceleração do chef. Aos 28 anos, o setubalense David Jesus coloca paixão e determinação em tudo o que diz, em tudo o que faz e, sobretudo, em tudo o que sonha fazer. Vai por isso, num ápice, ao que interessa: tendo por base uma “cozinha do mundo com base vegetal”, frase que sublinha uma e outra vez para que não se classifique o Seiva com restaurante vegetariano e/ou vegano, o objetivo é “chegar, no médio prazo, às três estrelas Michelin”.

O chef de 28 anos lidera a cozinha do Seiva, em Leça da Palmeira. (Fotografias de Leonel de Castro/GI)

“Não quero ser melhor do que ninguém. Quero, isso sim, ser disruptivo e singular, mostrando que a cozinha que penso é diferente de tudo o que se faz em Portugal”, atira o chef. “Aquilo que faço com plantas é diferenciador e especial”, diz David. Segue-se uma provocação a quem, como ele, gosta de ser provocado: assim tão, tão diferenciador, tendo em conta que a oferta neste tipo de mercado cresce e melhora a cada dia? “É preciso provar e sentir o que fazemos para responder a isso. É preciso olhar para os nossos pratos e sentir a provocação. Para mim, o que faz sentido não é o que e quanto comemos, mas o que sentimos quando comemos”. Em abono da verdade: ao degustar os “Cogumelos da Estação” (ver texto ao lado) percebe-se melhor o resultado da impetuosidade e da paixão de David. O resultado é superlativo.

Escalar até às estrelas implica pés bem fincados na terra. O chef sabe disso. Mexe nos tachos desde os 16 anos, guarda todas as memórias dos cozinhados dos avós, aprimorou-se na Escola de Turismo do Estoril e apetrechou-se com a técnica, ao passar por restaurantes com estrelas Michelin (Guincho e Feitoria, em Portugal; Quique da Costa, em Espanha; Frantzen, na Suécia). O resto é caminho que se faz caminhando. De preferência, provocando. Provocando os sentidos dos comensais, bem entendido.


Um prato da sua autoria:

Cogumelos da Estação

A suavidade e a crocância do mil folhas de batata frita estrategicamente colocado no centro do prato que chega à mesa são de truz. Mas o segredo que faz disparar as papilas gustativas está na companhia: antes de irem à grelha, os fantásticos cogumelos pleurotus dispostos ao lado daquela camada de batata milimetricamente filetada marinaram na massa pimentão feita pelo avô paterno do chef. Bendito avô!

O prato de David Jesus à base de pleurotus.

A massa, resultado dos pimentos curados em sal durante duas semanas e posteriormente triturados na máquina onde se rala o caldo verde, é a alma do intitulado Cogumelos da Estação. Eleva-se o prato, alegra-se a alma, espantam-se os olhos. Junta-se ao par um apuradíssimo estufado com duas categorias de cogumelos: os cantarelos e os pé de carneiro associaram-se ao vinagre de vinho tinto e aos figos secos, para daí resultar uma emulsão muito, muito cuidada.

Cabe à maionese de sriracha, picante q.b, fazer o trabalho que resta: juntar acidez ao prato, para calibrar e equilibrar a degustação. E voilá: eis um exemplo outonal da “cozinha do mundo de base vegetal” que David Jesus prega a bom pregar no Seiva. O petisco vale todos os 19 euros que por ele se pagam.




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