Aurora Goy, chef do Apego, no Porto: entre as raízes francesas, durienses e minhotas

(Fotografia de Leonel de Castro/GI)
Aurora Goy trabalhou em restaurantes franceses, conheceu o Brasil de autocarro, trocou Lisboa pela Invicta. E é chef para fazer a quadratura do círculo: junta a técnica e a sofisticação da culinária gaulesa à exuberância dos sabores da cozinha portuguesa. Resulta? Se resulta.

O sotaque afrancesado de Aurora Goy, 34 anos, denuncia uma vida entre cá e lá: entre as raízes durienses e minhotas dos pais e o cosmopolitismo da capital francesa. E isso tem uma evidente extensão na comida elegante e delicada que a chef pratica no pequeno espaço que encontrou na Baixa do Porto para dar corpo ao rumo que traçou quando, aos 17 anos, ajudou o pai, então chef de cozinha em França, a servir um casamento: queria ser cozinheira. No Apego, os pratos exaltam a técnica e a sofisticação gaulesa, sem dúvida, mas são os sabores tradicionais da cozinha portuguesa que elevam a degustação. Prova provada: a tatin de aipo e cantarelos com jus de carne de frango e de porco que Aurora serve (ver texto ao lado).

O caminho ainda lhe ofereceu um desvio (concluiu um bacharelato em Literatura), mas o destino estava traçado: sobrepuseram-se as memórias (“Cresci a ver a minha mãe e as minhas tias a cozinhar. A cozinha era o nosso lugar de convívio”) e o gosto pelo risco (“O que eu queria era mesmo experimentar coisas novas e criar pratos diferentes”). Seguiu-se uma licenciatura em Artes Culinárias e uma experiência de dois anos no apelativo e exigente Guy Savoy (três estrelas michelin), em Paris. Haveria de trabalhar com Alain Ducasse (uma estrela Michelin) antes de agarrar uma oportunidade de ouro: foi sub-chef no L’Auberge du 15 (uma estrela Michelin).

A chef de 34 anos lidera a cozinha do portuense Apego. (Fotografias de Leonel de Castro/GI)

Armada de técnica e carregada de vontade, decidiu investir o que poupara, não sem antes percorrer o Brasil durante quatro meses, sempre de autocarro, para conhecer os truques da culinária que ali se pratica. Foram, novamente, as raízes a determinar a escolha: “Além de mais tranquilo do que Lisboa, o Porto está bem mais perto do Gerês e de Trás-os-Montes”, graceja a chef. É na Invicta que oferece o que busca sempre que come fora: “Boa comida num lugar acolhedor. Comida de conforto, capaz de ativar, ou reativar, memórias”.

Apego rima com aconchego. Mas também com desassossego. A comida de Aurora junta tudo nos pratos que confeciona. A chef acerta no alvo, quando garante que só fica feliz quando oferece “experiências surpreendentemente boas, fazendo com que, ao mesmo tempo, o cliente se sinta em casa”. Isso é aconchego na estada e desassossego no palato.


Um prato de sua autoria

Tatin de aipo, cantarelos, gema dourada, quinoa e jus

Faz-se um troço de prazer a partir de um quadrado de saboroso aipo devidamente selado e almofadado com manteiga e tomilho. A quinoa espalhada pela massa quebrada que serve de capa ao vegetal dá ao prato uma deliciosa camada crocante. Já estaria bem assim, se assim fosse servida a iguaria.

Mas, para subir o nível, a chef adicionou-lhe um outonal e aveludado puré de castanha que ganhou intensidade e sabor quando foi refogado com cebola. Ganha cor o prato, ganha pontos a cozinheira, ganha apetite o comensal. Misture-se a seguir o aipo e o puré com o jus de truz que bordeja o prato: sobem ao palato os sabores combinados da subtil carne frango e da poderosa carne de porco usadas na preparação daquele belo molho.

Tatin de aipo, cantarelos, gema dourada, quinoa e jus.

Não é tudo: a gema que ganhou cor de ouro, por força das 12 horas seguidas em que marinou em soja e vinagre de arroz, aveluda o petisco e acrescenta-lhe “finesse”. Os tenros cantarelos salteados em azeite, acoplados a uma pitada de sal e à frescura das chalotas e da salsa fazem o resto. E o resto é muito: este casamento entre tanta coisa redunda numa só coisa chamada cozinha da boa, daquela que desenruga qualquer alma. Preço desta preciosidade: 12 euros.

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Mapa da ficha ténica
Morada
Rua de Santa Catarina, 1198 (Baixa), Porto
Telefone
224029984
Horário
De terça-feira a sábado, das 19h às 22h30Encerra ao domingo e segunda-feira.
Custo
(€€) Preço médio: 45 euros. Menu de degustação 60 euros (5 pratos). Harmonização 35 euros (com 4 vinhos)


GPS
Latitude : 41.15591999999999
Longitude : -8.604657999999972




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