Rosé, o vinho que todos adoram ignorar

Rosé. (Fotografia: Pixabay)
É muito raro o apreciador de vinhos que aponta como seu favorito um rosé. Espécie intermédia, refrigerante, ou vinho de cocktail a lista de razões para a não-promoção é infindável. Mas no fundo, ninguém o dispensa num momento ou noutro. No momento em que já espreita a canícula, é chegada a altura de palpar e melhorar a nossa relação com os rosés.

Ainda é muito grande o desconhecimento em relação ao fabuloso universo do vinho rosado, ou rosé. Tanto que a maioria dos restauradores ainda o colocam em segundo lugar sempre que se trata de seriar a ordem de serviço num jantar vínico, quando dos três estilos disponíveis – branco, tinto e rosé – deveria ser o primeiro. A razão primordial prende-se com o facto de se tratar, regra geral, de um vinho produzido a partir de mostos obtidos em regime de bica aberta, ou seja prensagem simples das uvas, contacto mínimo com as películas, onde está a maioria da matéria corante.

Convivemos ainda com o mito de que o vinho do tempo dos romanos era maioritariamente tinto mas não há nada mais errado. Nesses tempos do império, as películas das uvas eram postas de parte a secar e guardavam-se nas despensas, invenção romana brilhante, num tempo em que não existia ainda o açúcar tal como o conhecemos hoje, mas a necessidade de adoçar a boca e executar a pastelaria do muito latino Apício e a mais ancestral ainda do inteiramente grego Arquéstrato. Todo o filme de época que mostre as proverbiais festas romanas com vinho tinto a jorrar pelos cantos das bocas está completamente errado. Quando muito, seria rosado.

Dizer isto nos dias de hoje é como pregar no deserto aos gafanhotos; será muito difícil recolocar a história no seu registo correcto. Por outro lado, três mil anos é nada na escala cósmica e por isso nem tudo está perdido para os humanos civilizados, que por tão pouco se perdem tanto. O vinho do tempo de Pompeia era envasilhado em pequenas ânforas de cerca de meio litro e foi talvez o vinho mais caro de todos os tempos, aliás como o vinho de Sorrento. Com as necessárias e sucessivas correcções monetárias, corresponderia hoje a 10 mil euros na produção. E era… rosado, quase sem cor, pelas razões já apontadas.

Cá pelo nosso pequeno mas rico reduto surgiu no tempo da guerra, final dos anos 30 um vinho que eu hei-de sempre considerar semelhante a esse do tempo dos idos de Pompéia, obra genial conjunta e irrepetível de Fernando Van Zeller Guedes, fundador da Sogrape e Francisco de Albuquerque, então Conde de Vila Real e proprietário do magnífico Palácio de Mateus, em Vila Real. O Mateus rosé é o mais notável vinho rosé de sempre à escala mundial e tem a bem portuguesa casta Alvarelhão na génese. O génio comercial do fundador plasmou a imagem do palácio numa garrafa evocativa do cantil das campanhas da guerra e foi ele próprio pelo mundo fora promover o que ainda hoje encabeça as glórias universais do vinho rosé.

Eu sou cliente do Mateus rosé e tenho como princípio não deixar passar mais de um mês sem abrir uma garrafa desse vinho único, ainda a razão de ser da Sogrape. Deixou-nos há meses o genial Fernando Albuquerque e é a ele que hoje ergo o meu copo de Mateus rosé num brinde sentido a um amor que jamais respeitou barreiras humanas. Pense nisto na próxima vez que abrir uma garrafa de Mateus rosé, talvaz seja o ato mais global e universal da sua vida. E viva o vinho rosé!




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