Atrás de balcões de bares de cerveja artesanal, Chaiane Bittencourt e Liliyana Toma cansaram-se de ouvir coisas como “cerveja para gajas”, de ver mulheres a quererem que os companheiros escolhessem por elas ou clientes que preferiam pedir sugestões aos seus colegas homens. Agora a trabalharem ambas no bar Armazém da Cerveja, no Porto, decidiram juntar-se e desenvolver um projeto que vai dar origem a uma nova cerveja e que quer promover a integração das mulheres neste mundo, desconstruindo preconceitos. “Como em abril o Armazém festeja o seu quinto aniversário, quisemos fazer algo diferente”, conta Chaiane. Falaram com a Rita Accarpio e o seu companheiro Franco, autores do projeto cervejeiro FdS, para produzirem uma cerveja especial para o aniversário, mas também queriam “fazer parte da produção”, diz Liliyana.
A ideia foi-se desenvolvendo e pensaram: porque não fazer uma cerveja só com mulheres, desenvolver um projeto que promovesse espaço para que estas se sintam “mais confortáveis” no mundo da cerveja artesanal? “Ainda existe o estereótipo de que só o homem é que faz cerveja. Hoje em dia não é assim. O nosso objetivo, além de fazer boa cerveja e divertirmo-nos, é abrir a porta a mais mulheres”. Ao contrário das suas três colegas, Liliyana, que estudou música na ESMAE, é estreante na produção.
Chaiane, natural do Rio Grande do Sul, Brasil, já tinha produzido, antes de em 2018 vir para Portugal fazer o mestrado em Direito. “Em 2008 a cerveja artesanal estava a crescer no Brasil. Com o meu namorado da altura comecei a provar cervejas e a produzir de forma caseira. Quando vim para cá, deixei isso de lado; mas quando tive de trabalhar pensei que a única coisa que sabia fazer, além de advocacia, era trabalhar com cerveja artesanal”, conta. Passou algum tempo no bar da Letraria, em Braga, e desde o início do ano está no Armazém.
Quando se decidiram a fazer uma cerveja e pensar no estilo que queriam desenvolver, Rita lembrou-se de Raquel Magalhães. “Para trabalhar os aromas, ela era ideal”, diz. Cervejeira caseira, Raquel conheceu Rita nos encontros de homebrewers promovidos pelo pelo bar Catraio. Desde que foi à Bélgica, há 10 anos, que Raquel se começou a interessar pelo assunto. “Quando voltei a Portugal comecei à procura de espaços de cerveja e foi quando abriu o Catraio”, lembra. Sugeriu ao namorado que começassem a produzir e embarcaram nessa empreitada em 2019. Pouco tempo depois, arrancaram os tais encontros de cervejeiros caseiros e formou-se um grupo para troca de experiências e aprendizagem. Assim conheceu Rita e Franco. “Entretanto, separei-me do namorado e ‘reformei-me’ do mundo cervejeiro, mas a Rita foi-me buscar-me para fazer parte desta aventura”, conta. Eram, então, já quatro, e Rita lembrou-se: “olha, somos as quatro cavaleiras do apocalipse” e logo transformaram o “apocalipse” em ahopalipse [trocadilho com “hop”, lúpulo, em inglês].
É mesmo o lúpulo que está em destaque nesta primeira experiência. Decidiram produzir uma west coast IPA, estilo desenvolvido na Costa Oeste dos Estados Unidos a partir dos anos 1960. E isto é uma espécie de declaração de intenções, porque as caraterísticas do estilo são de mais amargor e de notas mais resinosas, em detrimento das notas frutadas e florais, o oposto do que se pensa quando se fala em cerveja “que as mulheres gostam”.
“A ideia do estilo foi delas”, diz Rita, e é a primeira vez que este é produzido na microcervejaria da FdS, em V. N. de Gaia. “Já tinha feito imperial stouts, triples, mas uma west coast clássica nunca. Tive de estudar, de ler muitos artigos e fomos elaborando a receita, na qual usamos quatro lúpulos – o chinook, centennial, cascade e citra”.
Esta primeira produção será de 120 litros e será lançada no aniversário do Armazém da Cerveja. Parte dela será também enlatada ou engarrafada. Depois desta, vão começar a elaborar outras receitas. “Eu, a Liliy e a Rita somos muito ligadas às IPAs. A Raquel puxa mais para a linha das belgas, para o malte e para as sours. Vamos tentar encontrar um equilibrio entre isto tudo”, diz Chaiane. Agradar a vários gostos, sem olhar ao género, até porque, como diz Rita, não há “gostos de mulheres nem gostos de homens”.
O Armazém da Cerveja foi dos primeiros bares de cervejas artesanal do Porto. A 8 de abril de 2017, o projeto de Pedro Inácio e Ruben Moutinho abriu portas na Rua Formosa. A celebração do 5º aniversário será feita em dois dias de festa (8 e 9, sexta-feira e sábado). Lançamentos de cervejas, música ao vivo e atuação de djs estão entre os eventos do programa, que será revelado em breve.
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