Um roteiro para descobrir tesouros no Geoparque de Viana do Castelo

Percurso pedestre pela foz do Neiva. (Fotografia de Rui Manuel Fonseca/Gl)
Uma rota turística por 13 monumentos naturais que contam a história da evolução do território e passa por caminhos de rio, mar e montanha.

Imagine um jogo de caça ao tesouro. Seguindo um mapa do Geoparque que foi criado em 2017 em Viana do Castelo e que atualmente é aspirante à rede mundial de geoparques da Unesco. Treze monumentos naturais, cada um com as suas histórias, geológica e de acontecimentos associados ao local. E todo um território por descobrir: rio, mar e montanha. Duas serras, Santa Luzia e Arga.

Natureza, trilhos, passeios a cavalo, de bicicleta, a pé e de barco por locais paradisíacos, praias, desportos náuticos, cultura, tradições locais, património histórico e arqueológico, e gastronomia. Muita e boa gastronomia. Em tasquinhas, restaurantes e bares de praia. A partir daí, é só unir os pontos e descobrir tesouros, ao longo do percurso pelos 13 geossítios, que nada mais são do que marcas da evolução de Viana do Castelo ao longo de mais de 500 milhões de anos.

Numa interpretação simples para o público, os monumentos traduzem-se em gotas de magma que parecem bolas (13) arremessadas por gigantes, sendo que as maiores ao longe fazem lembrar baleias. E um cemitério de praias ancestrais, assim como vestígios da pequena idade do gelo num território que foi habitado por pinguins, montanhas que já estiveram debaixo do mar, um campo salineiro com mais de 700 salineiras ou pias que parecem poltronas, e marmitas. O maior desafio é descobrir numa ampla superfície rochosa os efeitos da passagem de milhões de anos.

A aventura pode começar às portas da cidade. Auxiliada pela app ou pelo site do Geoparque (www.geoparquelitoralviana.pt), usando os painéis interpretativos e informativos com códigos QR, disponíveis junto a cada um dos monumentos, ou por um guia turístico. Essa é uma condição necessária para poder enxergar muito para lá do que à vista desarmada possam parecer umas simples rochas. No caso, seguimos uma rota guiada por Nuno Barbosa, especialista em turismo e administrador da Viv’Experiência, empresa de promoção e animação turística.

O mar foi o primeiro destino

Em plena Praia Norte, o monumento das RELÍQUIAS DO RHEIC DAS PEDRAS RUIVAS, uma evidência da dinâmica da crosta terrestre. Uma área-chave que preserva marcas de ondulação e laminações fossilizadas e da paleobiodiversidade instalada. E que também conserva testemunhos, como restos de praias que existiam por altura do último período interglaciar.

A visita ao local pode ser complementada com um café ao sol numa das várias esplanadas com vista para o mar ali existentes ou ainda com uma caminhada pelo molhe ou por uma ecovia, que dali se prolonga sempre pelo litoral das freguesias vizinhas de Areosa e Carreço.

Antes de descobrir mais monumentos, Nuno Barbosa sugere uma paragem em Areosa para um passeio a cavalo proporcionado pela VIANAEQUESTRE, ASSOCIAÇÃO HÍPICA DE VIANA DO CASTELO, propriedade de Cláudia Rachão. Uma experiência que tem tudo para se tornar memorável, seja para iniciantes, seja para repetentes ou mesmo cavaleiros experientes. A proposta é subir à garupa de um cavalo e, a trote ou a galope, atravessar campos até às praias de Areosa e Carreço, sentindo a brisa marítima e aromas da natureza. E passear no areal.

O percurso junto ao mar pode ele próprio incluir já a descoberta de dois geossítios: o Cemitério de Praias Antigas do Alcantilado de Montedor e as Gotas Magmáticas do Canto Marinho. Ali, o Geoparque referencia, entre outros pontos de interesse, múltiplos vestígios de praias ancestrais. Há pias resultantes da meteorização do granito, algumas delas em forma de poltrona, e pias salineiras (haverá registo de mais de 700 na zona) escavadas em rochas graníticas pela ação humana. Assim como restos de atividade biológica como os alvéolos de ouriço-do-mar (icnofósseis) e outros indícios da dinâmica de praia, como sapas ou campos dunares fossilizados. Também não faltam bolas de granito (as tais gotas magmáticas, que ao longe parecem baleias) e sítios designados por “cobertas” de lama glacial.

Passeio a cavalo através da Vianaequestre, associação hípica de Viana do Castelo.

Deixando as praias e já de regresso à cidade de Viana do Castelo, pela Estrada Nacional 13, pode-se, graças a um pequeno desvio na freguesia de Areosa, ficar a conhecer outro geossítio, as Cascatas do Poço Negro. As quedas de água abundantes na zona valem por si só uma visita.

Peixe, marisco e meias luas

Seguimos para uma refeição no restaurante O PESCADOR, em Viana. Situado no Largo de São Domingos, junto à igreja e convento com o mesmo nome, recebe os clientes com uma figura (quase) em tamanho real de um cozinheiro barrigudo à porta. Peixe e marisco são os pratos fortes da casa do chefe Matos. Arroz de tamboril e de marisco, feijoada de marisco, peixes grelhados, bacalhau, sopa de peixe e por aí vai. Guarde-se espaço para as sobremesas tradicionais. Com o café, pode-se ser surpreendido com um delicioso doce típico de Viana, em miniatura: as meias-luas.

Antes de avançar para a próxima paragem, a PORTA DO NEIVA (existem mais duas portas, a de Arga e a do Atlântico, e destinam-se a acolher visitantes do Geoparque), subimos o monte de Santa Luzia para admirar a paisagem mais arrebatadora sobre a cidade, o rio Lima, a margem esquerda e o mar a perder de vista. Ali perto encontra-se mais um monumento natural, o Planalto Granítico das Chãs de Santa Luzia.

A Porta do Neiva orienta o turista para visitação dos 13 geossítios e também conta, através de exposições, o ciclo do mel e a exploração de caulinos que têm tradição na região. Aproveitamos para conhecer nas proximidades mais dois pontos do mapa do Geoparque: a Praia Eemiana da Ribeira de Anha e as Dunas Trepadoras do Faro de Anha.

Uma caminhada permite visitar o resto de uma praia de seixos do último interglaciar, com idade próxima de 125 mil anos. E também se encontram sapas e marmitas relativas ao penúltimo interglaciar, com cerca de 245 mil anos, e salinas de idade pré-romana. Assim como sedimentos de duna, as Areias do Monte Galeão.

Voltamos à estrada para regressar a Carreço e visitar o MOINHO DO PETISCO, construído em 1855, onde nos espera Eugénio Laginha, um orgulhoso proprietário com quem vale a pena conversar. E que faz questão de abrir a sua relíquia aos visitantes (por reserva através do Museu do Traje de Viana do Castelo) e contar-lhes as peripécias de como o moinho de vento, que outrora pertenceu à sua família, foi vendido à família daquela que viria muitos anos mais tarde a ser sua esposa, e assim voltou às suas mãos. O sogro faleceu em 1977, um ano depois do casamento, e uma das duas filhas, sua mulher, herdou-o já inativo. Acabaram por recuperá-lo totalmente e colocá-lo a funcionar, moendo o milho à moda antiga. Eugénio gosta de fazer uma demonstração e dá gosto ouvi-lo falar, como quem fala de um filho.

Dali, saltamos para um monumento natural paradisíaco, as CASCATAS DA FERIDA MÁ. Um troço do rio Âncora, entre Montaria e Amonde, caracterizado por quedas de água, com uma paisagem digna de cinema e, por isso, há muito procurada por locais e turistas. E agora também um geossítio apetecido.

O dia vai longo e termina ao pôr do sol em Afife, na TABERNA DA ESTAÇÃO. Confortando o estômago com petiscos, pratos (por encomenda) e bebidas tradicionais, servidos em louça de barro. Mexilhão, gambas, amêijoa, zamburinhas, polvo, orelha, choco frito, punheta de bacalhau, pimentos padrón, chouriço assado, caracóis, petinga, iscas, moelas, rojões, bola de carne, misto de carnes de porco, frango, costela assada na brasa e batata frita às rodelas, tudo servido na telha. E tábuas de queijos e enchidos. Copos e malgas para o caldo verde, vinhos e champarrião branco ou tinto. A noite pode tornar-se longa. Se a ideia é levantar cedo e com frescura no dia seguinte, aconselha-se prudência no consumo.

A dormida faz-se num dos hotéis da região. O HOTEL DO PARQUE, um três estrelas confortável, a 100 metros da antiga ponte Eiffel e a cerca de 600 metros do centro de Viana do Castelo, promete uma estadia relaxante. Tem piscina, esplanada e jardim para banhos de sol e um salão panorâmico, para disfrutar de um pequeno-almoço com vista total sobre o rio Lima. E é com um passeio fluvial neste curso de água, que começa o segundo dia de descoberta.

Passeios no rio

Do cais junto à Praça da Liberdade zarpam as embarcações dos IRMÃOS PORTELA (Vitor e Orlando). De 1 maio a 15 outubro, a empresa Ferry-Boat e Cruzeiros no Rio Lima faz carreiras de hora em hora, a partir das 10 até às 19 horas , entre a cidade e o Cabedelo. E também passeios no rio, em formato de mini-cruzeiro, com ou sem guia turístico.

Ao navegar, voltamos ao Geoparque para visitar a falha das Ínsuas do Lima. Um monumento natural, formado por pequenas ilhas, a Cavalar e a Ribeira Lima, deposição de sedimentos, as salinas de Argaçosa, e vestígios de uma antiga ponte de madeira construída em 1819 para atravessar o rio. Se o dia estiver ameno e soalheiro, fica a vontade de repetir.

De regresso a terra, Nuno Barbosa guia-nos pelo casco histórico de Viana, passando pela emblemática Rua da Amália, até ao Museu do Traje. E desafia a seguir para um passeio de bicicleta (a Viv’Experiência aluga) por passadiços da praia do Cabedelo, que ocupa o resto da manhã.

O almoço também pode ser naquela praia, no DUOTONE PRO CENTER, o beach center de Viana do Castelo, que além de atividades dentro e fora de água para toda a família, aulas de desportos como surf, bodyboard, windsurf, kiteboard e paddle, além de passeios pela baía, dispõe de um snack-bar onde apetece verdadeiramente ficar. Sol e mar e refeições leves e saudáveis, saladas, hambúrgueres e bowls doces (iogurte e frutas) e salgados (o de salmão é de registar).

A tarde passou pelo NÚCLEO MUSEOLÓGICO DO SARGAÇO DE CASTELO DO NEIVA, que dá a conhecer a antiga tradição de recolha de algas nas praias para uso como fertilizante nos campos agrícolas da região. E culminou com uma subida à SENHORA DO MINHO, o ponto mais alto da Serra d’Arga, para respirar ar puro e permanecer em (quase) silêncio. Ali há momentos em que pouco mais se escuta do que o vento e, de longe a longe, animais de rebanhos que galgam a serra no pasto.

Dos caminhos do Geoparque ainda sobram mais locais de visitação: as Cristas Quartzíticas do Campo Mineiro de Folgadoiro-Verdes, os Pavimentos Graníticos da Gatenha, o Penedo Furado do Monte da Meadela e as Turfeiras das Chãs de Arga. Mas esses ficam para uma próxima rota, para mais aventuras.

Ponto mais alto da Serra de Arga, a Senhora do Minho (Fotografia de Rui Manuel Fonseca/GI)

Um livro de pedra escrito por gigantes
O Livro de Pedra é um catálogo dos geossítios inventariados e classificados em Viana do Castelo. Apresenta-se como um “topoguia”, para apoiar os cidadãos na descoberta dos monumentos. Descreve, por exemplo, gotas de magma que irromperam entre as rochas mais antigas há mais de 300 milhões de anos em Canto Marinho como “grandes bolas de granito que parecem atiradas por gigantes”. Inscrições rupestres numa baía de Montedor, um lago que existiria há 11 mil anos na veiga da Areosa. Ilhotas no Lima que serviram de pastos para gado e, nas margens, marcas de antigas salinas.

Milhões de anos de evolução do planeta
O Geoparque Litoral de Viana do Castelo foi criado em 2017, após cerca de uma década de trabalho de inventariação sob liderança científica do geólogo Ricardo Carvalhido, da Universidade do Minho. Revela mais de 500 milhões de anos da evolução geológica do planeta, incluindo 13 monumentos, nove sítios arqueológicos, 44 mesas de interpretação da paisagem, 50 códigos QR de interpretação de afloramento e três portas de entrada temáticas para acolher os visitantes (Atlântico/Praia Norte, Arga/Lanheses e Neiva/Vila de Punhe). O seu território é atravessado por cerca de 300 quilómetros de trilhos pedestres.




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