Algarve: um postal cá da terra

As fotos repetem-se ano após ano. A fama espalha-se. Há quem não troque os lugares de sempre por qualquer outro poiso de férias. Grutas, praias esculpidas pela erosão, vida selvagem, águas cálidas. Há mar e mar. Há ir e voltar.

Alerta à navegação: dispensemos os googles desta vida e deixemo-nos guiar por quem conhece a terra e as águas do Barlavento como as palmas das suas mãos. Se houver incorreções na informação, que sejam vistas como bazófia de pescador, mas isso faz parte do encanto deste pedaço de Algarve. Embarquemos, na vila piscatória de Ferragudo, defronte à cosmopolita Portimão. A viagem segue ao longo da costa, pelo Carvoeiro até às famosas grutas de Benagil. Adiante, tomaremos outros caminhos para cruzar Estômbar, Lagoa e Sesmarias. Preparem-se as máquinas fotográficas, os telemóveis e os selfie-sticks, a pescaria promete fartura de retratos para alimentar as redes sociais.

O pescador: Carlos Conceição. Pode-se aos 33 anos ser um velho lobo-do-mar? Se mais de metade da vida foi passada a bordo de uma traineira, não faltará arte nem lábia para ostentar o título. Recentemente, foi pai e trocou a pesca, por uns meses, para se juntar à equipa do Wildwatch – Dolphin Watching Center, uma empresa de observação de cetáceos que faz da preservação ambiental a sua missão. Amanheceu quente o dia. Às primeiras horas, Ferragudo ainda é um mar de calmaria.

wildwatch

Uma dúzia de turistas de várias nacionalidades e diferentes idades, de colete salva-vidas, alinham-se num barco semirrígido excitados com a possibilidade do que vão encontrar nos 90 minutos de passeio. O que podem ver? «Golfinho-comum, golfinho-roaz, botos, golfinho-riscado, golfinho-de-risso, mas também baleia-anã, a baleia-comum, a segunda maior do mundo, tintureiras (tubarão azul), tartarugas», revela Lúcia Gregório que, com o marido André Dias, está à frente da empresa turística. «Ainda no domingo avistámos orcas, que seguiam os atuns na rota para o Mediterrâneo.» Ganharam o dia.

Cada saída para o mar é sempre uma incógnita, mas em 2015 a empresa teve uma taxa de sucesso de observação de mais de 95%. «Quando avistam os golfinhos, os mais habituais na costa, todos a bordo são como crianças», há de contar mais tarde André. Como ele, quase todos os guias de cada viagem são biólogos marinhos e esse é o fator que distingue a empresa da concorrência, a consciência ambiental. A bordo chamam a atenção para cada espécie, para os perigos do lixo no oceano, para os pequenos gestos que podem fazer a diferença, ao mesmo tempo que recolhem dados para estudos em curso e partilham a sua paixão. Fica tudo registado em filme, dentro e fora de água.

Ferragudo fica para trás. Cruzamo-nos com outras embarcações: Colheita de 1967, Reis Jorge, Joaquim, Luís António, Conquistador, Fadista, Senhora de Fátima. Na ponta do cais, o edifício do Instituto de Socorros a Náufragos (ISN), uma das montras dos Encontros de Fotografia de Lagoa – a par do promontório de Nossa Senhora da Rocha e do Forte da Senhora da Encarnação –, que decorre até 4 de setembro, subordinado ao tema «Migrações à Força», um olhar sobre os refugiados que se aventuram no mar, em busca da liberdade. Carlos segue cauteloso e adverte: «Vamos apanhar porrada, está Sueste.»

 

O que é que o Sueste tem?

Várias são as suas graças, consoante a terra, em Ferragudo chamam-lhe Sueste, uns quilómetros adiante, em Armação de Pêra, já é conhecido por Levante. Sopra de sudeste, é quente e trapaceiro, não é bom para a faina, pode trazer tempestades e desencadeia o assoreamento da costa, por isso, dizem que é o «mar de fora» porque tira a areia da praia, em terra sopra impregnado de partículas salinas que são prejudiciais para a agricultura.

Para leigos na matéria, o céu fica mais esbranquiçado, o calor cola-se ao corpo, sufoca até. «Ganha força ao nascer do dia, enfraquece ao pôr-do-sol e mantêm-se por um, três, cinco, sete ou nove dias, sempre número ímpar», vai explicando o mestre, enquanto sai da barra para logo se perceber que vai dar luta.

Excecionalmente, Carlos mostra-nos as praias ao longo da costa, as primeiras – das Negrinhas, Grande, com um extenso areal e um cordão dunar, delimitado pelas zonas húmidas do Sapal de Alcantarilha e a Lagoa dos Salgados, que atinge os 300 metros de largura, D. Infanta, do Molhe, ainda dentro do território do rio Arade já a desembocar no mar. «As famílias gostam destas porque as águas são calmas e menos concorridas.»

Cruzada a barra, quatro homens dedicam-se à pesca de carapau e de cavala na Ponta do Altar, consta que é lugar estratégico para a apanha destas espécies. O Farol da Ponta do Altar, sobranceiro, faz o controlo do tráfego marítimo de Vila Real de Santo António até Sagres. A partir daí desfilam praias famosas pela sua beleza natural, esculpidas entre as rochas, de águas de um azul turquesa quase irreal e um areal dourado disputado por toalhas e chapéus de sol como quem reclama para si um pedaço deste paraíso. Praia da Rocha, para quem gosta de multidões, de ver e ser visto, de bares de praia e continuar a festa noite dentro; Vau e Barranco das Canas, que partilham a receita de águas límpidas e o areal a sobressair entre as paredes rochosas das arribas que as protegem, a segunda é spot de snorkeling; João de Arens, em Alvor, no final de uma descida difícil, a preferida dos adeptos de nudismo; Vale de Centeanes e Carvoeiro, mais falésias estonteantes e um areal convidativo; Barranquinho, Lagoa, onde se chega por terra ou por mar, mas não se espere facilidades; Pau, para quem prefere paz e sossego, mas para isso ou vai de barco ou a nado quando a maré está baixa desde a vizinha Marinha.

E ei-la, a Marinha, no sítio da Caramujeira, Lagoa, protegida por uma alta falésia, considerada uma das mais belas da Europa e uma das 100 mais apreciadas do mundo pelo Guia Michelin. As praias maiores em extensão e de fácil acesso estão cheias de veraneantes, enquanto as pequenas enseadas se tornam exclusivas de quem dispõe de meios marítimos para lá chegar. Uns e outros aproveitam o sol deste agosto escaldante.

O mar está picado, a gruta de Benagil, uma das mais impressionantes formações rochosas da região, na praia com o mesmo nome mas onde só se acede por mar, fica para mais tarde. A agitação abre o apetite. De novo com os pés em terra firme e ainda sob os efeitos do Sueste, uma mesa do restaurante com o mesmo nome, no cais de Ferragudo, vem a calhar.

algarve sueste

Amadeu Henriques, 54 anos, nascido e criado na terra, está aos comandos do Sueste há 27. Há uma fotografia dele ainda petiz, com 4, abraçado à irmã, à espera que o avô, José Cintra, acabasse de amanhar as redes no mesmo lugar. Dizia-lhe o avô: «Estás sempre com o Sueste.» Amadeu explica: «O Sueste deixa as pessoas zonzas.» Ri-se. O nome da casa que outrora foi armazém de sal e uma lota do século XIX, foi uma homenagem.

Começou a servir peixe grelhado, aquele que apanhava com o saudoso amigo Jorge Barão. Os clientes esperavam no cais que chegassem e abrissem o restaurante. Depressa granjeou fama como «o mais fresco da região». Herman José tornou-se cliente e «trouxe muita gente».

Carlos Conceição já nos tinha advertido: «Se o peixe do dia não for suficientemente fresco, ele nem abre as portas.» Atualmente, não pesca, a não ser ao luar a beber uns copos de vinhos entre amigos, mas é exigente com o produto: «Compro na lota de Sagres, há mais diversidade. Em Portimão, só besugo, salmonete, linguado e polvo.» O grelhador instalado em frente da esplanada espalha brasas e atrai comensais. Há sempre outras opções ao gosto do patrão: sardinhas fritas com arroz de coentros, xerém de berbigão, lulas no tacho.

Os habituais vêm também aos domingos, religiosamente, comer a feijoada de buzinas. E é pecado não provar as sobremesas, especialmente, a tarte de alfarroba com limão e a tarte de batata-doce. Um repasto assim pede um medronho para finalizar em beleza.

 

Os spots para as melhores fotos

Neste canto do Algarve, a acompanhar a curva do rio Arade até ao mar, a região está cheia de cenários e ângulos a pedirem uma fotografia. Liguem-se os motores e sigamos a 40 quilómetros/hora. Segue-se um passeio com a Sidecar Tours – Bike My Side. O panfleto promete «um guia privado com um sorriso» e este surge ao volante, bem disposto, para a visita de três horas, por Portimão, Ferragudo, Alvor e Praia da Rocha, que dá pelo nome de “Vistas de Postal”.

O guia: Delfim Martins, 42 anos, arquiteto de formação e professor de judo por paixão. Iníciou o negócio em 2012. O Sueste instalou-se e a deslocação na moto de modelo clássico é prazerosa. O roteiro passa pelo Forte e Miradouro de Santa Catarina, donde se contempla a praia da Rocha, inundada por um mar de gente, o Museu de Portimão, onde havemos de voltar com tempo, segue para a vila piscatória de Ferragudo pela velha ponte, donde se avistam as salinas e um moinho de maré.

algarve forte de santa catarina

No cais os pescadores amanham as redes em terra e mais turistas saem para a observação de cetáceos, ao cimo, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, a rivalizar na vista com os dois mastros faroleiros que ainda servem de ponto de orientação à navegação, o forte de São João do Arade também conhecido como o castelo do Arade, cuja origem remonta ao fim do século XV, hoje propriedade da família Pereira Coutinho. Identificam-se as praias.

Um desvio até Estômbar revela o Parque Municipal do Sítio das Fontes, um espaço natural que engloba zonas de sapal, paul, matagal e uma pequena lagoa sazonal onde se vai a banhos. O edifício de apoio acolhe a exposição Algarvios, que mostra outros olhares sobre as gentes de todo o Algarve pela lente de Vítor Pina (até 4 de setembro). Alvor tem outros encantos: palco da invasão muçulmana em 716, sobram vestígios do grande castelo a partir de onde se defendia, guarda as tradições marítimas e uma fé que assiste os pescadores, da igreja matriz destacam-se os elementos decorativos do pórtico principal.

Regressamos a Portimão. Cruzamos a Marina, recentemente palco do Grande Prémio de Motonáutica, e estendemos o roteiro cruzando-o com outros spots do passeio Sabores no Caminho, em que Delfim dá a conhecer um pouco da gastronomia da região: os vinhos da quinta dos Vales, em Estômbar, a variedade de produtos no Mercado de Portimão e na Mercearia do Algarve, as Conservas Maria do Mar, onde se petisca, a Casa da Isabel, doceira de mão cheia, tudo caseiro, onde se prova a Tigelinha de Alvor. Delfim continua sorridente, e pelo modo como fala já é da terra.

 

Benagil, espetáculo natural

Pode uma pequena gruta pôr uma vila piscatória no mapa? Pode. Da minúscula praia com o mesmo nome, repleta de alertas sobre a possibilidade de derrocadas das arribas sem que os banhistas as atendam, a espantosa formação rochosa não se deixa ver, é preciso ir à boleia de uma das embarcações que opera os curtos passeios. A Taruga Benagil Tours leva os turistas, durante todo o ano, ao pequeno areal dentro da cavidade natural formada ela erosão do vento e da água que espanta toda a gente.

benagil

Ao fazer a curva, ei-la, majestosa e misteriosa. Desembarca-se para contemplá-la do seu interior e admirá-la. Um casal espanhol aventurou-se a nado e pede para voltar de barco porque já não têm forças para nadar contra a maré. Acontece amiúde. No outro dia, foi notícia um barco que encalhou num banco de areia sem maiores perigos para os turistas que seguia a bordo, também acontece. Pelo buraco esculpido na rocha entra a luz do Sol, não o suficiente para deixar que a temperatura aumente, pelo que o local é fresco mesmo nos dias de estio.

Fotografada até à exaustão, meio mundo estará de olhos na gruta, no instante que segue à captação da imagem, nas redes sociais e mais turistas virão. Daqui segue também um postal da terra e respetiva fotografia impressa nestas páginas, para imortalizar estas maravilha de Portugal, neste querido mês de agosto com sabor a férias. Do Algarve, com amor.

 

COMER

Bon Bon
Urbanização Cabeço de Pias, Bloco 5, Sesmarias, Carvoeiro (Lagoa)
Tel.: 282341496
Web: bonbon.pt
Horário: Das 18h30 às 22h30; Encerra à quarta
Preço: menus de degustação desde 73 euros

Sueste
Rua Infante Santo, 91, Ferragudo (Lagoa)
Tel.: 282461592
Web: restaurantesueste.com
Horário: Das 12h30 às 23h00. Não encerra.
Preço médio: 30 euros

Maria do Mar
Rua Direita, 89, Portimão.
Tel.: 282094104.
Web: mariadomar.com.pt
Horário: Das 11h00 às 21h00; sábado, até às 22h00. Encerra ao domingo.
Preço médio: 7 euros.

A Casa da Isabel
Rua Direita, 61, Portimão
Tel.: 282484315.
Web: acasadaisabel.com
Horário: Das 09h00 às 00h00. Não encerra.

Mercearia do Algarve
Rua Direita, 25, Portimão.
Tel.: 969165178
Web: facebook.com/merceariadoalgarve
Horário: Das 09h30 às 13h30 e das 15h00 às 22h00; sábado à tarde, a partir das 18h00. Encerra ao domingo.

 

FAZER

Wildwatch – Dolphin Watching Center
Rua Infante Santo, 73, Ferragudo (Lagoa)
Tel.: 282422373
Web: wildwatch.pt
Preços: golfinhos, a partir de 40/25 euros (adulto/criança até 12); grutas, a partir de 20/15 euros (adulto/criança até 12)

Sidecar Tours Bike My Side
Tel.: 917015996
Web: bikemyside.com
Preço: a partir de 100 euros (1/2 pessoas)

Taruga Tours Benagil
Tel.: 969617828
Web: tarugatoursbenagilcaves.pt
Preço: a partir de 10/20 euros (criança/adulto)

 

FICAR

Monte Santo Resort
Rua João Paulo II, Carvoeiro (Lagoa)
Tel.: 282321000
Web: montesantoalgarve.com
Preço: Quarto duplo a partir de 130 euros por noite (inclui pequeno-almoço)

 




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