Talvez pareça contrassenso falar de Loulé quando o assunto é fluvial. Afinal, os rios não abundam neste que é o maior concelho algarvio e, excetuando talvez a ribeira de Quarteira, a paisagem apresenta-se predominantemente seca, sem sequer a ocasional barragem a pontuá-la. No entanto, verdade de La Palice, os melhores segredos são aqueles que não estão à vista. Caso contrário, não seriam sequer segredos.
Acontece que boa parte do território se encontra sobre o aquífero Querença-Silves, nada menos do que o maior reservatório de água do Algarve, que se estende por 317 quilómetros quadrados. «Há mais de quarenta fontes em Querença», diz João Ministro, para ilustrar a riqueza deste subsolo.
João, fundador da agência especializada em ecoturismo Proactivetur, é um conhecedor dos recantos da região e um impulsionador do turismo responsável – tanto na vertente de natureza como na de contacto com a comunidade e de preservação do saber ancestral, e procura combinar ambas nos programas que promove. O passeio pela Fonte Benémola é um deles.
Ponto de encontro, QUERENÇA, a tal terra das quarenta fontes. Uma aldeia airosa, belíssima sala de visitas para quem aqui calhar a começar a descoberta do interior algarvio. O percurso começa mais abaixo, no fundo de um vale frondoso, que assim se mantém o ano inteiro. Fresco, vivo, vibrante. Trata-se da Paisagem Protegida Local da Fonte Benémola, uma área de mais de 400 hectares delineada em redor da ribeira da Fonte Menalva. Há um trilho marcado, que se pode fazer em autonomia, mas João Ministro conhece outros caminhos, também eles com água por todo o lado.
É notável a profusão de espécies vegetais – tanto de aromáticas como de árvores de fruto. Vingam medronheiros, romaneiras, nogueiras, abrunheiros. Figueiras, então, é mato (em ambos os sentidos). A partir da ribeira, corre uma levada, um sistema ancestral de rega regulado por carta régia que ainda hoje funciona, por meio de canais, comportas e noras – estas já caíram em desuso, mas dão bonitos monumentos ao esforço humano pela subsistência. Adiante um açude, feito espelho de água, e vestígios deixados pelas lontras que o habitam, lagostins, enfim, biodiversidade.
A caminhada é curta, faz-se a ritmo de passeio. Em coisa de hora e meia anda-se 5 quilómetros, perfumados a hortelã da ribeira e folhas de figueira. Quando se atinge a fonte O Olho, o caminho cruza-se com a Via Algarviana – que liga Alcoutim a Sagres por via pedonal – e é altura de parar. Para matar a sede e refrescar os pés no pego que ali se forma – mergulhar é difícil, mas sempre dá para chapinhar –, e para entrar na segunda metade do programa da Proactivetur.
Vanessa Flórido, jovem artesã especializada em fibras vegetais, ensina como se apanha, limpa e trabalha a cana, material abundante por todo o vale. Com a sua ajuda, aprende-se a fazer uma caixa-tubo «como as que os pastores usavam para levar o tabaco». Além da cana, Vanessa trabalha também a junça, a taboa, o buinho, variedades de junco que proliferam nos rios e ribeiras algarvios, com os quais empalha cadeiras, arte aprendida com o mestre António Gomes, da aldeia de Furnazinhas, em Castro Marim.
Vanessa é uma das artesãs que dão vida ao Projecto TASA, também uma iniciativa de João Ministro, apostada em recuperar técnicas ancestrais e ofícios caídos em desuso, cruzando-os de permeio com design contemporâneo, de olho na valorização daquilo que é artesanal.
Além de organizarem workshops e cursos – como aquele que pôs Vanessa em contacto com o mestre António –, a TASA tem uma loja em LOULÉ que merece visita.
Mas não é ainda altura de descer da serra. Há mais água para descobrir. Para norte, no AMEIXIAL, fica a Fonte da Seiceira, um pequeno grande triunfo da democracia participativa. Exagero? Nem por isso: este espelho de água cristalino, equipado com chapéus de palha, churrasqueira e um bom pedaço relvado, foi construído por vontade popular, no orçamento participativo de 2014. Em dias de canícula, ninguém se absterá de um mergulho, com certeza.
No sentido oposto, também à partida de Querença mas para a oeste, ao cabo de 30 minutos de estrada, chega-se a ALTE, destino obrigatório para quem se quer aliviar do calor. A Fonte Grande é uma visão inesperada no Algarve estival. Uma piscina natural com cerca de 100 metros de comprimento, rodeada de plátanos, oliveiras e outras sombras naturais, área relvada, zona de piqueniques, bares.
Do outro lado da vila, outro tesouro, mas este exige sorte. A mesma linha de água que alimenta a Fonte Grande adiante precipita-se de uma escarpa e cria uma cascata de postal, a Queda do Vigário, e esta, num mundo perfeito, dá origem a uma bela prainha semisselvagem.
O problema é tudo isto ser uma incógnita – a montante, a ribeira é desviada para irrigação de um laranjal, pelo que pode chegar-se ao local para dar de caras com um triste fiozinho de água. Mas a caminhada é curta, cinco minutos desde o estacionamento, nada como tentar a sorte. Ganha-se, pelo menos, uma agradável caminhada na serra.
MERGULHAR
Fonte da Seiceira
Espelho de água, com sombras, estacionamento e zona de piqueniques
EN2, Ameixial (Loulé)
GPS: 37.3684, -7.9683
Fonte Grande
Piscina natural de represa, com bar, sombras, estacionamento e zona de piqueniques
Rua da Fonte Grande, Alte (Loulé)
GPS: 37.2389, -8.1698
Queda do Vigário
Cascata natural com um pego onde se pode mergulhar. Caudal variável.
Alte (Loulé)
GPS: 37.2315, -8.1798
EXPLORAR
Proactivetur
Passeios guiados com forte componente de sustentabilidade
Tel.: 289416198
Preço: 65 euros (programa Passeio na Fonte Benémola; máximo 4 participantes)
Web: proactivetur.pt
COMPRAR
Projecto TASA
Rua de Portugal, 35 B, Loulé
Web: projectotasa.com
Encerra ao fim de semana
COMER
Sol e Serra
Cozinha tradicional e cozinha contemporânea
Corte Garcia, Querença (Loulé)
Tel.: 289422344
Encerra à terça.
Preço médio: 20 euros
A Tia Bia
Cozinha serrana a meio caminho entre Querença e Ameixial
EN2, Barranco do Velho (Loulé)
Tel.: 289846425
Encerra segunda ao jantar.
Preço médio: 20 euros
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