Vieira do Minho: Passear entre rios e serras à boleia do outono

Paisagens serranas atravessadas por rios dão encanto a um território cheio de vida, mesas fartas e lendas para descobrir. Um passeio para fazer à boleia das cores e sabores do Outono.

A água é o elemento que parece ligar todo o território de Vieira do Minho. Seja por meio de cascatas, lagos e riachos que dão ares da sua graça a cada recanto da serra da Cabreira, a pérola do concelho. Seja pelo abraço de barragens que a rodeia: a do Ermal – propícia à prática de desportos aquáticos -, de Salamonde, da Venda Nova e a da Caniçada. É nesta última albufeira que passeia O Brancelhe, o barco turístico do município, que durante todo o ano leva os visitantes a rasgar as águas pausadas do Cávado.

Dali a vista tem outro encanto. As encostas arborizadas – de um lado Vieira do Minho e do outro Terras de Bouro e a entrada para o imponente Gerês – espelham-se na água, que toma um tom esverdeado, e a certas horas do dia o reflexo é tão perfeito que não deixa perceber onde começa a imagem e acaba o real.

O passeio, por esta altura envolvido na agradável frescura do vento outonal, é cortado a meio caminho por um outro cenário, ao chegar à barragem. Começa a ver-se de longe um grande mural, com um rosto rodeado por ramos, pintado na parede da represa. Uma intervenção assinada pelo artista Vhils em 2018, em homenagem às gentes da região, ao património natural e ao empreendedorismo.

São também esses três pilares que sustentam o Oak Nature, um autêntico refúgio escondido no seio de um carvalhal, que nasceu este verão numa dessas varandas sobre o vale. Foi construído por um filho da terra, na propriedade de família, um alojamento que convida ao repouso, rodeado por quatro hectares de bosque, quase intocado. «A minha intenção sempre foi destruir o menor número de carvalhos», garante Guilherme Silva. Tarefa bem sucedida, não estivessem todos os quartos da casa, nove no total, completamente rodeados pelas frondosas copas dos ditos, quase a entrar pelos janelões, e já pincelados de algum rubor. Dá até a sensação de se estar numa casa da árvore envolta em silêncio, aconchego e uma tranquilidade reparadora.

Oak Nature (Fotografia: Cristiana Milhão/GI)

«É a natureza», garante Guilherme, o segredo para esta acalmia. Será verdade em boa medida, mas o spa ou a piscina com vista desafogada para a albufeira da Caniçada também contribuem.

Nestes dias chuvosos é ao crepitar da grande lareira e no embalo do antigo piano instalado na sala, à espera que o façam tocar, que se encontra conforto. Mas qualquer altura é bom pretexto para sair e caminhar pela propriedade, à descoberta os seus atributos naturais. Há um grande lago em tempos utilizado na criação de trutas e não poucas vezes vêem-se garranos a passear por ali. «Mais abaixo do lago também há uma cascata com uma antiga poça onde as mulheres da aldeia antigamente iam lavar a roupa», conta Guilherme.

A água é um recurso que de uma ou de outra maneira sempre fez mexer a região. Vai daí, não é de admirar que esteja também na origem de um outro empreendimento, na aldeia vizinha de Louredo, a Pousadela Village.

«Quando comprei este terreno, em 2009, foi com o intuito de ir buscar água para casa a uma nascente que aqui havia», explica Vítor Barbosa, um dos sócios-fundadores desse 4 estrelas incrustado na montanha. Essa mesma nascente está hoje visível na casa homónima, uma das 11 unidades de alojamento – de tipologia T1 e T2 – do complexo, inaugurado no verão de 2018.

«Dou muito valor às tradições da terra», admite Vítor, por isso quando foi hora de batizar cada uma das casa, todas construídas em granito antigo, decidiu dar-lhes o nome de um lugar da freguesia e decorá-las com elementos inspirados nos ofícios que antigamente estavam associados a cada um desses locais, como a pesca, a pastorícia e a moagem.

Um dos recantos mais encantadores do aldeamento é o miradouro com vista sobre o vale e o Cávado, onde um baloiço convida a admirar a paisagem por mais tempo. Tem-se cenário semelhante a partir da piscina infinita, mas para um mergulho no inverno sugere-se a piscina coberta. O hotel tem ainda várias parcerias com empresas locais que organizam passeios de 4×4, percursos de kayak, canoagem, canyoning e outras atividades.

Polvo à Lagareiro do Restaurante Pousadela (Fotografia: Cristiana Milhão/GI)

Uma boa maneira de conhecer a região, também representada à mesa do restaurante da Pousadela, onde o chef Vítor Rocha assina uma carta de sabores da época e da tradição, reinventados. É o caso do tenro e saboroso polvo à Lagareiro com croutons de broa de milho, ou dos miminhos à chef, regados com molho de natas e cogumelos (abundantes na zona) e o folhado de queijo e compota de abóbora. Bem acompanhados por uma carta de vinhos eclética.

Á semelhança das casas, também as salas do restaurante foram nomeadas em homenagem à região, Cávado e Ave, dois rios que banham o concelho. E até o bar mereceu uma carta de cocktails de autor inspirados no território, além do nome, Talefe, em referência ao ponto mais alto do município, na serra Cabreira.

 

O berço do rio Ave

«O outono e a primavera são as melhores épocas para vir para a serra», assegura Paulo Ribeiro, o fundador da Rota de Emoções, uma empresa que organiza passeios de todo-o-terreno e kart-cross pela Serra da Cabreira e pelo Gerês, no outro lado do Cávado.

Mas é da margem esquerda que se fala, na montanha que, diz a lenda, deve o nome a uma jovem cabreira que por ali guardava o seu rebanho, e que não poucas vezes se vê esquecida na sombra da serra vizinha, ainda que tenha também muito a descobrir. E disso sabe Paulo muito bem, que toda a vida se aventurou pelos caminhos daquela montanha, berço do rio Ave, e agora faz questão de os mostrar a quem a visita.

Ao longo do passeio, que nesta estação se pinta de cores quentes, descobrem-se miradouros, cascatas, riachos e lagoas. Atravessam-se bosques e pinhais. Vêem-se pastores com os seus rebanhos, garranos à solta com fartura, e com menos frequência lebres, milhafres, raposas, falcões, javalis e até lobos, que habitam aquelas terras.

No miradouro do Cabeço da Vaca, acessível também através de um dos cinco percursos pedestres assinalados na serra, abre-se um encavalitado de montanhas a perder de vista.

«Não há melhor serra do que esta» defende Paulo, ao chegar ao cume. A afirmação pode ser polémica, mas não se discute a beleza daquele cenário. No Talefe, o ponto mais alto da Cabreira, a 1262 metros de altitude, tem-se visão panorâmica sob as albufeiras que abraçam o município, a serra vizinha e as aldeias serranas, e sente-se um silêncio que aquieta. No inverno é frequente o Talefe cobrir-se por um manto de neve, mas a imagem que se abre dali também assume vários tons, com as florestas marcadas pelas cicatrizes dos fogos que assolaram a região e o país em 2017.

Caminhar pela serra, e em particular pelos seus densos carvalhais, é também encontrar em cada recanto uma imensa diversidade de cogumelos, alguns comestíveis e outros venenosos. Daí que as Jornadas Micológicas, uma iniciativa que o município organiza todos os anos em novembro – este ano acontece no dia 16 – seja uma boa oportunidade para aprender a identificar as diferentes espécies de cogumelos existentes na Serra da Cabreira, e que representam um dos ingredientes mais típicos na gastronomia da região. É presença fiel na cozinha do Retiro da Cabreira, instituição de peso em matéria de boa mesa. Os ditos, chegam ao prato em alho, azeite e vinho branco, como parte de uma seleção de entradas que é uma espécie de ode aos produtos da zona: rojões com castanha à minhota, alheira caseira, broa de milho, entre outros petiscos saborosos.

Retiro da Cabreira (Fotografia: Cristiana Milhão/GI)

«Só servimos produtos locais», garante Carlos Silva, o proprietário do restaurante, que prima por uma ementa sazonal, assinada pelo chef Monteiro e executada pela chef Emanuela. A posta barrosã na brasa, servida com redução de vinho tinto e alho, e o cabrito da serra assado com arroz de forno são as sugestões da época.

O inverno vai trazer pratos mais robustos. «Com a matança dos porcos começamos a fazer as papas e os rojões, depois vêm os cozidos com a carne da salmoura – aqui em Vieira temos um prato muito típico, as couves com feijão, que se faz com couve-galega, feijões amarelos e essas carnes curadas – e depois, na primavera, começam as chanfanas de cabra e de borrego», explica Carlos.

Para adoçar também há uma sobremesa típica, os barquilhos, uma espécie de bolacha em forma de cone, fina e estaladiça, servida tradicionalmente com compota da época e queijo.

De barriga consolada, é tempo de fazer uma caminhada para ajudar na digestão daquele festim. Encontra-se bom percurso já na fronteira com o município de Montalegre, um pequeno trilho de 10 minutos, pela margem escarpada do rio Rabagão, um afluente do Cávado, que leva à pitoresca Ponte da Mizarela, ou do Diabo, como é conhecida pelos locais.

Ponte da Mizarela (Fotografia: Cristiana Milhão/GI)

É um sítio encantador, com uma feroz cascata ao fundo e envolto em lendas. Uma delas atribui precisamente a sua origem – que se acredita ser da época medieval – a obra do demónio. Outra garante-lhe propriedades milagrosas, o que levou muitas mulheres a batizar ali os filhos ainda na barriga, com a água do Rabagão. Certo é que em 1809 passaram por ali as tropas francesas comandadas pelo general Soult, para fugir à perseguição dos soldados de Wellesley. É um daqueles lugares que fazem parte das pessoas, numa terra cheia de história e histórias a brotar em cada recanto, como a água que lhe dá vida.


À descoberta do Parque Nacional

Já não pertence ao concelho de Vieira do Minho, mas estando ali tão perto, vale sempre a pena fazer uma visita ao Parque Nacional Peneda-Gerês, ainda para mais sem as torrentes de turistas que o invadem no verão. A Equidesafios organiza várias atividades pela serra, como passeios equestres e de todo-o-terreno, que levam a conhecer alguns dos locais mais emblemáticos do Parque. As cascatas e lagoas, a encantadora Mata da Albergaria, por onde passa uma antiga via romana com os seus marcos miliários, e ainda miradouros deslumbrantes. «Mas quem quer conhecer mesmo o Parque tem de ser de mochila às costas, em caminhadas pela serra», lança Henrique Rodrigues, um dos guias que acompanha o passeio.

A cozinheira é quem manda

Aos 82 anos, Erminda Teixeira, ou Mindinha, como todos a conhecem, ainda se vê atarefada na cozinha da Casa Pancada, o restaurante típico que comanda há mais de três décadas. Todos os dias é uma surpresa sentar à mesa daquela casa, já que não há uma ementa fixa, é a cozinheira quem decide diariamente quais as especialidades que vai mandar para a mesa – ainda que existam sempre alternativas. Vitela assada é quase sempre uma das sugestões, que também incluem rojões, papas de sarrabulho, cozido à portuguesa, massa com feijão e por encomenda ainda o belo cabrito. Tudo feito lentamente, como se quer. Como a compota de abóbora, que fica a borbulhar na grande panela «até ganhar o ponto certo», declara Erminda. Quando finalmente estiver pronta vai ocupar o seu lugar à mesa, na companhia dos barquilhos, pois claro.

Arte num antigo solar

Numa antiga casa senhorial dos séculos XVI e XVII, conhecido como Casa de Lamas, edifício emblemático do concelho, está instalada a Casa Museu Adelino Ângelo, que tal como deixa adivinhar, alberga uma exposição permanente de obras do pintor Adelino Ângelo, um filho da terra. A seleção de pinturas é renovada com regularidade e há ainda várias exposições temporárias, que levam a percorrer as salas e corredores do solar. Vale ainda a pena passear pelo agradável pátio interior, com vista para o Parque Florestal

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