Roteiro pelos trilhos pedestres de Machico, na Madeira

Diz-se que é a estrutura geológica mais impressionante da Madeira e nós acreditamos: chama-se Penha d’Águia, é um monte saído a eito do chão e do mar e o seu topo oferece vistas única sobre a costa norte da ilha. Um trilho bonito de se fazer, como muitos outros por ali.

Ela, a Lua, era a grande ausente à chegada, pelo menos à vista desarmada. Mas havia um certo brilho no firmamento que desenhava a silhueta da Penha de Águia, negro em fundo negro, qual gigante assanhado a erguer o lombo do chão. Ou do mar. É uma forma inexplicável, um rochedo que parece impossível, uma protuberância descolada das serranias, a mais impressionante estrutura geológica da Madeira que esconde, até, a Lua. E é um susto valente: olha-se de baixo e pensa-se “cruzes” enquanto se faz o sinal dela, da cruz.

O projeto tem alguns anos, a valentia nunca lhe permitiu a concretização, tudo aquilo é tão belo visto de baixo, dos zero metros de altitude, da esplanada do Engenho do Norte, hoje a “Casa do Rum” que dá início à Promenade do pequeníssimo Porto da Cruz e abraça, a oriente, a baía pequena daquela freguesia do Machico.

O projeto é, pois então, subir aos céus. Nem são, admitamos, céus altos por aí além – 590 metros. É só a impressão que aquela parede a pique dá. Dizem-nos que morreu gente há tempos, um moço que se lançou em base jumping e foi traído pelo pára-quedas. E depois dizem-no o resto, dizem-nos a vida das gentes que cresceram e da lenha que se multiplicava inexorável no penedo para morrer debaixo de panelas ao lume.

“Subir à Penha de Águia, eu? Só quando houver estrada e vou de carro”. Teresa Carvalho olha-nos com um misto de incompreensão e de certeza: só podemos estar malucos para nos metermos a trepar uma obrigação. “De pequena era subir, pé rapado, para lá amanhecer e trazer um molhinho de lenha. De noite que era para depois ir para a escola.” Pé rapado? Sim, descalça. “O sapatinho era só para ir à missa. E ia uma irmã à primeira missa e ia outra à segunda. Os sapatos de Teresa iam todos os domingos duas vezes à missa.

(Fotografia: DR)

Data desse tempo o trilho que abordamos, com a sapatilha de trail último grito a dar-nos conforto para a empreitada que nos enche o peito. Do mar do Porto da Cruz toma-se o Caminho Velho do Massapez que já é, ele só, uma parede de respeito – é a primeira declaração de óbito mental na prova Trail Porto da Cruz Natura que por ali se cumpre todos os meses de julho, a primeira porque sucedem-se, as declarações de óbito naquele parte-pernas que nos leva a lugares mais belos ainda porque nos atira para fora dos percursos pedestres –, até desembocar por cima da entrada do Túnel da Cruz que veio alterar para sempre as memórias das gentes daqui. Dali, a placa que aponta a vereda do nosso contentamento faz fronteira com o Katrepa’s Bar, que é dono de uma das melhores ponchas da Madeira e onde sabemos que nos poderemos reconfortar à chegada.

Atrás da placa, nem de propósito, arranca o Caminho da Cruz. A vereda, essa, faz-lhe literalmente um manguito e embrenha-se mato adentro, por um chão tantas vezes pisado por pequenos pés rapados à cata do nascer do dia e de lenha. Dizem todos os sítios da Internet e sobretudo o VisitMachico que aquilo é de dificuldade “difícil” e vertigens “algumas”, que leva 2.30 horas para pouco mais de três quilómetros e que o terreno é “irregular a íngreme”. Dizem também que é para “caminhantes com uma boa resistência física e que tenham à-vontade com as alturas, pois a realidade não deixa de ser altiva”.

A verdade é que aquilo que nos acolhe é um túnel de verde e Natureza, numa subida íngreme, sim, mas larga qb para não percebermos o que despenca para lá das árvores e onde cruzamos caminhantes, alguns com ar de boa resistência, a maioria dos restantes nem por isso. Porque, e isto é a sério, toda aquela conquista é boa. É bonita de morrer e tem, ainda, resquícios do tempo de glória infantil de Teresa: um cabo de ferro que servia para fazer descer os feixes de lenha mais pesados até chão seguro. Há degraus naturais, a terra é batida e imaginamo-la escorregadia em dias de chuva, hoje está o melhor que se pode ter, fofa. E abre-se, depois de meia dúzia de chicanes já a mostrar os nervos da pedra, sobre o horizonte. Sobre o presépio que é o Porto da Cruz visto de riba, aconchegado na parte nobre, espalhado pintalgando a montanha na parte agrícola.

(Fotografia: DR)

Diz o mapa que a vereda é de duplo sentido. Porque o mapa é do Machico. Mas a Penha de Águia não. É do Machico e de Santana. Se os marcos geodésicos assinalam o ponto mais alto de um dado monte, ali estamos, nos quase 600 metros de altitude, no lado sul da Penha, com vista para o majestoso Pico do Areeiro. E decidimos seguir em frente. Há demasiada Madeira para ver para nos cingirmos a uma ida e volta pelo mesmo trilho.

Imergidos da floresta, apresenta-se-nos o Atlântico, que se faz espelho quando é visto dali das alturas. Ao fundo, perfeito, o Porto Santo, lá em baixo, o Faial. E logo a perceção de que a ilha é um grupo de crocodilos em conferência e que só há zero altitude nas baías. E que o que desce sobe e o que sobe desce, pelo que sem querer vamos ter de pôr mais desnível nas pernas para regressar à base. Paciência. Tudo é belo, o Caminho Real da Madeira em trechos intactos, pedrinhas abauladas por séculos de uso, degraus como as pedras, abaulados, descida cumprida subida adiante até à espinha de um dos crocodilos, até à velha estrada regional que definhou com o túnel, até ao café de Laurentino Câmara e às favas e aos torresmos que nos parecem um prazer inigualável, trincados com Coral e suor junto aos matrecos enfeitados com uma jarra, paredes paradas no dia do nascimento do raio do túnel.

Estamos quase prontos a descer o que falta, com duas veredas em vez de uma, dez quilómetros nas sapatilhas, um total de 800 metros de desnível positivo, meia dúzia de pessoas cruzadas e a constatação de uma verdade verdadeira apanhada na leitura que nos acompanha até à Madeira, “O alfarrabista de Ponta Delgada” de Francisco Duarte Mangas, “o abandono dá figos muito verdes”, ou, na versão menos poética de Agostinho, dono do nosso quarto na Maiata, “vão-se as casas, ficam os figos”. A visão de uma placa a indicar uma ribeira que esconde um geossítio com as rochas mais antigas expostas na Madeira e cujo nome resume todo este feitiço fecha o trilho, “Tem-te Não Caias”.

A Penha de Águia é um feitiço quando a olhamos da porta da mercearia-bar de Sónia, filha de Teresa, no largo da Igreja do Porto da Cruz. É um monstro que julgávamos indomável. Tornou-se um amigo, um tema de conversa. Teresa insiste: levou com ela demasiadas vezes no lombo para olhá-la de sorriso aberto, naquela altura em o que hoje é trail/trekking se chamava “necessidade” e a Lua era a companhia das subidas. Se algum dia ouvirem a palavra “moonspell” nas ruas do Porto da Cruz, é mesmo disso que se trata. Do feitiço da Lua que vimos no dia seguinte, enorme em pleno dia. Aquele rochedo só pode ter sido erguido num ato de magia negra…

(Fotografia: DR)


Machico a pé

A Vereda da Penha de Águia é apenas um dos percursos, e dos mais curtos, do enorme concelho do Machico. Intitulado “Madeira Trail Capital” (mmtc.pt), tem 11 percursos de treino que somam 160 quilómetros, muitos deles encaixados nos bem marcados trilhos pedestres (algumas pequenas rotas – PR). O site visitmachico.com tem mapas muito úteis e dicas para os diferentes percursos.


Percursos pedestres

Vereda da Ponta de São Lourenço
Caniçal
Dificuldade média
8,4 km
Altitude máxima/mínima 162m/63m
Pouca vertigem

Vereda da Ribeira do Natal
Caniçal
Dificuldade média
2,6 km
Altitude máxima/mínima 317m/44m
Pouca vertigem

Vereda da Boca do Risco
Machico
Dificuldade média
2,3 km
Altitude máxima/mínima 349m/156m
Pouca vertigem

Seguindo para o Caniçal
Dificuldade difícil
8,4km
Altitude máxima/mínima 549m/166m
Alguma vertigem

Seguindo para o Porto da Cruz via Vereda do Larano
Dificuldade média
9.3km
Altitude máxima/mínima 384m/166m
Alguma vertigem

Levada do Caniçal
Caniçal
Dificuldade fácil
7,6 km
Altitude máxima/mínima 244m/233m
Pouca vertigem

Vereda do Pico Castanho
Machico
Dificuldade difícil
9 km
Altitude máxima/mínima 631m/232m
Pouca vertigem

Levada dos Maroços
Machico
Dificuldade média
11,8 km
Altitude máxima/mínima 264m/238m
Pouca vertigem

Vereda das Funduras
Porto da Cruz/Machico
Dificuldade média
7,7km
Altitude máxima/mínima 633m/197m
Pouca vertigem

Levada da Serra do Faial
Santo António da Serra
Dificuldade média
9,2km
Altitude máxima/mínima 862m/634m
Pouca vertigem

Levada do Furado
Porto da Cruz/Santo António da Serra
Dificuldade média
10,7km
Altitude máxima/mínima 865m/635m
Alguma vertigem

Levada da Referta
Porto da Cruz
Dificuldade média
4,5km
Altitude máxima/mínima 311m/225m
Alguma vertigem

Levada do Castelejo
Porto da cruz
Dificuldade média
11,8km
Altitude máxima/mínima 387m/266m
Pouca vertigem

Vereda da Penha de Águia
Porto da Cruz
Dificuldade difícil
3,4km
Altitude máxima/mínima 604m/261m
Alguma vertigem


Percursos de treino

Chão das Feiteiras – Pico do Suna – Levada do Furado – Chão das Feiteiras

13,5km
Altitude máxima/mínima 1399m/786m

Larano – Boca do Risco – Caniçal

8,5km
Altitude máxima/mínima 549m/160m

Lombinho – ½ km vertical

6,6km
Altitude máxima/mínima 612m/32m

Percursos de treino Machico

22km
Altitude máxima/mínima 650m/0m

17km
Altitude máxima/mínima 600m/0m

4km
Altitude máxima/mínima 288m/0m

Percursos de treino Porto da Cruz

9km
Altitude máxima/mínima 297m/8m

19km
Altitude máxima/mínima 890m/0m

35km
Altitude máxima/mínima 1400m/0m

Ribeiro Frio – Chão das Feiteiras – Ribeiro Frio

7,5km
Altitude máxima/mínima 1184m/932m

Sky Trail Camp

Três dias
54km
Altitude máxima/mínima 1400m/5m

Summer Trail Camp

Três dias
49km
Altitude máxima/mínima 6500m/0m



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