Guias das cidades: Coimbra passo a passo e rente à natureza

O Seminário Maior de Coimbra, de traço italiano. Fotografia: Maria João Gala/GI
Sara Cruz, entusiasta da história e do património, não tem feitio para estar fechada num escritório. O seu trabalho é mostrar aos visitantes as diversas faces da cidade e de toda a zona Centro, e ao almoço ainda é capaz de ir recolher lixo, por amor ao planeta. Este roteiro, feito a pé, envolve jardins, fontes, opções vegan e consumo sustentável.

Sara Cruz, de 33 anos, tem várias paixões: ecologia, veganismo, heavy metal (é vocalista numa banda). Mas mais conhecido é o seu gosto pelo património, ou não tivesse fundado a empresa de animação turística Go! Walks Portugal, responsável pela introdução de visitas guiadas temáticas a pé em Coimbra, a sua cidade de sempre.

A guia nasceu na Rua da Sofia, Património da Humanidade, frequentou a creche do Portugal dos Pequenitos, feliz, a brincar entre as casinhas, e depois escolas à beira do Mondego. Sempre adorou História, mas quando foi para a Universidade escolheu Direito. Durou sete meses: não se ambientou, nem queria estar fechada num escritório. “Sou um passarinho”, diz. Mal pôde, mudou para Turismo, Lazer e Património.

A cidade vista do Seminário Maior de Coimbra.
Fotografia: Maria João Gala/GI

Durante o curso, Sara acumulou voluntariados em eventos e estágios, e nem assim encontrou emprego na área quando terminou os estudos, em 2008, em plena crise. Foi fazendo outras coisas, até que conseguiu um estágio profissional no Fado ao Centro, no Quebra-Costas. Em 2012, ganhou coragem para abrir a sua empresa. Queria mostrar Coimbra na sua globalidade e aumentar o tempo de permanência dos turistas. “Os primeiros três anos não deram sequer para pagar um salário”, recorda. Valeram-lhe o apoio familiar e a sua grande resiliência.

Hoje, a Go! Walks Portugal emprega três pessoas a tempo inteiro e mais algumas a tempo parcial. Continua a promover visitas guiadas a pé em cenário urbano, com temas como Coimbra Património Mundial ou beira-rio e histórias de amor, e também programas mais extensos em todo a zona Centro. Mas os roteiros personalizados é que lhe têm trazido as histórias mais marcantes.

Um cliente pediu-lhe que guiasse uma historiadora americana cujos pais, judeus, haviam fugido de França, durante a II Guerra Mundial, com um visto de Aristides Sousa Mendes, e sido acolhidos, pelos avós dele, na Figueira da Foz.

Já teve um cliente com raízes inglesas que viajou da Austrália de propósito para visitar os sítios, no Buçaco, onde haviam decorrido as guerras peninsulares, em que o avô participara. Até lhe mostrou um documento, assinado pela rainha de Inglaterra, com o nome do seu familiar.

Outro homem pediu-lhe que guiasse uma historiadora americana cujos pais, judeus, haviam fugido de França, durante a II Guerra Mundial, com um visto de Aristides Sousa Mendes, e sido acolhidos, pelos avós dele, na Figueira da Foz, de onde escaparam de barco. A senhora, que chegara ao amigo pelas redes sociais, pôde, enfim, conhecer os locais onde os pais tinham estado (o Portugal dos Pequenitos era um deles) e a casa de Aristides, o que a emocionou.

O trabalho de Sara também desencadeou mudanças na sua vida pessoal. Se hoje se preocupa tanto com o ambiente é porque começou a ver a seca, o lixo, a destruição, nas suas deslocações. Agora, se for com clientes à Nazaré, na pausa de almoço aproveita para recolher plástico da praia. O mesmo numa aldeia do xisto. E a sua alimentação é vegan, baseada em produtos locais, porque “também há formas devastadoras de ser vegan, se consumires coisas que vêm de longe”. O roteiro que se segue corresponde à caminhada que faz nas manhãs de sábado – quando tem uma livre, claro.

Roteiro dos afetos:

Penedo da Saudade

Este jardim romântico, povoado de lápides, de onde se vê Coimbra e parte do Mondego, começou por ser um miradouro. Junto ao Retiro dos Poetas, Sara Cruz explica: “Nos anos 1930, começaram a pôr aqui lápides com poemas dedicados à cidade, que são, na sua maioria, baladas de despedida dos estudantes da Universidade de Coimbra”. A mais conhecida é a balada do 6.º ano médico de 1958, mas há outras bem recentes, em forma de guitarra de Coimbra ou de torre da Universidade. A guia – que leva ali clientes numa visita noturna em torno das panorâmicas da cidade – escolheu o Penedo da Saudade por ser um sítio bonito e pouco frequentado, ideal para quem aprecia o sossego.

Fotografia: Maria João Gala/GI

Seminário Maior de Coimbra

Só há um par de anos é que o Seminário Maior de Coimbra abriu as portas ao público, com visitas guiadas que dão a conhecer a riqueza daquele património, junto ao Jardim Botânico. O edifício, de traço italiano e com mais de 250 anos de história, tem vários espaços emblemáticos, como a Igreja da Sagrada Família, a Sala dos Azulejos ou a Biblioteca Velha, que guarda obras do século XVI ao século XVIII. Tem ainda uma cafetaria com uma parede repleta de livros, um piano, café e bolo à fatia. E, lá fora, sobranceiro ao Mondego, um baloiço fotogénico, com lugar para duas pessoas.

Jardim Botânico

“O Botânico é o meu sítio preferido de Coimbra, pela natureza, pela diversidade e porque é diferente todos os dias – as cores mudam”, conta Sara, que aproveita o Mercadinho do Botânico, ao sábado de manhã, para fazer compras sustentáveis. Enche um saco de pano com abóbora, sumo de uva e molho pesto em recipientes que há-de devolver aos pequenos produtores locais, recuperando parte do valor pago.

Segue-se uma caminhada pelo jardim e pela mata, um total de 13,5 hectares com árvores centenárias, fontes, estufas, uma capela e um bambuzal. A mata liga a Alta à Baixa, trajeto que pode ser feito a pé ou num autocarro que disponibiliza informação turística (a guia aconselha a usar os próprios auscultadores, pois os do veículo são descartáveis).

Descendo até à Rua da Alegria, encontra-se um fontanário com azulejos com a figura de uma tricana, rapariga do povo que inspirou poetas e artistas, representada a transportar água desde a fonte ou do rio. Este é um dos sítios onde se pode encher a garrafa reutilizável com água potável, junto a um elétrico em exposição – Coimbra foi a primeira cidade do país a ter elétricos, nenhum deles ativos, hoje. Mais uns passos e chega-se às Galerias Topázio, onde funcionou a cervejaria homónima. Lá dentro existe um restaurante de cozinha macrobiótica vegan que Sara recomenda: a Cozinha Consciente.

Fotografia: Maria João Gala/GI

Museu da Água

No Parque Dr. Manuel Braga, rente ao Mondego, fica o Museu da Água, que tem exposições temporárias e uma varanda sobre o rio, quase secreta. Sara gosta de ir ali ver a paisagem, feita de água e pontes, com a margem esquerda em destaque e, nas nossas costas, arte urbana representando a ligação entre Coimbra e o rio. “O Mondego sempre foi importante para o desenvolvimento da cidade, desde o tempo dos romanos”, observa. No museu também há torneiras e copos de papel, para matar a sede. Ela prefere, mais uma vez, encher a sua garrafa reutilizável.

Fotografia: Maria João Gala/GI

Coisas da Lena

É no espaço Coisas da Lena, na Baixa, que Sara encontra “o melhor pão da cidade”, diz, enquanto guarda no saco de pano um pão alentejano com nozes feito pela proprietária, Helena Gomes. Um dos seus pontos de paragem é este restaurante de comida caseira (alguma vegetariana) que é também uma loja de produtos nacionais. Depois de atravessar a Baixa em direção ao Mercado Municipal D. Pedro V, com as suas bancas coloridas por legumes e flores, sobe à Alta pelo Elevador do Mercado, aproveitando a vista. A viagem, equivalente a qualquer outra nos Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra (SMTUC), custa 1,60 euros – menos ainda se o título de transporte for previamente carregado.

Fotografia: Maria João Gala/GI

O Burrito

Neste tasco vegano, todas as propostas são de inspiração mexicana e 100% vegetarianas. Há burritos, quesadillas, nachos e doces, como “twix” de Aveia com tâmaras e chocolate, a provar que a alimentação desprovida de ingredientes de origem animal não tem de ser complicada nem cara, sublinha a gerente d’ O Burrito, Regina Mestas. Sara é cliente habitual da casa, pela “comida super saborosa”, pelas pessoas que lá trabalham e por ser “um espaço de paz e convívio”.

Fotografia: Maria João Gala/GI

O Burrito – onde tudo é feito de forma artesanal e quase sem desperdício – fica na Alta de Coimbra, junto à Igreja de São Salvador, edifício do século XII que chegou a guardar o túmulo de Afonso Henriques. Quando havia cercos à cidade, era transportado para aquele lugar, porque ficava dentro das muralhas.

Fotografia: Maria João Gala/GI

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.




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