Roteiro pelas praias e lagoas do oeste, entre conchas e criaturas marinhas

Os segredos mais bem guardados das praias do Oeste ficam entre São Martinho do Porto e Foz do Arelho. De caminho ainda há margem para passear na Lagoa de Óbidos e descobrir toda a história dos musaranhos, essa figura mitológica que - juram os pescadores - morava naquele mar até ao início do século XX.

São Martinho vive, ainda hoje, os resquícios desse tempo: uma boa parte dos proprietários são famílias da classe média-alta de Lisboa, que se resguardam na pacatez da vila do bulício da cidade. A partir da marginal, percebe-se bem a razão de não abdicarem desse tesouro: o mar calmo, ideal para as crianças, meia dúzia de barcos a enfeitar a baía, barraquinhas alinhadas. «Cada vez que aqui chego é como se regressasse à infância», diz Paulo Ribeiro, sentado na esplanada do restaurante Ó DA CASA, um dos três espaços que detém, na praia de São Martinho. Tal como a maioria dos que ali investiram, Paulo não mora na vila, mas antes na vizinha cidade de Caldas da Rainha. Apesar de esta ser uma freguesia de Alcobaça, caminha sempre mais para sul.

Paulo brincava na baía em pequeno, passou ali toda a infância, um histórico comum a tantos outros investidores, como haveremos de descobrir. Quando regressou com a família dos Estados Unidos, assentou arraiais por ali. O cheiro a limo (a alga que pinta de verde o mar de São Martinho) acompanha-o desde então, para onde quer que vá. De modo que só podia ser em São Martinho que o negócio familiar poderia florescer: primeiro com a cervejaria Samar, depois com o Boca do Mar, e mais tarde com o Ó da Casa. A aposta mais recente recaiu no peixe fresco e no marisco, com uma ementa tão apreciada pelos turistas estrangeiros, noutros anos. Desta vez é mais fácil conseguir mesa com vista para o mar, enquanto se saboreia a parelhada ou a mariscada.

(Fotografia de Maria João Gala/GI)

Uma praia para famílias

As manhãs são tradicionalmente nubladas e pedem muitas vezes um agasalho. São Martinho é sobretudo uma praia para famílias, e por isso é comum ver regressar muitas das crianças de antigamente que em jovens optaram por outras paragens e que, uma vez adultos, e já com filhos, retornam à baía e às casas de família.

Há, porém, muito palacete transformado em alojamento local, uma resposta que nos últimos anos foi criada a pensar no turismo nórdico que ali veio ter. Este verão, fala-se mais português em toda a parte, seja na praia, nas esplanadas, ou em SALIR DO PORTO, onde fica a maior duna do país (que já foi a maior da europa). É obrigatório um desvio a esta pequena praia, nem que seja para sorrir com os que se aventuram a subir a duna, a custo, ou os mais pequenos que rebolam por ela abaixo.

(Fotografia de Maria João Gala/GI)

Em dias claros, como quase sempre acontece depois do meio-dia, vale a pena subir ao Farol e ao Cruzeiro. De resto, há mesmo um percurso pedestre para fazer: demora duas horas e meia e começa junto ao nível do mar, mas sobe à Casa Abrigo do Salva Vidas e depois ao miradouro. A vista permite perceber a formação da baía, com três quilómetros de areal e uma barra de 250 metros de abertura, com as fronteiras marcadas pelos Morros de Santana a sul e o farol a norte.

Na linha da costa, o percurso conduz-nos até à praia da Gralha. Com um areal muito extenso em forma de concha, rodeada de arribas, o que lhe dá beleza natural. A praia não tem infraestruturas de apoio, sendo escolhida sobretudo por praticantes de parapente e de pesca desportiva.

O Páteo da Concha

O regresso a São Martinho faz-se pela Serra dos Mangues, a 70 metros de altitude. Esta etapa final obriga a algum esforço. Mas a profundidade do oceano e os moinhos de vento, que assinalam os pontos mais elevados, dão um empurrão motivador até ao ponto de partida.

De volta à vila, o ascensor é uma boa forma de chegar à parte cimeira. Não há melhor para recarregar energia que uma visita à PASTELARIA CONCHA, que desde 1986 estás nas mãos dos amigos António Pedro e Luís Frutuoso. É Inês, a filha deste último, quem faz agora as honras da casa. António está em vias de se aposentar mas ainda é das suas mãos que saem tranças, argolas de ouro, pasteis de nata, parras e conchas, claro. Esta história começa em 1950 «com seis mulheres a vender bolos na praia, com uma lata», conta Inês Frutuoso, que trocou o ensino dos mais novos pelo atendimento ao público diverso. Lá em baixo ainda se mantém a Piaggio e a lata em cima, para quem não aguenta subir ao cume da vila para matar desejos. Ainda assim, vale a pena o esforço. Nem que seja para desfrutar do pátio resguardado por suculentas, um toldo de praia e muito sossego.

Jantar ao pôr-do-sol

Na marginal os restaurantes foram reabrindo em junho, à medida que o público foi perdendo o medo da pandemia. Com cautelas e muitas medidas de segurança, estão a funcionar em pleno este verão. Quando a noite se anuncia, São Martinho guarda um dos melhores registos ao pôr-do-sol. É possível jantar na linha de praia com esse cenário, à mesa da TABERNA MARGINAL, por exemplo. José Elói tinha o sonho antigo de abrir um restaurante na praia das suas memórias, para juntar ao Maratona, outra referência nas Caldas da Rainha. Aconteceu em 2018. «Vivi os melhores anos da minha vida em São Martinho do Porto. Sempre achei que a praia tinha muito potencial para um espaço como este», conta à Evasões, enquanto descreve as iguarias que o chef Ângelo Lampreia vai construindo na cozinha. Eis o sonho realizado de ter «uma taberna contemporânea junto ao mar», cuja carta segue a mesma linha dos outros espaços onde Elói já se empenhou, com nomes originais. Ficamo-nos pelos Bonitos (pastéis de atum, aveia e vegetais com molho agridoce), pelo Sítio do Pica Pau (pica-pau de carne maturada, molho de cerveja e bata doce), da rubrica Partilho Logo Existo, ou pelo El Carbon, que quase ganhou o estatuto de especialidade da casa. Depois, convém guardar espaço para Uma Sobremesa Chamada Desejo, seja ela em forma de say cheese (tarte de três queijos) ou Onda Choc (bolo de mousse de chocolate com raspas de laranja e amêndoa caramelizada).

(Fotografia de Maria João Gala/GI)

A antiga Estalagem Concha tornou-se um hotel bem acolhedor, ideal para quem quer ficar perto do mar e no centro da vila. Luísa Graça adquiriu o imóvel em 2014, numa altura em que já morava em São Martinho nos meses de verão. No inverno, fica por Alcobaça. «Eu sabia o que queria e daquilo que gostava, em função dos espaços que fui visitando, e então fizemos uma recuperação total», conta, descrevendo o HOTEL CONCHA como «modesto, simples e arejado». Desde abril de 2017 que se esforça por dar a quem visita aquele alojamento todo o mimo em forma de pequeno-almoço, para compensar o facto de não haver piscina, por exemplo. Em tempo de pandemia, também a sala de estar teve de sofrer alterações. Agora já não há a grande fruteira na receção, que era imagem de marca da casa. Mas continuam as frutas, os sumos naturais, servidos ao balcão para compensar a mudança do buffet. O hotel é composto por 26 quartos mais quatro apartamentos, devidamente equipados com cozinha – concebido especialmente para famílias. Como toda a praia, afinal.

(Fotografia de Maria João Gala/GI)

Como se fosse o Bilene

Quando ANA SOBRAL pisou pela primeira vez as areias claras da Foz do Arelho, sentiu-se em casa pela primeira vez desde que deixara Moçambique. «Pareceu-me a praia do Bilene», recorda. A ceramista mantém um atelier junto à praia, e é ali que faz nascer em pasta de grés e olaria as peças mais originais. «Comecei com o barro vermelho, fui experimentando materiais», conta a artista, que embarcou nesta aventura há 33 anos. Depois licenciou-se na ESAD, em Caldas da Rainha, e desde então dedica-se quase em exclusivo à cerâmica. Fala da Foz ainda apaixonada: «é um ecossistema que devia ser mais respeitado. Adoro este lugar, contactar com os pescadores». Na verdade, Ana Sobral vive naquela espécie de triângulo dourado que contempla a praia, a cidade e o espaço verde. Gosta de quase tudo por ali, mas gostaria mais ainda se visse melhorado o espaço público.

Houve um tempo em que a Foz do Arelho era bem conhecida pelos espaços de diversão noturna. Mas as discotecas fecharam e os rapazes dos bares dos anos 90 tornaram-se os empreendedores da atualidade. É o caso de Emanuel Minez, proprietário do Cais da Praia, em pleno areal. Depois da adolescência e juventude nos bares e discotecas da Foz, tornou-se técnico de informática. Mas aos 25 anos largou tudo e abriu um bar na (sua) praia. Tem agora 39, um negócio que se estende a dois bares em Lisboa. É ali, no areal da Foz do Arelho, que se sente em casa, ao lado da mulher, Ângela, que orienta copa e cozinha. Enguias, ameijoas e berbigão à Bulhão Pato e outros petiscos bem portugueses juntam-se aos pratos de cozinha internacional, como o ceviche de atum, o hambúrguer de grão com caril e batata doce, e várias opções vegetarianas. Vale muito a pena provar a versão do polvo à lagareiro, o bacalhau à Cais, ou os filetes de robalo corado. E rematar tudo com um pudim de azeite e mel ou uma mousse de chocolate inigualável.

Antes de um vírus virar do avesso a vida do mundo inteiro, as noites frescas desta região oeste terminavam tarde. Qualquer restaurante se transformava em bar, madrugada dentro. Agora faz-se silêncio, tão propício para ouvir e ver o mar, seja em São Martinho ou na Foz do Arelho.

(Fotografia de Maria João Gala/GI)

À procura de musaranhos e outros mitos na Lagoa de Óbidos

Miguel Azevedo e Castro é um estudioso e apaixonado do universo marinho, mas sobretudo da Lagoa de Óbidos. Percorrê-la a partir da Foz do Arelho, de barco, é um programa imperdível para quem quer saber da história e da riqueza do lugar. É possível fazê-lo no conforto do barco a motor, ou de bateira – os pequenos barcos típicos da região. Miguel faz de cicerone ao leme da Intertidal, a empresa que criou para promover cruzeiros na Lagoa, passeios de kaiak e outros eventos. De caminho, há lugar para uma paragem no Covão dos Musaranhos. E esses «são apenas uma das figuras mitológicas que habitam nas memórias da Lagoa», metade homem, metade peixe. Afinal, a versão masculina das sereias. Mas no Covão é tudo bem real. O bar/restaurante da família Lopes mora há 26 anos à beira da Lagoa e tem sempre refeições ou petiscos ao longo do dia. Se é do imaginário que falamos, nada como experimentar o esparguete com tinta de choco, camarão e delícias do Mar.

 

 

EVASÕES RECOMENDA

FICAR

Hotel Concha
Largo Vitorino Fróis, 21-23
Tel.: 262098348
Web: hotelconcha.com
Quarto duplo a partir de 80 euros/noite (inclui pequeno-almoço).

COMER

Pastelaria Concha
Rua José Bento da Silva, nº 39
Tel: 262989885
Aberto todos os dias, das 8h00 às 19h00

Restaurante Ó da Casa
Avenida Marginal, Casa Azul, São Martinho do Porto
Tel: 262989473
Web: saomartinhotakeaway.pt
Aberto todos os dias.
Preço médio: 20 euros

Taberna Marginal
Avenida Marginal, 26 J, São Martinho do Porto
Tel: 262140419
Web: taberna-marginal.business.site
07Das 12h30 às 16h e das 19h às 23h. Quarta e quinta apenas jantares.
Preço médio: 25 euros

Cais da Praia
Avenida do Mar, 1, Foz do Arelho
Tel: 262283218
Web: caisdapraia.com
Horário: das 12h00 às 15h00 e das 18h30 às 22h00
Preço médio: 20 euros

Covão dos Musaranhos
Quinta do Bom Sucesso, Óbidos
Tel: 262969930
Das 10h30 às 19h.
Preço médio: 15 euros

FAZER

Intertidal – Passeios de Barco
Rua Francisco A Grandella, 115, Foz do Arelho
Tel.: 912866684
Web: intertidal.pt
Passeios a partir de 25 euros.

COMPRAR

Ana Sobral Ceramista
Rua Vale Moleiro, nº 7, Foz do Arelho
Tel: 960086752
Email: [email protected]



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