Muitas cozinhas numa só no restaurante Kampo, no Funchal

Chefs Júlio Pereira, do Kampo, e Luís Brito, do A Ver Tavira (Fotografia de Miguel Pereira/GI)
Júlio Pereira convida até ao final do ano chefs para "ocuparem" a sua cozinha uma vez por mês. É o programa 12 Meses, 12 Chefs.

Pouco faltava para o meio-dia e a cozinha do Kampo já estava em alvoroço. Nada de extraordinário para um restaurante que serve almoços. Mas no dia 29 de abril, o alvoroço era diferente do normal. É que quem tomou as rédeas da cozinha nesse dia foi Luís Brito, chef do restaurante A Ver Tavira, no Algarve, como quarto convidado do programa 12 Meses, 12 Chefs.

Organizado pelo chef do Kampo e do Akua, no Funchal, Júlio Pereira, o evento mensal está a chegar a meio da temporada, tendo sido Louis Anjos o mais recente convidado. Em junho será João Rodrigues, ex-chef do Feitoria, a fazer as honras, dia 24.

Sendo um “ilhéu”, com um restaurante que “está longe da atualidade gastronómica”, como diz o próprio Júlio, a vontade de organizar estas parcerias surge, principalmente, pelo desejo de “formar”, tanto “o pessoal como os clientes”. E também mostrar o que de melhor tem a região.

“Queremos trazer a nós pessoas com outras cozinhas, outras formas de ver o mundo e a nossa cultura, e que tragam os seus sabores para os nossos clientes”, diz. Júlio ensaiou um pouco este sistema de parcerias durante a pandemia, no programa Kampo de Partilha: “Foi diferente, emprestei a minha cozinha ao Diogo Rocha [Mesa de Lemos] e ao João Rodrigues, pessoas que há mais de seis meses não cozinhavam. Durante esses seis dias tivemos a casa sempre cheia. Correu tão bem e foi tão importante para nós que decidimos este ano voltar a convidar chefs.”

Em janeiro, a cozinha foi entregue a Tiago Bonito (ex-Largo do Paço) e fevereiro a Rodrigo Castelo (Ó Balcão). Nos próximos seis meses os convidados serão chefs estrangeiros. Os nomes ainda não foram anunciados, mas sabe-se que virão de Nova Iorque, Milão, Barcelona, Bruxelas, Paris e País Basco.

Blend Madeira/Algarve
Apesar de não haver propriamente regras, todos os almoços têm um elemento de destaque. A 29 de abril foi o mel de cana. Produto típico da Madeira, o mel é extraído diretamente da cana de açúcar. A Fábrica do Ribeiro Seco foi um dos pontos de paragem dos chefs, pois esta visita inclui também um périplo para os continentais se familiarizarem com alguns dos produtos locais (além desta fábrica, também se visitou a do Chábom).

O chef utilizou o mel de cana em dois momentos: no prato com vazia maturada e aipo e na sobremesa de alfarroba. Esta última vai mesmo entrar para a carta do Kampo. “Queria ter uma homenagem ao Algarve e este tem produtos de lá, como alfarroba e amêndoa. A sobremesa vai se chamar Não É, porque parece de chocolate, mas não é, parece ter um sorbet de laranja, mas é de tangerina, e parece caramelo, mas é mel de cana; e parece nossa, mas não é [risos]”, brinca Júlio.

Toda a refeição foi elaborada com referências ao Algarve e à Madeira, até porque o arquipélago não é estranho a Luís Brito: em 2008 e 2009, foi chef executivo do Hotel CS Madeira Atlantic Resort. Neste evento, quis fazer um trabalho diferente do que é habitual no seu restaurante. “Aqui, temos de ser mais rápidos; por isso não há tantos pormenores, não está tudo perfeitamente alinhado. Pensámos em coisas mais simples, mas com sabor. Trouxe um pouco do Algarve e fiz um blend com a Madeira. Tendo algum conhecimento da gastronomia de cá é mais fácil.” Do Algarve veio, por exemplo, a sua farinha de milho, com uma moagem muito própria, para elaborar o xerém. E como na Madeira não há o produto com que costuma preparar o prato, berbigão, este foi feito com lapas. Acompanhou o pargo.

Desde o começo da preparação do almoço até ao último café servido, o ambiente era de dinamismo e alegria, tanto na cozinha como na sala. “Eu entendo que o trabalho tem de ser divertido. Aquele tempo de repressão, dos gritos nas cozinhas, já acabou. Essa mentalidade já está ultrapassada há algum tempo”, acredita Luís.

Ainda assim, o trabalho da cozinha continua a ter características que não são apelativas para todos. “O que afastou mais as pessoas foram os horários. São muitas horas e horários repartidos. As pessoas nem conseguem estar com a família, e acho que a pandemia veio abrir a mente das pessoas. Hoje, querem ter mais qualidade de vida, uma vida própria, e é esse o caminho que tem de se seguir.”

No seu restaurante, Luís Brito conseguiu manter toda a gente durante a pandemia e orgulha-se de ter a mesma equipa há cinco anos. “O ano passado, ponderei muito e decidi fechar o restaurante mais um dia por semana, porque só tínhamos de folga. Sabia que ia perder financeiramente, mas que com isso iria manter e motivar as pessoas que trabalham comigo.”

A fórmula de manter a tranquilidade e o dinamismo na cozinha funcionou na perfeição no almoço do Kampo.

Kampo
Preço: 12 Chefs, 12 Meses, 65 euros

O mel da fábrica do Ribeiro Seco
“A cana-de-açúcar é uma cultura muito complicada, demora muito tempo, quase 12 meses, mas é muito tradicional na Madeira”, refere Cláudia Melim, que está agora à frente do negócio de família, aberto em 1883. Neste engenho de cana-de-açúcar trabalha-se dia e noite durante três semanas de abril, altura em que a cana é colhida para ser processada. “Em junho planta-se e lá para fevereiro começa a haver a maturação da cana. Nessa altura, apanha-se para se fazer aguardente, mas para o mel, só em finais de março, início de abril.” Aqui se explica todo o processo de fabrico, desde a trituração da cana até às filtrações, evaporação e clarificação. É complexo e nada tem a ver com a produção de melaço, refere. “O melaço não é filtrado, tem muitas impurezas. Demora três horas a fazer enquanto o mel de cana demora 22 horas.” Depois de três semanas de produção intensiva, a fábrica continua aberta para embalamento e quem por lá passar pode adquirir os produtos na respetiva loja.

Produção de Mel de Cana da Madeira, Fábrica Ribeiro Seco
(Miguel Pereira/Global Imagens)

Bolos e bolachas da Chábom
Foi no início dos anos 1980 que um chef de cozinha e um casal de empresários alentejanos decidiram abrir uma fábrica de bolos e bolachas na Madeira. “Eles chegaram aqui e ganharam paixão pela ilha”, conta o chef Júlio Pereira, também ele um continental, natural da Carvoeira (litoral de Mafra), que se deixou encantar pela Madeira. A aposta deles foi fazer algo “impensável”, elaborar produtos sazonais, que só se comiam por altura do Natal, as broas e os bolos de mel. “Eles acreditaram que se podia vender estes produtos durante todo o ano” e assim foi. A empresa está aqui desde esse tempo e foi-se modernizando mecanicamente, mas mantendo a tradição, as receitas e a forma de fazer. É essa a base da Chábom, que Júlio adquiriu no início do ano. “Acredito neste produto e no seu potencial fora da região”, diz. O chef prometeu à família que não vai alterar os produtos tradicionais, como o bolo de mel, cuja história remonta ao século XVI, feito com o tradicional mel de cana-de-açúcar e as broas (bolachas) de mel e também as de manteiga. Além destes produtos, saem daqui chocolates e rebuçados de vários sabores, como maracujá, banana ou mango. Tudo produtos locais.

Fábrica da Chábom (Fotografia de Miguel Pereira/GI)

Mercado dos Lavradores
Frutos tropicais de várias cores, feitios e sabores, diversidade de peixe fresco, ervas aromáticas, condimentos diversificados, tudo isto se pode encontrar no Mercado dos Lavradores, no Funchal. Inaugurado em finais de 1940, no centro da capital do arquipélago, foi desenhado, em estilo art déco e modernista, por Edmundo Tavares.

Mercado dos Lavradores (Fotografia de Miguel Pereira/GI)

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Mapa da ficha ténica
Morada
Rua das Maravilhas, 170, Funchal
Telefone
291 741 503
Horário
Das 9h às 18h. Não encerra.


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Caminho de Santo António, 23A, Funchal
Horário
Das 8h às 16h. Encerra ao sábado e domingo.


GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245
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Morada
Largo dos Lavradores, Funchal
Telefone
291214080
Horário
De segunda a sexta, das 07h às 18h. Sábado, das 08h às 14h. Encerra domingo e feriados.
Custo
() Acesso livre.


GPS
Latitude : 32.6486424
Longitude : -16.903881400000046
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Mapa da ficha ténica
Morada
Rua do Sabão, 6, Funchal, Madeira
Telefone
924 438 080
Horário
Das 12h30 às 15h e das 18h30 às 23h (de quinta a domingo abre meia hora m ais cedo). Não encerra.
Custo
(€€) Preço médio: 30 euros

Website

GPS
Latitude : 39.3999
Longitude : -8.2245




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