O dia chuvoso não rouba beleza à paisagem oferecida pelo MUSEU ARQUEOLÓGICO, inserido no Paço dos Condes de Barcelos, e de onde se vê o rio Cávado, a Ponte Medieval que o cruza e o casario da freguesia de Barcelinhos, na outra margem. Estamos junto ao Cruzeiro do Galo, alusivo ao “único milagre de Santiago em terras portuguesas”, conta Nuno Rodrigues, técnico de turismo da Câmara Municipal de Barcelos. Há várias versões da lenda, mas acabam por convergir todas no ponto em que um galo cozinhado cantou para provar a inocência de um galego, e que este foi salvo na forca quando Santiago lhe segurou pelos pés.
São várias as lendas que correm pelo CAMINHO PORTUGUÊS DE SANTIAGO CENTRAL – CAMINHO PRIMITIVO, que está atualmente em processo de certificação. Importa não confundir, contudo, com o Caminho Primitivo, o primeiro itinerário de peregrinação, que liga Oviedo a Santiago.
Segundo dados da Oficina do Peregrino, o Caminho Português de Santiago Central, que arranca em Lisboa e tem 635 quilómetros, é o mais percorrido em território português. A partir de Barcelos, e passando por Ponte de Lima, Paredes de Coura e Valença, há um percurso repleto de natureza, história e gastronomia, que pode ser conhecido também de carro, num curto espaço de tempo, como um fim de semana em família.
A identidade de Barcelos “está muito ligada ao caminho”, continua Nuno Rodrigues, referindo-se ao edificado onde estão atualmente os Paços do Concelho. Outrora, aglomerava vários edifícios, tendo sido um deles o Hospital do Espírito Santo, que serviu de posto de assistência aos peregrinos. Ainda no centro histórico, merece visita a TORRE MEDIEVAL, também conhecida por Centro de Interpretação do Galo e da Cidade de Barcelos, onde está patente uma exposição que dá a conhecer o trabalho do oleiro Jaime da Silva Barbosa; e o MUSEU DA OLARIA, onde se tenta preservar a memória da olaria tradicional.
Isto, antes de se partir para o restaurante PEDRA FURADA, na freguesia homónima. O nome advém igualmente de uma lenda, que faz referência à pedra que Santa Leocádia furou com a cabeça, depois de ter sido enterrada viva em Toledo, no século IV.
Quem conta o episódio é Herculano Ferreira, o homem à frente deste restaurante, aberto há 77 anos, que gosta de encadear as histórias animadas com os seus clientes. Por ali, a especialidade é galo recheado à moda de Barcelos. Uma receita que consiste em colocar a carne em vinha d’alhos, recheá-la com “carnes fumadas, farofa e vinho verde de Barcelos” e levá-la a assar num forno a lenha, explica Herculano. O prato, à semelhança de outros da carta, é uma receita da mãe de Herculano, Maria Antonieta, e já conquistou o paladar de portugueses e estrangeiros, peregrinos ou não, bem como o primeiro lugar de diversos concursos promovidos pela autarquia.
VIDAS MOLDADAS PELO CAMINHO
De Barcelos até Ponte de Lima são 34 quilómetros. A vila mais antiga de Portugal convida a desacelerar junto ao Rio Lima, atravessado pela Ponte Medieval. É a escassos metros do monumento que se encontra o RESTAURO À SEXTA. Ali, ao lado da mulher, Manuel Martins repara mobiliário e dá alento aos peregrinos que lhe passam à porta. As setas com os quilómetros que distam entre Ponte de Lima e outros destinos, como Rubiães, Valença e Santiago de Compostela, denunciam a relação estreita daquele lugar com o Caminho.
Uma afinidade que terá começado durante a pandemia, quando os alojamentos estavam encerrados, levando Manuel a resolver “muitas situações aos peregrinos”, como aquela em que “três senhoras italianas” queriam dormir na loja, conta bem-disposto. A pandemia passou, mas a ligação ficou. “Eu acho que sou uma ferramenta dos peregrinos”, assegura Manuel, que não deixa os caminhantes partir sem desejar “bom caminho”. De chapéu e cajado, o marceneiro canta “Toca o sino da minha oficina para passarem os peregrinos / cheios de força e energia, eu vos saúdo com muita alegria”, e termina tocando o sino quantas vezes o número de pessoas a quem se dirige. E energia é aquilo que o percurso que se segue, até Paredes de Coura, pede a quem o faz a pé. Se de carro se trata de um trajeto que demora menos de 30 minutos, a pé, a etapa que inclui a subida na Serra da Labruja pode demorar seis horas.
O destino é Rubiães, uma freguesia courense, onde Marlene Castro construiu o seu NINHO, em forma de albergue, na casa em pedra que pertencia à bisavó Josefina. Este projeto surgiu naturalmente na vida da professora de matemática e ciências, com uma queda pelo teatro – que a fez dedicar-se uns anos à expressão dramática, depois de um mestrado em Madrid. Marlene viajou, passou por Espanha, Inglaterra e Timor, até regressar às raízes, em Rubiães, onde certo dia deu abrigo a uma peregrina alemã que “andava a caminhar há dois anos”. A experiência fê-la pôr também os pés ao Caminho, e quando regressou “mudou tudo”. Já não concorreu às vagas de ensino e começou as obras, que vão sendo feitas conforme a sua disponibilidade. Hoje em dia recebe peregrinos, e não só, nas 17 camas – duas delas em quartos privativos – que compõem o Ninho.
Grande parte do tempo de Marlene é passado na freguesia, que a deslumbra constantemente, em passeios com a sua adorável cadela Carolina até à ponte românica de Rubiães, sobre o rio Coura, que está no Caminho de Santiago. A dez minutos a pé encontra-se, abraçada por arvoredo, a Igreja de São Pedro de Rubiães, também integrada no Caminho. No exterior, vale a pena apreciar os cachorros esculpidos com temas humanos e animalescos.
Ainda na freguesia, o restaurante BOM RETIRO recebe quem procura pratos acessíveis e generosos. Rafael Cerqueira da Cunha, um filho da terra, trabalhou na Suíça, teve uma loja na Fortaleza de Valença e ficou com este espaço há 12 anos. A localização faz com que receba muitos peregrinos, por vezes 100 por dia. Para eles, há um menu que varia entre 9 e 12 euros, mas qualquer pessoa consegue ali comer um prato bem servido de rojões, dobrada ou robalo grelhado, por 6,50 euros.
UMA FORTALEZA NO CAMINHO
O Caminho segue para Valença e passa pela QUINTA DO CAMINHO, um alojamento rodeado por natureza, com restaurante, bar, piscina, hidromassagem e serviço de massagens, gerido por Henrique Barreira e a irmã Alcina Barreira.
Do passado ligado à agricultura restam três moinhos e um engenho, agora desativados, que eram alimentados pelas águas que correm no ribeiro da Mira. É com este cenário que se descansa num dos 11 quartos duplos, todos diferentes, ou numa das seis camas da camarata, procuradas sobretudo por peregrinos. Perto, nem a 100 metros, avista-se a ponte romana da Pedreira, cujo nome é explicado por Diogo Dinis, filho de Alcina: “Chama-se pedreira porque diz-se que as pedras da Fortaleza de Valença saíram dali”. E é precisamente para essa fortificação, a cinco quilómetros, que seguimos. Entre a Porta da Coroada, por onde se entra, e a Porta da Gaviarra, por onde se sai, há cafés e restaurantes, ideais para repôr as energias, como o FATUM, espaço de comida de base tradicional portuguesa, com noites de fado ao vivo.
Avançando-se pela Ponte Internacional de Tui, Portugal vai ficando para trás e entra-se, finalmente, em Espanha. Pela frente, ainda há uns 100 quilómetros para andar. Um percurso longo que termina na Praça do Obradoiro, em frente à Catedral de Santiago de Compostela, num ambiente de emoção, capaz de marejar os olhos de quem não é peregrino. Mas plantando a vontade de um dia o ser.
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