Óbidos: há vida nova na velha vila

Óbidos: há vida nova na velha vila
A ginja, o chocolate e o castelo já não são os únicos elementos no postal de Óbidos. Nos últimos anos têm surgido novos projetos que sabem aproveitar a tradição dando-lhe uma lufada de ar fresco.

A antiga vila das rainhas carrega o peso da história com ar de menina. Talvez sejam os bons ventos do oeste que a fazem fértil em novas e criativas maneiras de atrair visitantes. Vêm pela ginja, pelo chocolate e o castelo medieval, mas demoram-se pelo charme pitoresco das ruas, de casas caiadas, com faixas de cores diferentes e trepadeiras em flor, pelas histórias, os mitos e lendas que encontram pelo caminho.

Há um cruzeiro da memória e uma porta da traição, ainda um lugar que terá albergado a primeira reunião dos capitães de Abril e outros tantos pontos com narrativas para contar. São locais de paragem obrigatória nos passeios guiados da Silver Coast Travelling, que levam a conhecer a vila para lá das atrações mais comuns, ouvindo testemunhos de quem é dali. A cidadela percorre-se sem grande demora, mas vale prolongar a visita em algumas moradas.

Uma delas fica ao fundo da rua Direita, de frente para a igreja de Santa Maria e a praça com o mesmo nome. Ali, durante a tarde, o ar enche-se de um aroma doce, sempre que saem do forno a lenha os bolos da Capinha d’Óbidos. É a confeitaria onde Anabela Capinha se dedica a recuperar o receituário da família e da região. «Todos os nossos produtos têm história e o meu trabalho é ir ao encontro de receitas antigas» explica. Broas de azeite com mel ou de batata doce com passas, bolinhos de limão, biscoitos e, claro, as capinhas – uma receita de família com mais de 100 anos.

Este bolo feito com doze especiarias tem a forma de uma ferradura e demora seis horas a preparar. «Antigamente era conhecido como o bolo das noivas, que o ofereciam aos convidados como recordação do casamento e guardavam um para si, para dar sorte», conta Anabela. É à vista de todos que trabalha as massas e é também ali que organiza oficinas de pão e doçaria para quem desejar aprender a arte.

Mais à frente, na mesma rua, são outras as histórias que ocupam as paredes do Mercado Biológico, um dos lugares que dá a Óbidos o título de Vila Literária. Dispostos em caixas de fruta, estão «à volta de 30 mil livros», estima João Batista, o responsável por este mercado, que é também livraria alfarrabista. As frutas e legumes são todas provenientes de produtores locais, e vendemse ali, ao lado dos títulos de literatura estrangeira, direito, política, poesia ou até religião.

 

Comer e dormir entre pedra

Já fora da cidadela, mas à distância de uma pequena caminhada, encontra-se boa mesa num antigo edifício que há menos de um ano é a casa do Ja!mon Ja!mon. É uma das sementes do Espaço Ó, uma incubadora para novos projetos do concelho, e que deu frutos pelas mãos de André Pontinha. Vai buscar o nome e a forma de servir ao país vizinho, mas na comida reinam os sabores portugueses. Bochechas de porco estufadas com rebentos de mostarda, um delicioso prego de atum em bolo do caco ou o tenro polvo assado com batata doce compõem uma carta recheada de petiscos para partilhar, em família ou até com desconhecidos, que André não faz cerimónia em sentar estranhos na mesma mesa.

«Não são poucas as vezes em que saem daqui amigos», conta. O ambiente informal e o som da guitarra comunitária, que vai passando de mão em mão, ajudam a quebrar o gelo. Mas são as pequenas salas, de paredes em pedra rústica, o que mais aconchega, principalmente a que tem a lareira acesa nos dias de inverno, onde se ouve o crepitar da lenha. Basta juntar o vinho e fica completa a receita para um serão bem passado, até que o avançar da noite obrigue a procurar poiso. E para dormir como um rei não é preciso subir até ao castelo.

Do outro lado da rua abrem-se as portas do Hotel Real D’Óbidos, bem ao estilo medieval. Está instalado numa antiga casa do século XIV, e conta com 18 quartos nomeados em homenagem a vários reis e rainhas da monarquia portuguesa que tiveram ligação à vila de Óbidos. Todos eles estão decorados ao pormenor, com réplicas de mobiliário de época e algumas peças originais – e todo o conforto assegurado.

Vale ainda a pena guardar algum tempo para percorrer os corredores e as salas comuns, e apreciar de perto as armaduras, espadas e tapeçarias que adornam cada recanto, e guardam também algumas histórias. «Numa viagem de família a Toledo vimos uma armadura que era exatamente o que procurávamos e não tivemos meias-medidas, trouxemo-la connosco sentada no carro de volta para Portugal», conta José Inácio, o diretor do hotel. Outras relíquias foram encontradas ali mesmo, durante as obras de reabilitação do edifício, como a bola de canhão, que data das invasões napoleónicas. Lá fora, um passeio em volta da piscina de água salgada, um dos chamarizes mais apreciados no verão, ou pelo terraço das namoradeiras, abre vista sobre a vila adormecida.

 

A pérola natural da região

Noutros tempos, a Lagoa de Óbidos também fazia parte da paisagem próxima da muralha da vila. Hoje está mais distante, fruto do recuo natural das águas, mas continua a ser um dos cartões de visita da região, uma pérola natural partilhada pelos concelhos de Óbidos e Caldas da Rainha.

Ao longo dos seus 22 quilómetros de perímetro, há pretextos para várias lendas. Uma das mais conhecidas e contadas pelos habitantes locais é a lenda dos musaranhos, uma espécie de homem marinho que alguns pescadores alegam terem visto no braço do Bom Sucesso.

Com ou sem criaturas míticas, a lagoa é, em toda a sua extensão, berço de uma biodiversidade e riqueza natural única, ainda envolvida por um sossego capaz de surpreender. «Nunca sabemos o que vamos encontrar. A lagoa visitada a várias horas do dia tem paisagens, cores e espécies diferentes para ver e conhecer», garante Rita Martins, da Liga para a Proteção da Natureza, e coordenadora do futuro Centro de Interpretação da Lagoa de Óbidos, a abrir ainda este verão.

Para quem gosta de birdwatching, por exemplo, a lagoa está repleta de bons locais para ficar à espreita de flamingos, guarda-rios, da garça real, a águia pesqueira e outras tantas espécies que ali habitam ou passam em migração.

Não faltam ainda praias tranquilas, percursos para um passeio a pé ou de bicicleta, ou atividades náuticas para se deixar fluir com a água, como o kitesurf, o stand up paddle, vela, remo e caiaque.E, acima de tudo, a lagoa é um modo de vida ainda, estando rodeada de pequenas aldeias de pescadores, com cabanas feitas em madeira e cana – abrigos onde esperam pela maré baixa antes de sair para a pesca e apanha de bivalves.

Um dos peixes que mais cai na rede é a enguia, o ingrediente principal de um dos pratos mais populares do restaurante Távola, ali na Foz do Arelho, onde o mar entra pela lagoa dentro. O saboroso ensopado de enguias, servido sobre pão torrado, é estrela da carta, forte em peixe fresco e marisco, do restaurante fundado há mais de 20 anos por Alberto Gomes. «Na altura era mais uma tasca onde se serviam alguns petiscos», conta a filha Mónica, mas depressa a casa cresceu.

Desses tempos ainda resta a vasta oferta de vinhos e uma invejável coleção de aguardentes velhas e vinhos do porto, exposta nas paredes da sala nas traseiras. Para terminar em boa nota há que provar a sobremesa da casa, umas migas doces, ricas em calorias mas que valem cada colherada. Muito perto dali, a centenária Quinta da Foz, datada de 1568, promove vários programas para ajudar na digestão, a começar por uma bela infusão de lúcia-lima, cultivada ali e tomada ao pé da lareira.

Também ali se podem conhecer excertos da história da falcoaria, contados pelo falcoeiro Miguel Gomes, na companhia de algumas aves de rapina. Mais tarde talvez se possa vê-las voar nos jardins da quinta, ainda povoados por pavões, e que merecem um passeio por si só. Ou ainda fazer uma visita à cavalariça e ao picadeiro, onde também se organizam sessões de tiro com arco, num ambiente algo revivalista da época medieval que tanto inspira esta terra, uma perfeita junção de história, natureza e criatividade, que a cada passo banha a tradição com uma lufada de ar fresco.
A rota da ginjinha

É a bebida da região por excelência, mas há que saber não tomar gato por lebre. A Rota da Ginja, promovida pela Silver Coast Travelling leva a conhecer o percurso da ginjinha, dos ginjais ao produto final. Para tal é preciso rumar ao Sobral da Lagoa, onde se encontra a maior concentração de produtores deste licor. É o caso da empresa familiar Oppidum, onde Marta Pimpão e o pai, Dário, continuam a perpetuar o saber ancestral da ginjinha. «Os frutos vêm de agricultores locais, alguns dos que já traziam os frutos ao meu bisavô, quando ainda só era armazenista, e depois de selecionados são colocados em álcool onde ficam durante alguns anos em infusão, antes de estarem prontos para fazer o licor», conta Marta.

Outra das empresas da região é a Vila das Rainhas, que além do licor utiliza ainda a ginja para fazer bolachas, biscoitos, gomas e até pastéis de nata. Prova de que há sempre espaço para novas ideias.
Vinhos DOC Óbidos
Outro dos frutos nobres desta terra é a uva, em especial a casta branca Vital, uma das utilizadas na produção dos Vinhos de Lisboa, na qual se inserem os DOC Óbidos, influenciados pelos ares do Atlântico e da serra de Montejunto. Para conhecer o legado vínico do oeste a West Side Stories desenhou sete rotas que percorrem algumas quintas da região. Uma delas leva a visitar a Quinta do Sanguinhal, no Bombarral, fundada em 1926 por Abel Pereira da Fonseca, nome conhecido do panorama vínico do país.

Hoje é Ana Reis, quarta geração da família, quem conta a história do bisavô e leva a conhecer as caves de envelhecimento, a antiga destilaria, as vinhas e os velhos lagares. É ali que dá a provar alguns dos rótulos da casa, que incluem ainda aguardentes vínicas e um vinho licoroso. Bebidas que terão conquistado até Fernando Pessoa, não fossem suas as palavras escritas no verso de uma fotografia que o mostra a beber um copo de vinho numa as lojas de Abel Fonseca em Lisboa: «Carlos: Isto sou eu no Abel, já próximo do Paraíso Terrestre, aliás perdido».

 

Algo está a fazer com que o sistema não consiga mostrar a ficha ténica desejada. Pedimos desculpa pelo incómodo.

 

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