O dia começa cedo na Herdade do Freixo do Meio, e para acompanhar o início das atividades é preciso seguir na direção oposta à de Montemor-o-Novo e chegar à aldeia de Foros de Vale Figueira. Quando o carro encontra o caminho de terra batida, centenas de galinhas percorrem já os 440 hectares de montado para comer diretamente da terra, tal como acontecerá ao longo do dia com as ovelhas, as vacas barrosãs, os porcos pretos e os borregos.
Mais tarde, será hora de fazer pão com as bolotas que caem das árvores e de cozinhar com a carne dos animais da quinta o tradicional cozido bio, em potes de barro e lume de chão, o único prato servido no restaurante do Freixo do Meio. O visitante pode recriar o antigo almoço dos camponeses num dos workshops da quinta, mas também fazer uma visita guiada ou pernoitar na herdade.
Talvez Alfredo Cunhal, engenheiro zootécnico de formação, se tenha inspirado na máxima de Lavoisier para desenhar e dar vida a este agroecossistema, em que «nada se perde, tudo se transforma». A herdade tem lagar, salsicharia, padaria, uma unidade de transformação de vegetais e de carne, de onde saem produtos como enchidos, carne, tomate seco, azeite e vinho biológico, que seguem depois para uma loja própria no Mercado da Ribeira, em Lisboa. A carne tem, por vezes, outros destinos como o restaurante L’and, que recuperou há um par de meses a sua estrela Michelin, a única do Alentejo.
O restaurante está inserido no hotel vínico L’and Vineyards, às portas de Montemor-o-Novo, também propriedade da família Cunhal.
Por esta altura, ainda se ouvem felicitações pela reconquista no guia vermelho. «Esta estrela foi sofrida», admite Miguel Laffan, mas é tempo de olhar em frente. Até na carta do L’and, que recebeu agora um novo menu de estação. No centro está a carne que o chef adora trabalhar, o porco preto ibérico, com trufa negra, puré de aipo, alho e salsa. Mas, antes, um desvio no menu é aconselhado para provar a empada asiática com carne de caça, trufa negra e raspas de foie gras, que Laffan secretamente chama de «Era uma vez um alentejano, um japonês e um francês…»
Para a sobremesa, deixou as internacionalizações de parte e fez antes uma viagem pelos doces conventuais. Talvez influência do antigo Convento de Nossa Senhora da Saudação, no interior do castelo de Montemor-o-Novo, que inspirou também uma montemorense a resgatar a sopa dourada, sobremesa que diz lá ter sido criada.
É numa das estreitas ruas no centro da cidade que a encontramos, no restaurante A Adega. A dona Gina cozinha e o marido, o senhor Zé, trata do serviço. Juntos recordam os tempos em que na adega se bebia traçadinho e petiscava ao fim do dia. Agarraram o espaço há ano e meio e quiseram uma espécie de regresso às origens. Aumentaram a garrafeira, conservaram o ar rústico e alargaram os petiscos à cozinha alentejana. O lombo de porco preto, recheado por Gina com farinheira e tâmaras, é um dos mais populares, mas seria injustiça não falar do queijo amanteigado derretido com orégãos ou dos cogumelos selvagens.
Não é preciso mais reforço para subir ao castelo – até porque a gula continua nas seguintes paragens deste roteiro. Até lá o reconhecimento pelo centro histórico pode ir sendo feito pelo caminho, passando pelos antigos solares e pelas casinhas brancas, até à muralha. Resta pouco da construção original, pois o castelo ficou parcialmente destruído no terramoto de 1755. Mas a história não esquece que ali decidiu D. Manuel I avançar com a viagem que resultaria na descoberta do caminho marítimo para a Índia.
Se os ares frios do topo se fizerem sentir, encontra-se consolo num chocolate quente à lareira, servido no Palacete da Real Companhia do Cacau, a 15 minutos a pé. É uma verdadeira cortesia esta que o hotel de charme oferece a todos os hóspedes, pela hora do lanche. No inverno, os scones, as compotas caseiras, os bolos e as bolotas assadas acompanham a bebida quente; já no verão bebem-se refrescos junto à piscina.
Seja qual for a altura do ano, o chocolate está sempre presente.
Ou não fosse este o «único palacete a nível mundial com uma fábrica de chocolate no interior». Palavra de Moisés Gama, gestor que comprou em 2010 com a sua mulher, Sandra Gouveia, economista, o edifício do século XIX, na véspera de uma viagem. Quando aterraram em Pequim, no dia seguinte, estava já decidido que iam concretizar um antigo sonho de produzir bombons de qualidade superior, com recheios orgânicos ou de origem controlada.
A recuperação do palacete prolongou-se por três anos. Fizeram do antigo picadeiro fábrica, definiram uma formulação com um mestre chocolateiro para criar 16 bombons, construíram seis suites em tons chocolate e com banheiras XXL no antigo armazém de cereais, renovaram dois quartos clássicos no palacete e transformaram os salões do primeiro andar em áreas comuns. Concretizaram também os pormenores que definem um hotel – como os bombons deixados na mesa-de-cabeceira, as camas em tamanho king size, os jantares no salão com as receitas madeirenses da família de Sandra, o pequeno -almoço sem hora para terminar.
Não se aconselha a deixá-lo para tarde no dia seguinte, pois ainda há outras facetas de Montemor-o-Novo a descobrir. A ecopista do Montado, que liga a cidade à Torre da Gadanha por um antigo caminho-de-ferro ao longo de 12 quilómetros pode ser uma das opções para recuperar do consumo de chocolate.
Quem não estiver disposto a abandonar para já a temática encontra numa das ruas centrais da cidade a Confeitaria Capri. É lá que o incansável mestre chocolateiro António Melgão vai trabalhando em novos projetos simultaneamente, como fazer o seu próprio chocolate a partir de favas. criar bombons com propriedades medicinais e inventar outros que sabem a infância. «Criei bombons com recheios de pastilha Pirata, Perna de Pau, pão com manteiga, café com leite que a minha mãe fazia todas as manhãs. Fazem -me regressar à infância», admite.
Regressar é também um bom verbo para falar de Montemor. A cidade tem a única gruta na Península Ibérica com arte rupestre do Paleolítico Superior aberta ao público. E a viagem a 30 a 10 mil a.C. faz -se num curto percurso de automóvel até ao Centro de Interpretação da Gruta do Escoural, tutelada pela Direção Regional de Cultura do Alentejo.
A marcação prévia é obrigatória e a melhor altura para visitas é no inverno, nos dias após a chuva, altura em que as pinturas alusivas a cavalos ou auroques (antepassados dos touros) estão mais nítidas. Existem centenas de traços documentados na pequena gruta, mas só uma pequena percentagem é facilmente percetível.
Com sorte, consegue ver -se a gravura três cavalos sobrepostos, a mesma que surge também nas placas indicativas do Escoural, já no regresso a casa. Um regresso ao presente com a cabeça no passado – e o sentido nas caixas de chocolate que seguem na bagageira.
Evasões Recomenda
COMER
Longitude : -8.21706800000004
Longitude : -8.246797767150838
VISITAR
Longitude : -8.166296
FICAR
Longitude : -8.217921100000012
COMPRAR
Longitude : -8.21552900000006
Longitude : -8.216343700000039