Crónica de Paula Ferreira: o urbanismo ao serviço das pessoas

Pontevedra (Fotografia DR/Spain.info)
Pontevedra prova ser possível retirar os carros dos centros das cidades. Ganham todos. O comércio prospera e a segurança também: zero mortos em acidentes rodoviários

Festejar. Este é um verbo muito praticado do lado de lá da fronteira. Os nossos vizinhos não precisam de grandes pretextos para fazer a festa. É vê-los, a eles e elas, devidamente produzidos, aos fins de tarde, à volta de uma mesa, tomando uma copa e petiscando umas tapas. Às vezes pergunto-me, com uma ponta de inveja, se aquela gente não janta, como nós, em casa à horinha certa? Se não estão à mesa, encontra-los-emos, certamente, a passear a criançada ou os seus cães nos parques e jardins das cidades, seja verão ou inverno.

Basta atravessar a fronteira em Valença e entrar em a Tui e tudo muda. O ambiente descontraído, o usufruto da rua, tão diferente do modo de viver português. Os nossos parques e jardins, tirando os turistas que por cá pululam, parecem ter sido feitos apenas para os pássaros e para esculpir canteiros de flores, que poucos se apercebem do seu aroma.

Quando visito a Galiza, aqui a dois passos, prometo voltar mais vezes, de tal maneira aprecio o modo de viver descontraído dos nossos vizinhos. Um destes fins-de-semana rumei às rias baixas e, claro, não me arrependi. Em Pontevedra, uma cidade feita para as pessoas, anda-se a pé e raramente nos cruzamos com um carro no centro histórico. Há gente, muita gente, na rua, nas compras, a conviver nas múltiplas esplanadas – enfim, vivendo a cidade. Na última vez que lá estive, grupos de gaiteiros enchiam a cidade de festa. Aqui e ali paravam para que curiosos pudessem apreciar os seus trajes clássicos e os instrumentos tão populares na Galiza, mas ainda assim estranhos a muitos que numa tarde de verão povoavam as ruas.

Se em toda a Espanha a rua é uma verdadeira sala de visitas, em Pontevedra a rua é verdadeirmente das pessoas. Há um antes e um depois de 1999, ano em que a autarquia iniciou a aventura de retirar os carros de dentro da cidade. A medida contestada por parte do Partido Popular – o mesmo que coligado com o Vox acabou de retirar as ciclovias em Elche, em Alicante – só avançou quando o Supremo Tribunal considerou improcedente o argumento da Direita. E ainda bem para os residentes na cidade galega. Hoje, mais de 20 anos volvidos e contra os temores dos mais céticos, o comércio prosperou, a cidade, em contraciclo com o resto do país, ganhou habitantes e, mais importante que tudo, não há vítimas de acidentes rodoviários desde 2011. Como diz Miguel Anxo Lores, alcaide eleito pelo Bloco Nacionalista Galego, “não inventamos nada.” Está tudo nos manuais de urbanismo. Só é preciso dar o passo e pôr o espaço público ao serviço da felicidade das pessoas.




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