Crónica de Jorge Manuel Lopes: Paris a quente

A capital francesa está salpicada de obras acima e abaixo do solo, por obra e graça das Olimpíadas do ano que vem, e nem os museus escapam.

As cidades não têm um período do ano que se possa carimbar como genuíno, definitivo. Conheci Paris gélida q.b. há trinta e tal anos numas longas férias de passagem de ano, a ela regressei um punhado de vezes em trabalho e noutras estações, e reexplorei-a agora, no pino do calor de agosto, novamente de férias. Avisaram-me que, nesse mês, a capital francesa não era bem a capital francesa. Que os nativos partiam a banhos e eram substituídos por uma armada de turistas como eu – um manifesto exagero. Que as ruas e os transportes ficavam mais respiráveis – correto. Que muitas lojas e restaurantes fechavam – certo. E que todos os monumentos, museus, avenidas e esplanadas elísias, boulevards e Senas eram varridos por um tsunami de gente de toda a parte – somos muitos, é verdade, sobretudo americanos, mas não muitos mais do que num outubro, março ou maio.

Paris em meados de agosto de 2023 é um brinco, tem um calor amiúde nublado que sufoca e preços de ir às lágrimas. A cidade está salpicada de obras acima e abaixo do solo, por obra e graça das Olimpíadas do ano que vem, e nem os museus escapam. Há alguns tapumes na praça interior do Louvre e um ou outro espaço em renovação no interior da venerada e quilométrica instituição, mas a sala que alberga a “Mona Lisa” permanece um imperturbável tumulto de visitantes apartados da obra de Leonardo da Vinci por um cordão de segurança e uniformes musculados. Tudo muito bem, mas é no Museu d’Orsay, o meu favorito, que descubro, depois de vistos os Van Gogh, Renoir, Manet e Cézanne, o imponente tríptico “Les âges de l’ouvrier” (1895-97), do pintor belga Léon Frédéric, em que uma massa de homens, mulheres e crianças banhada por uma luz sobrenatural toma conta de uma rua urbana para nos confrontar com uma existência dura, repetitiva, talvez resignada.

Não podia sair de Paris sem experimentar, finalmente, o croque monsieur, o pai da francesinha. Um pai menos exuberante, mais criativo e com redobrado requinte no diálogo de sabores. Pelo menos nas versões do Faste, a poucos quarteirões do concorrido e boémio canal Saint-Martin. Casa pequena, três mesas no passeio, uma dezena de estupendos croques monsieurs concebidos por Nicolas Duquenoy, um “one man show”. O clássico Le Faste traz emmental, presunto branco, bechamel. Le Veggie cruza tomate, beringela, curgete, erva-doce, mozarela, manjericão. L’Exquis Chevre junta queijos de ovelha e Sainte Maure, espinafre, tomate e bechamel. Ao salmão fumado, o Somptueux Saumon adiciona emmental, tomate, erva-doce, bechamel, azeitona e limão. Por cá, há obras de arte por toda a parte, o ano inteiro.




Outros Artigos





Outros Conteúdos GMG





Send this to friend